Ordem Soberana Militar de Malta |
Realizou-se no passado dia 10, na Sociedade de Geografia, o III Seminário de Falerística, promovido pela Secção de Genealogia, Heráldica e Falerística daquela instituição, sobre o tema "Ordens Honoríficas e Condecorações: a emblemática da memória".
Entre as várias comunicações apresentadas, registámos, pelo seu interesse e oportunidade, a efectuada pelo embaixador Fernando Ramos Machado, com o título "A Ordem Ecuménica de Malta em São Tomé e Príncipe", que, com a devida autorização do autor, passamos a transcrever:
A
Ordem Ecuménica de Malta em S. Tomé e Príncipe
I
Uma raridade diplomática
Quando, de 2007 a 2012, exerci funções em S. Tomé e Príncipe (STP) constatei,
com surpresa, que estavam ali representadas:
- Por um lado, com Embaixador residente em Lisboa, a Ordem Soberana Militar Hospitalária de S. João de Jerusalém
de Rodes e de Malta, geralmente designada como Ordem Soberana Militar de Malta
ou, simplesmente, Ordem de Malta
- Por outro, com Encarregado de
Negócios e, depois, com Embaixador, residente em S, Tomé, uma Ordem Soberana Militar Hospitalária de S. João
de Jerusalém, Cavaleiros Ecuménicos de Rodes e de Malta OSJ, também chamada
Ordem Ecuménica de Malta e à qual, para simplificar, chamarei Ordem Ecuménica.
A existência de uma Embaixada da Ordem Ecuménica constitui uma verdadeira
raridade diplomática, o único caso dessa natureza que testemunhei directamente,
em mais de quarenta anos de actividade profissional, e o primeiro de que tive
conhecimento. O objectivo deste trabalho é procurar lançar alguma luz sobre uma realidade, muito
pouco conhecida fora de STP e sobre a qual a documentação disponível é
extremamente escassa.
Acrescente-se que a situação em STP é ainda mais especial pois, pelo
menos durante algum tempo, terá estado lá acreditado o Embaixador de uma outra
auto-intitulada Ordem de Malta, a Soberana Ordem de S. João de Jerusalém,
Cavaleiros de Malta, Federação dos Priorados Autónomos. Adiante abordarei,
muito rapidamente, este caso, que não teve qualquer visibilidade e que não
constitui a matéria do presente estudo.
Façamos, agora, o enquadramento histórico, começando pela Ordem de
Malta.
II
A Ordem de Malta
As origens da Ordem de Malta remontam à segunda metade do Séc. XI. Constituiu-se
então, em Jerusalém, uma comunidade monástica, que acolhia peregrinos cristãos e
tratava doentes de todas as religiões. No início do
Séc. XII passou a observar a Regra de S. Agostinho e adoptou S. João Baptista como seu Patrono.
Em 1113, o Papa Pascoal II, pela Bula Pie Postulatio Voluntatis,
reconheceu o Hospital de S. João de Jerusalém como Ordem Religiosa, sob
protecção directa da Santa Sé e com independência perante todas as outras autoridades
religiosas e laicas. Nos anos seguintes, o Hospital, mantendo sempre as suas
funções assistenciais, adquiriu o carácter de Ordem Religiosa e Militar.
Forçada pelas circunstâncias, a Ordem teve de deslocar a sua Sede, sucessivamente,
primeiro para S. João de Acre, depois para Chipre, onde iniciou um período de 500
anos como potência marítima de base insular, seguidamente para Rodes, onde adquiriu carácter soberano, e
ainda para Malta.
Perdida Malta, em 1798, e após o episódio russo e a passagem por Catânia e Ferrara, e tendo declinado as ofertas que lhe foram feitas, das Ilhas de
Gotland e Elba, instalou-se em Roma, onde permanece, desde 1834, em
propriedades suas, que gozam de extra-territorialidade.
A Ordem de Malta é uma Ordem
Religiosa e de Cavalaria da Igreja Católica, a única a manter cavaleiros
professos, dentre os quais é escolhido o Grão-Mestre, que governa como soberano
e como superior religioso. Está presente em 55 Países, através de 6 Grão-Priorados,
6 Sub-Priorados e 47 Associações Nacionais. Conta com 13 mil membros e 80 mil
voluntários, apoiados por 20 mil médicos, enfermeiros e auxiliares. Dispõe de
hospitais, dispensários, centros médicos etc repartidos por 120 Países. Presta ajuda por ocasião de catástrofes
naturais e conflitos armados.
