sexta-feira, 23 de maio de 2014

A INUTILIDADE DO VOTO ?




Encontro, a cada passo, pessoas que me dizem ir abster-se de votar nas eleições do próximo domingo. Primeiro, porque, tratando-se de eleições europeias, os resultados nada mudam na política nacional; segundo, porque, tratando-se de eleições europeias, os resultados também nada mudam na Europa. Essas pessoas têm, parcialmente, razão. Uma votação altamente penalizadora para a coligação que suporta o Governo não implica a demissão do mesmo; uma eleição altamente penalizadora para os partidos que suportam as políticas de austeridade não tem especial significado, já que o peso de Portugal no Parlamento Europeu é pouco mais do que residual. Pior. Mesmo que a votação a nível europeu significasse uma considerável derrota para os partidos que, na União Europeia, apoiam as políticas neo-liberais que estão (consciente ou inconscientemente) a destruir o Velho Continente, tal resultado não se traduziria na composição da nova Comissão Europeia, já que Angela Merkel teve a bondade de nos informar há dias que já estava escolhido pelos partidos da coligação governamental alemã (a CDU e o SPD) o novo presidente da Comissão e, certamente, uma parte dos seus membros.

Esta declaração da chefe do Executivo de Berlim (cujos membros são apenas a parte visível do "governo secreto alemão"), apesar da habitual desfaçatez da senhora, não pode deixar de provocar algum assombro. Segundo as regras da União, compete ao Parlamento Europeu aprovar o nome do presidente da Comissão (embora este seja proposto pelo Conselho Europeu) e da sua equipa. Estará Merkel tão segura de que a futura composição do Parlamento se inclinará perante o seu diktat? E, caso afirmativo, o que andaram a fazer, em campanha eleitoral pela Europa, o sr. Jean-Claude Juncker (pelo Partido Popular Europeu) e o sr. Martin Schultz (pelo Partido Socialista Europeu), dado que consta que a escolha de Merkel recaiu na srª Christine Lagarde (uma opção com certeza acarinhada por Sarkozy, que havia já propulsionado a sua ministra para o Fundo Monetário Internacional, e que provocará alguma satisfação ao chauvinismo gaulês)? A resposta só pode ser uma: representaram uma farsa, à custa deles (o que menos importa) e à custa dos cidadãos europeus.

Todavia, não é de todo inútil votar nas eleições do próximo dia 25. E, especialmente, votar bem. Sabe-se que os votos dos devotos tradicionais dos partidos são geralmente estáveis. Mas a grande massa dos eleitores, que não é filiada em partidos nem nutre especial afecto por eles, pode desempenhar, no período de grave crise que atravessamos, um papel relevante.

Os partidos do chamado "arco da governação", que são os responsáveis pela tragédia em que nos afundamos, e que não propuseram durante a campanha que hoje termina quaisquer soluções práticas e realistas para minorar as consequências do resgate, até porque comungam da visão da super-estrutura comunitária, merecem sofrer, nos votos, a indignação dos cidadãos eleitores. Daí, a importância de reduzir uma abstenção que se prevê enorme. Uma votação expressiva nos partidos fora do sistema, nomeadamente nos que apresentaram algumas ideias sobre a Europa, e as relações de Portugal com ela, constituirá um aviso sério à Aliança Portugal (que incorpora o PSD, que mentiu descaradamente para chegar ao poder, e o CDS) e ao Partido Socialista.

Os portugueses precisavam de saber claramente o que pensavam esses partidos (numa altura em que o caos progressivamente se instala a nível europeu) sobre a reestruturação da dívida, a permanência de Portugal na Zona Euro, e até na União Europeia, e muitas outras coisas indispensáveis para compreenderam o seu futuro comum. Mas nada lhes foi dito a respeito de tão importantes matérias, tão só banalidades irrelevantes. Dos partidos com assento parlamentar nacional, a verdade é que só o Partido Comunista e o  Bloco e Esquerda elaboraram algum discurso e enunciaram as suas intenções.

Por isso, a votação nos partidos que não sacrificam no altar de Berlim,  a votação portuguesa e a votação dos outros países, é urgentemente indispensável. O "governo secreto alemão" sonha a edificação do IV Reich, como tem sido dito e escrito muitas vezes ao longo dos últimos anos. Agora a criação do lebensraum já não se dirige para Leste mas para Ocidente, apesar das recentes tentativas parcialmente frustradas de intromissão na Ucrânia. Porque não há duas sem três, como diz o povo, a Alemanha, duas vezes derrotada militarmente tenta a terceira oportunidade, agora por meios políticos, diplomáticos, económicos e financeiros. Só intervirá manu militari em caso desesperado. Mas não parece disposta a desistir. O sonho de ressuscitar o Velho Império de Carlos Magno e de Carlos-Quinto, tentado por Guilherme I, afundado por Guilherme II, recuperado e novamente afundado por Adolf Hitler, permanece num povo que, ao longo da História, tanto contribuiu para a cultura universal. Uma contradição humanística ou uma vocação deliberada para considerar untermenschen os seus próximos?

Um Parlamento Europeu maioritariamente composto por deputados opostos à ideologia dominante do directório franco-germânico da União obrigará este a alterar as suas políticas ou a realizar um coup d'État comunitário, o que implicará, inevitavelmente, a queda da máscara pretensamente democrática que ostenta.

O dilema que se coloca no domingo aos cidadãos europeus é, realmente, tão simples como isto: ou a manutenção da actual situação agónica, que levará à implosão pelo menos dos países do sul da Europa, após inúteis sacrifícios das suas populações; ou a refundação de todo o Projecto Europeu.

Em qualquer caso, o regime "contratual" vigente na Europa é insustentável por muito mais tempo.

Esta é uma poderosa razão para votar no domingo, e votar bem!

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