terça-feira, 2 de dezembro de 2014
UMA JUSTIÇA JUSTA
Todos conhecemos O Mercador de Veneza, de Shakespeare. É, por muitas razões, uma das obras maiores do teatro universal. Desde sempre convocou multidões e hoje faz parte do repertório dos grandes teatros dramáticos, especialmente em Inglaterra. Várias vezes passada ao cinema, a última grande produção fílmica deve-se a Michel Radford (2004) e contou com a interpretação de Al Pacino, no papel de Shylock, Jeremy Irons em Antonio e Joseph Fiennes em Bassanio.
No entanto, para ópera, em que tantas vezes se adaptaram excepcionais peças de teatro, tinha-se ignorado a comédia trágica do dramaturgo isabelino. Mesmo Verdi, que compôs óperas sobre notáveis peças, incluindo algumas de Shakespeare (Macbeth, Otello, Falstaff), não nos deu The Merchant of Venice, ou Hamlet, ou King Lear. Uma pena. Verdade seja que, em 1905, se estreou no Teatro Nacional de Praga uma ópera sobre o tema, Jessika, do compositor checo Josef Bohuslav Foerster e que Reynaldo Hahn, amigo íntimo de Marcel Proust, compôs Le marchand de Venise, que se estreou em 1935, na Ópera de Paris, obras que não resistiram ao passar do tempo.
Por isso, saúda-se com entusiasmo The Merchant of Venice, do polaco André Tchaikowsky (1935-1982), ópera estreada no Festival de Bregenz (Áustria) em 18 de Julho de 2013 e agora editada em DVD, com libretto de John O'Brien. A encenação de Keith Warner, numa linguagem cénica moderna, evidencia os aspectos essenciais da obra: o amor (homo e heterossexual), o dinheiro, a usura, a religião, o racismo, a clemência e a justiça.
Transcrevo algumas linhas do prefácio de David Pountney, director artístico do Festival de Bregenz, ao livro A Musician Divided: André Tchaikowsky in His Own Words; « Tchaikowsky, after his experiences as a child escaping from the Ghetto and then being in hiding for the remaining three years of the war, survived but was left with a deeply traumatised psyche. Being a depressive and a homosexual was no recipe for a positive experience in Soviet-occupied Poland. He escaped to Britain, where he was a foreigner by birth, and an outsider by nature but also, in a cultural sense, an Anglophile. He knew more about Shakespeare than most of his contemporary British citizens, and wrote better English than most of them, too! His foreign but intensely well-informed operatic view of Shakespeare was something to be treasured, but in the end it too met with silence.»
Intencionalmente, o compositor atribuiu o papel de Antonio a um contratenor, opção correctíssima ainda que, no contexto musical, a voz possa parecer deslocada. Também o encenador entendeu colocar jornalistas (com objectivas) na cena do tribunal em que Shylock pretende obter a libra de carne de Antonio, o que se adequa ao circo mediático que envolve hoje a justiça.
A execução musical da partitura esteve a cargo da Orquestra Sinfónica de Viena, dirigida pelo maestro Erik Nielsen, de um excelente naipe de solistas e do Coro da Orquestra Filarmónica de Praga.
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