A legitimidade da Ordem de Malta assenta na linha de continuidade
histórica que a liga ao Hospital, fundado em Jerusalém, há mais de 900 anos. É
com essa legitimidade que se prende o reconhecimento de que goza, como sujeito
de Direito Internacional Público. É sabido
que a Ordem de Malta, ainda que tendo perdido a sua base de domínio
territorial, continuou a ser reconhecida como soberana, aparecendo como um caso
sui generis, no quadro do Direito Internacional. A Ordem de Malta mantém,
actualmente, relações diplomáticas com 104 Estados, entre os quais todos os de
Língua Portuguesa, estando também o seu Embaixador em Lisboa acreditado junto
da CPLP. Tem ainda relações oficiais com
outros 6 Estados, relações a nível de Embaixador com a União Europeia e tem estatuto
de Observador junto da ONU e suas
Agências Especializadas.
III
O episódio russo
A Ordem Ecuménica, que é uma criação recente, pretende ser ela a
legítima herdeira do Hospital de S. João de Jerusalém. Para
tal, começa por fazer sua a história da Ordem de Malta até ao final do Séc. XVIII e, depois, interpreta , a
seu modo, o episódio russo e suas sequelas. Importa, assim, tentar resumir aquele momento,
particularmente dramático.
Numa altura em que a Ordem de Malta se debatia com gravíssimas
dificuldades, em particular financeiras, em consequência da Revolução Francesa,
o Czar Paulo I, que desde sempre mostrara a maior admiração pelos Cavaleiros de
S. João, apareceu, aos olhos de muitos , como um salvador.
Ora, havia mais de
um século que a Ordem estava envolvida numa querela quanto à propriedade de
extensos domínios na Polónia, os quais,
com a partilha deste Estado em 1793, ficaram incluídos na parte atribuída à Rússia.
Paulo I, em Janeiro de 1797, pouco depois de subir ao Trono, assinou uma
Convenção com a Ordem de Malta, extremamente favorável para ela - era, designadamente,
criado um Grão-Priorado Russo, em substituição do polaco e com um rendimento
muito superior.
Para exprimir o seu reconhecimento, o recém-eleito Grão-Mestre, Ferdinand
von Hompesch, ofereceu o título de Protector da Ordem a Paulo I, que ele
aceitou, em cerimónia solene, em Dezembro de 1797.
A notícia da queda de Malta frente a Bonaparte, em Junho de 1798, provocou, ao chegar a S. Petersburgo, forte indignação dos Cavaleiros que ali se
encontravam, muitos dos quais emigrados franceses. Destituíram Hompesch e, em Novembro daquele
ano, proclamaram Paulo I Grão-Mestre da Ordem de Malta. Tratou-se de uma
eleição irregular, não só pela limitada participação, como, sobretudo, por o
Czar ser ortodoxo, laico e casado, quando as regras em vigor exigiam, como
exigem, que o Grão-Mestre fosse católico, religioso e celibatário. O Papa não aprovou a destituição de Hompesch ,que, porém,
sob pressão do Imperador Germânico, acabou
por renunciar ao seu cargo . Pio Vi tão pouco aceitou a eleição de Paulo I.
Este, porém, é considerado como tendo
sido Grão-Mestre da Ordem de Malta, ainda que, apenas, “de facto”
Seguidamente, o Czar criou, ao lado do já existente Grão-Priorado (i.e. o Priorado Católico Russo), um novo
Grão-Priorado, geralmente chamado ortodoxo, mas recebendo, também ,
protestantes (e oficialmente designado
apenas como Priorado Russo). Era, esta, também, uma realidade “de facto”, no seio de uma Ordem católica)
Em Março de 1801, Paulo I foi
assassinado. Seu sucessor, Alexandre !,
embora assumindo o título de Protector, não desejava ser Grão-Mestre da Ordem,
tendo encorajado que fosse eleito um novo Grão-Mestre, nos termos estatutários.
O Sacro Conselho, que Paulo I havia criado para governar a Ordem de Malta,
propôs, perante a impossibilidade de se reunir o Capítulo Geral, que se
solicitasse ao Papa que, excepcionalmente, designasse o Grão-Mestre.
