sábado, 31 de maio de 2014

A PRIVATIZAÇÃO DA MIJA




A fúria privatizadora deste Governo, das autarquias e dos agentes públicos não conhece limites. Todavia, em algumas áreas, esse zelo é mesmo anterior à vaga neoliberal que agora assola o país. Tomemos como exemplo os sanitários públicos.

Na vigência do Estado Novo, existiam, que eu ainda me lembro, diversos urinóis públicos espalhados pela cidade de Lisboa, onde qualquer cidadão, gratuitamente, se podia aliviar. Já não sou do tempo das famosas vespasianas, em chapa, que, como os coretos, prestavam os seus serviços nos jardins públicos. Inegáveis peças de mobiliário urbano de indesmentível utilidade, sobre as quais Marina Tavares Dias, em homenagem a essa Lisboa Desaparecida, talvez pudesse publicar um livro.

Depois da Revolução de Abril, começou a verificar-se um movimento antidemocrático no que à urina diz respeito. Os sanitários públicos que sobreviveram à destruição das vespasianas começaram a ser progressivamente encerrados. Um dos casos mais lamentáveis  foi o do célebre urinol do Rossio, que serviu inúmeras gerações de cidadãos. Um após outro os urinóis foram sendo extintos, surgindo em seu lugar, e apenas em alguns lugares, umas casinhas esquisitas, sujeitas a estipêndio, habitualmente avariadas e que, por óbvia falta de utilização, foram, na maior parte dos sítios, retiradas. Deve acrescentar-se que a maior parte das pessoas tinha medo de lá entrar.

Subsistiram, é certo, ainda durante alguns anos, os sanitários das estações de caminho de ferro, mas mesmo esses, com o andar do tempo, não escaparam à sanha persecutória. Ou foram encerrados ou privatizados, sendo que hoje quem não tiver uma moedinha para introduzir na ranhura não mija.


Creio que a política das administrações dos caminhos de ferro foi, durante uns meses, fechá-los por períodos de alguns dias, possivelmente para o público se ir habituando, com a desculpa de que se encontravam em manutenção ou que se haviam registado actos de vandalismo. O caso da Estação do Cais do Sodré é um exemplo flagrante. A intermitência da possibilidade de urinar gratuitamente arrastou-se ao longo de um ano, até à decisão drástica de colocar à entrada uma espécie de parquímetro que, no caso, bem se poderia apelidar de urinómetro.


Tenho ouvido os mais veementes protestos contra esta política que, especialmente num período de crise, obriga os cidadãos a uma espórtula para satisfação das suas necessidades fisiológicas, nos poucos locais que restam. Tanto mais que é proibido urinar na rua, ainda que, de noite, muitos se aventurem a tal. E o recurso aos WC de cafés, hoje raros em Lisboa, não é solução, já que os proprietários dos mesmos, identificados com as novas teorias (se queres mijar, pagas), reservam a utilização aos clientes dos estabelecimentos.

Suponho que a situação existente em Lisboa é comum ao resto do país.

Não me recordo, todavia, da comunicação social se ter debruçado alguma vez sobre esta eliminação de tão necessários serviços públicos, mas talvez seja distracção minha.

Uma coisa é certa: não é democrático um país que priva os seus habitantes, encontrando-se no espaço público, de urinar quando têm vontade. Por isso, e usando do direito à indignação, protestamos contra os poderes fácticos que limitam, e mesmo impedem, o direito à micção!


2 comentários:

Anónimo disse...

Apoio 100% o blogger. A eliminação dos urinóis é um acto antidemocrático. É também nestas coisas que se vê a mentalidade dos governantes, sejam câmaras municipais, juntas de freguesia, ou mesmo empresas que prestam serviço público. Nem a desculpa do vandalismo é autêntica. Então puderam ser usados durante tantas décadas e só houve vandalismo nos últimos anos??? Más desculpas!!!

Anónimo disse...

Resta acrescentar que os pobres doentes/utentes que sofrem de incontinência urinária, estão impedidos de aliviar a sua aflição, sim, aflição, porque só quem sofre dessas doenças pode saber o que custa o ser impedido de utilizar um WC, seja ele público ou privado!