domingo, 2 de dezembro de 2018

OS TUMULTOS EM FRANÇA E A UNIÃO EUROPEIA



As manifestações das últimas semanas em França, nomeadamente os tumultos ocorridos ontem em Paris, denunciam um grave mal estar civilizacional e a contestação não é só às últimas medidas decididas pelo governo do abominável Macron mas ao próprio funcionamento das instituições. O aumento do preço dos combustíveis terá sido a gota de água que fez transbordar o copo e eclodir a violência urbana.

A ideia da criação de uma união dos Estados europeus, com a confessada finalidade última de evitar uma terceira guerra com a Alemanha, foi, de uma maneira geral, inicialmente bem acolhida pelas populações, apesar destas não terem sido consultadas para o efeito. E verificaram-se algumas vantagens para a maioria dos cidadãos, que não para todos, até à queda do Muro de Berlim e exorcizado que foi o fantasma do comunismo.

A partir da última década do século XX, com a entrada em declínio do Estado social e um progressivo acentuar da interferência de Bruxelas na vida quotidiana dos europeus, começou a manifestar-se um desagrado, sempre crescente, em relação à União Europeia. A actividade da Comissão deveria ser supletiva face às legislações nacionais e não uma constante invasão da ordem jurídica interna dos países, em nome de um suposto direito comunitário.

É um facto que sendo consideradas democráticas as nações que integram a UE, esta não é uma instituição democrática. Não são os cidadãos europeus que elegem a Comissão, o Parlamento Europeu é uma fantasia, e o Conselho, que se fundamentava especialmente no eixo franco-alemão, passou a depender quase em exclusivo, dos interesses da Alemanha.

O funcionamento das instituições europeias, que empregam milhares de pessoas, a maioria em tarefas inúteis, custa biliões de euros aos contribuintes, desperdiçados a remunerar actividades mais nocivas do que proveitosas ao interesse geral.

O comportamento da Alemanha, designadamente nas crises financeiras, é altamente criticável. A humilhação imposta à Grécia em 2011 por Merkel e Schäuble foi uma vergonha, tornada ainda maior porque pretendeu impedir o funcionamento democrático da República Helénica. Também é verdade que a crise das dívidas soberanas dos países da Europa meridional tem servido para a Alemanha arrecadar, através de troikas e quejandos, avultados proveitos que servem mais a banca e o establishment de que os próprios alemães. Sabemos que a política da Alemanha tem tido apoio nos países nórdicos, mas tal não é de estranhar devido a um insólito conúbio luterano/calvinista e parcialmente anglicano, que demonstra que as seitas protestantes possuem uma mentalidade restrita e puritana que torna as sociedades onde estão implantadas incapazes de se identificarem com os países católicos e ortodoxos do sul e de leste.

Não é pois de estranhar uma deriva anti-europeísta em muitos países da União, que só tenderá a crescer se Bruxelas não arrepiar caminho. Julgo mesmo que agora já é tarde. Dizia Salazar que Portugal, um país pequeno, não tinha recursos para sustentar uma democracia. Que pensar então do custo de uma "democracia" à escala europeia? Sem benefícios visíveis, realmente um progressivo aumento do custo de vida!

É urgente repensar o funcionamento da União Europeia, quiçá mesmo a sua existência. Antes que a vaga de contestação que se verifica em França alastre a todo o Velho Continente e se desencadeie uma onda de violência difícil de travar.


3 comentários:

Zephyrus disse...

A criação do euro, o alargamento a Leste, as intervenções nos países islâmicos do Norte de África e do Médio Oriente, a relação hostil com a Rússia, tudo isso foram erros que põem em causa a sobrevivência da União Europeia. Estou convicto que se não houvesse moeda única, ou se esta fosse apenas partilhada por alguns países ricos (Alemanha, Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Áustria), se a Europa tivesse uma política externa independente que defendesse os seus reais interesses, e se vários países de Leste (incluindo a Rússia) tivessem ficado com um estatuto associado e não como membros efectivos, hoje não se falaria da crise na zona euro nem de outros problemas que emergiram em anos recentes. Um dos maiores desastres dos últimos anos foi a política externa de vários países europeus para os países islâmicos. Importa recordar que sem a guerra na Síria, invasão do Iraque ou «Primaveres» não haveria a entrada maciça de imigrantes na Europa Ocidental, facto este que tem sido o combustível para o crescimento dos partidos nacionalistas um pouco por todo o Continente.

Mas recuando um pouco no tempo, importa recordar que um dos gatilhos para tudo o que está agora a ocorrer foi o funesto 11 de Setembro. O que aí ocorreu justificou a invasão do Afeganistão e do Iraque, e reforçou então a popularidade de Bush e dos Republicanos, cujas políticas foram em parte responsáveis pela crise financeira global que se seguiu, a qual por sua vez aumentou drasticamente os preços dos alimentos e da energia, com reflexos globais; o aumento do preço dos alimentos por sua vez foi uma das causas das «Primaveras» e das migrações rumo à Europa e EUA. O «ritual mágico de massas»...

Anónimo disse...

Muito bom.

Anónimo disse...

O comentário do Zephirus é interessante e sintético,o que não é habitual. continuam
Concordo que o alargamento do euro a países com economias débeis como a Grécia ou Portugal foi um erro grave. Devia ser moeda comum de países mais desenvolvidos,e os outros acederiam quando oportuno.
Julgo que a politica externa será das últimas áreas a "comunalizar" na Europa,pois muitos países - e nós não somos excepção -continuam muito ciosos da sua diplomacia,por vezes com resultados desastrosos como alguns dos citados pelo Zephirus. De acordo tambem com as desastrosas consequências do 9/11,mas aí,como noutros dos casos que refere,há o entendimento com os E.U.A.,país que admiro mas que tem cometido nos ultimos anos erros gravissimos de análise e prática internacionais. Nem todas as desgraças são portanto culpas europeias,como parece pensar o autor do blog. E a Democracia continua e continuará a ser o "menor dos males".