A escolha do novo Grão-Mestre, Tommasi, recolheu reconhecimento consensual,
incluindo do Czar e dos dois Priorados Russos, tendo-se auto-dissolvido o Sacro
conselho de S. Petersburgo. Voltava-se, assim, a uma situação de
regularidade. Por outro lado, a Chefia da Ordem deixava a Rússia e passava a
estar em Itália. No que diz respeito à Ordem de Malta propriamente, o episódio
russo poderia , no essencial, considerar-se encerrado.
Na Rússia, Alexandre I foi mais longe e, em 1810, ordenou fossem
confiscadas todas as propriedades dos dois Priorados , o que implicava a sua
extinção. Em rigor, o Priorado Católico não poderia ser extinto
unilateralmente, por ter sido criado no quadro da Convenção de 1797, com a
Ordem de Malta mas, na prática, desapareceu.
Já o Priorado Russo, criado por acto unilateral de um Czar, poderia ser
extinto por acto unilateral de outro. Mas é quanto à abolição ao Priorado Russo
que se levantaram dúvidas, também por causa da nomeação de Comendadores
supostamente hereditários.
Há, de facto
indicações , como as referências nos Almanaques da Corte, de que o Priorado
Russo terá sobrevivido, até à queda do regime czarista,
mas apenas como uma Ordem de carácter
honorífico e cerimonial, figurando os Czares com o título de Protector (e não de Grão-Mestre). O Priorado Russo não se
intitulava “de Malta”, nem pretendeu
rivalizar com a Ordem de Malta, sedeada em Roma, com a qual, aliás, mantiveram relações cordiais os sucessivos
Czares.
O Priorado Russo poderia ter evoluído para ( ou renascido como) uma
Ordem análoga à dos Johanniter luteranos, ou à da Most Venerable Order of Saint
John, anglicana. Tal (pelo menos até agora) não sucedeu .Depois da Revolução de
1917, porém, foram surgindo, no exterior, grupos, mais ou menos credíveis, que pretendiam descender do Priorado Russo . Um desses
grupos é aquele que, após várias vicissitudes, é agora conhecido como Ordem Ecuménica de Malta.
IV
A Ordem Ecuménica
Enquanto que a bibliografia sobre a Ordem de Malta ocupa muitas estantes, sobre a Ordem Ecuménica
não existe quase nada e, em lugar de nos
enredarmos no labirinto da história das auto-intituladas Ordens de Malta,
parece-me preferível concentrarmo-nos sobre o que a própria Ordem Ecuménica diz
acerca si própria e, para isso, consultar os seus sites na internet.
Para a Ordem Ecuménica, a verdadeira Ordem de Malta permaneceu na Rússia,
com carácter ecuménico e tendo, como Grão-Mestres, os Czares que se sucederam
até ao fim da Monarquia. Em Roma,
segundo afirma, estaria uma nova Ordem ,
apenas católica, criada por decisão do Papa Pio VII, em 1802. Destas
afirmações, apenas uma está correcta – a Ordem sedeada em Roma é, de facto,
“apenas” católica, mas católica tinha-o
ela sido sempre, por mais de sete séculos. A Ordem Ecuménica define-se, por vezes, como um dos múltiplos
ramos que descendem do Priorado Russo; implicitamente, aceita a legitimidade
dos outros, ainda que sem esclarecer se os considera soberanos e, portanto, com ” ius
legationis”.
Por outro
lado, para a narrativa da Ordem Ecuménica, é crucial invocar uma suposta decisão de Nicolau
II, “em previsão dos acontecimentos futuros”, de transferir a Ordem para fora
da Rússia. Por instruções suas, o Grão-Duque Alexandre, Grão-Prior
da Rússia, teria reunido , em Nova York, em 10 de Janeiro de 1908, uma assembleia de 80
pessoas, na sua maioria russos, que decidiram estabelecer a Sede da Ordem nos
EUA. Em 1913, com a aprovação do Czar, Alexandre teria sido eleito Grão-Mestre. O
Grão-Priorado americano e a Associação dos Comendadores Hereditários, sedeada
em Paris, teriam sido as bases da reorganização da Ordem, sob a autoridade do
Grão-Duque Alexandre, até à sua morte, em
1933. Na impossibilidade de acordo quanto a um legítimo sucessor do último
Czar, desempenharam funções de
Grão-Prior ou Lugar-Tenente, o
Grão-Duque André, o Conde Zeppelin e o
Coronel Cassagnac. Em 1962, o ex-Rei
Pedro II da Jugoslávia, descendente do Czar Paulo !, foi eleito Protector e
Grão-Mestre. Depois de um longo interregno
após a sua morte, sucedeu-lhe, em 1981, Alexis
de Anjou, alegadamente Príncipe de
Durazzo e “descendente directo do Czar Nicolau II, Grão-Mestre da Ordem em 1917”, o que contradiz
, aliás ,a suposta eleição do Grão-Duque Alexandre em 1913. (Diga-se, entre
parênteses, que o pretenso Príncipe Alexis seria, na verdade, Alexis Brimeyer, e é geralmente considerado um impostor e um
aventureiro). Desde o falecimento de
Alexis, em 1995, a Ordem tem tido, como Lugar-Tenente, o Barão de Lobera (que
se intitula, agora, também Marquês de Merhban ). Provavelmente
devido à nacionalidade do Lugar-Tenente, ganharam particular visibilidade os
Grão-Priorados de Castela e Leão e de Aragão.
Da sua
própria narrativa, resulta que a legitimidade da Ordem Ecuménica assenta, claramente,
numa base muito frágil. Na verdade, Paulo I não transformou uma Ordem católica
numa Ordem ecuménica, nem tinha poderes para tal e, se o Priorado Russo
(ortodoxo ou cujo ecumenismo não incluía católicos) subsistiu após 1810, foi apenas, repita-se, como Ordem honorífica e cerimonial , que não se pretendia
soberana, nem se intitulava de Malta. Por outro lado, a própria ligação que a Ordem
Ecuménica reivindica com o Priorado Russo afigura-se fantasiosa, a começar por
nunca se ter provado a realização da reunião de Nova York , em 1908. Seria absolutamente implausível que Nicolau II
decidisse transferir o Priorado para
fora da Rússia, que tal ocorresse duma forma clandestina e viesse a ser
revelado, apenas, anos depois.
Para além de que procurar estabelecer uma sucessão hereditária do
Grão-Mestrado é algo totalmente estranho à tradição da Ordem de Malta,
constitui um sério revés para a Ordem Ecuménica que, em 1977, o Grão-Duque
Vladimir, Chefe da Casa Imperial Russa e membro da Ordem Soberana Militar de
Malta, tenha encarregado um representante seu de agir contra as falsas ordens
que usurpam o nome da Ordem de Malta e pretendem ser de origem imperial russa.
Em 2009, o Patriarca Paulo, da Igreja Ortodoxa da Etiópia concedeu a sua protecção espiritual à Ordem
Ecuménica, o mesmo tendo feito o seu sucessor, Patriarca Mathias. Outro
Protector Espiritual é o grande Patriarca Supremo do Camboja, Tep Vong, o que quer dizer que, em termos de ecumenismo,
o Barão de Lobera, ainda que apenas Lugar-Tenente, foi bem mais longe que o
próprio Czar Paulo I. Como Protectores
Reais, são actualmente indicados o Rei
do Tibet, Lhagyari Trichen, o Maharana Arvind Singh Newar de Udaipur e o
Príncipe Hatem Bei Hussainid, que concederam a sua protecção, os dois primeiros
à Ordem da Flor de Lis e, o terceiro, à
Ordem do Crescente de Anjou, ambas , segundo afirmam , fazendo parte da Ordem
Ecuménica. Estamos, assim, longe dos Romanov, cuja protecção a Ordem
Ecuménica valorizava sobremaneira.
No que toca a reconhecimento, a Ordem Ecuménica terá conseguido
estabelecer relações diplomáticas apenas com STP, Mali, Madagáscar, Burkina
Faso, Togo e Timor-Leste. Teria acreditado representantes , porém, somente no Mali (com Encarregada de Negócios) e em STP e, apenas neste último País, a nível de
Embaixador.
V
A Ordem Ecuménica e
STP
STP apresenta, assim, grande importância para a Ordem Ecuménica que, apenas
ali, tem, ou teve até há pouco, um Embaixador seu. STP terá, também, sido o
primeiro País que deu reconhecimento diplomático à Ordem Ecuménica.
É surpreendente, mas sobre o
período anterior a 2005, ainda que recente, não existe quase documentação
escrita disponível, sendo uma das razões para tal a circunstância de o Ministério
dos Negócios Estrangeiros santomense não publicar uma lista do Corpo
Diplomático. Agradeço, pois, àqueles, alguns dos quais aqui presentes, que me prestaram valiosas
informações.
Parece certo que os contactos preliminares foram efectuados pela Ordem,
em fins de 1997 ou inícios de 1998, através do próprio Barão Emílio de Lobera, de
António Jorge Oliveira de Andrade e do Major Silva Duarte. As autoridades santomenses reconheceram a
Ordem Ecuménica, em Março de 1998, apesar dos conselhos em contrário que receberam e de estar
então já a decorrer o processo de acreditação do primeiro Embaixador da Ordem de Malta, Conde de Albuquerque. Saliente-se
que este, nos encontros que teve, por ocasião da entrega das suas Credenciais, em
2 de Julho do mesmo ano, teve oportunidade de chamar a atenção das autoridades
santomenses para a existência de entidades desprovidas de carácter soberano e
sem reconhecimento internacional, que utilizam o nome e os símbolos da Ordem de
Malta, ou inspirados neles, e para fins que não os dela. Os interlocutores
agradeceram os esclarecimentos e tomaram devida nota; o mal, no entanto, estava
já feito. E assistiu-se, nesse dia, a algo que deve ser único nos anais da
diplomacia – tendo recebido as Credenciais apresentadas pelo Embaixador da
Ordem de Malta, Conde de Albuquerque, o Presidente Miguel Trovoada recebeu,
também, as que lhe foram entregues pelos
Embaixadores da Ordem Ecuménica e da Federação dos Priorados Autónomos.
Numa página antiga do site da
Ordem Ecuménica, que ainda estava disponível em 2011, mencionava-se o nome de Mark Bulté, como sendo
o Embaixador em STP. Tal informação, no
entanto, parece não ser correcta. Com
efeito, o primeiro Embaixador da Ordem em
STP terá sido o acima referido António Jorge Oliveira de Andrade. Quanto a Mark
Bulté seria o Embaixador da Federação dos Priorados
Autónomos.
Sendo o Embaixador da Ordem Ecuménica, naquela altura, residente em Portugal, ficou o Major Silva
Duarte em S. Tomé, como Encarregado de
Negócios; mais tarde, porém, terá sido ele designado Embaixador, sendo nessa qualidade
que ali é recordado. Silva Duarte, Major da GNR, desempenhou as funções Grão-Prior da Ordem em Portugal e de
Grão-Chanceler. Em STP, onde exercia
actividade empresarial, cumulativamente com a diplomática, terá organizado algumas
acções de benemerência, como a
distribuição de donativos, em particular roupas, provenientes da Europa. Depois
de terminar o seu mandato em STP, é
ainda mencionado como tendo integrado , na qualidade de Grão-Chanceler Emérito,
uma delegação da Ordem que, em 2009, se
deslocou a Dili, onde foi recebida por
Ramos Horta.
Uma nova fase começou, em Junho 2005, com a nomeação do Conde
Jean-Philippe van Nyen, na qualidade de
Encarregado de Negócios e Ministro Plenipotenciário . Van Nyen, cidadão belga
nascido em 1969, desempenhava, também, o cargo de Chanceler dos Negócios Estrangeiros ; em
2004, fora Primeiro Secretário da
Embaixada em S. Tomé e, anteriormente, Vice-Prior do Priorado da Francofonia.
Falando com alguns interlocutores, não se coibiu de criticar a gestão do Major e a situação em
que este deixara a Embaixada.
Cabe perguntar por que razão a Ordem Ecuménica decidiu abrir uma
Embaixada, sabendo-se os custos que tal implica, e que interesses
teria ela a defender em STP (note-se que
as outras 9 Embaixadas ali instaladas
são as dos Estados que têm fortes razões para tal, nomeadamente históricas,
culturais, de vizinhança , ou de cooperação). Há que ter presente que as auto-denominadas Ordens de S. João ou de Malta, vivem geralmente num limbo de quase
clandestinidade, ou mesmo de ilegalidade, não sendo autorizadas, em muitos Países, e sujeitas a ter de enfrentar processos, por acusações de uso indevido de
nome, emissão ilegal de passaportes, etc. Obter o reconhecimento diplomático
significaria, para uma dessas ordens passar, da clandestinidade, não só para a
legalidade, como para a respeitabilidade e, até, para a imunidade, pelo menos
dentro do Estado que a reconhece. Mas poucas o terão tentado e, ainda menos,
conseguido. Vi apenas duas referências, para além da Ordem Ecuménica. No primeiro caso, uma das auto-denominadas Ordem de Malta, dirigida pelo
Príncipe Arnaldo Petrucci de Vacone , conseguiu abrir uma Embaixada, em Vanuatu,
em meados dos anos 80; tendo a Embaixada procurado estender a sua actividade à
Malásia, foi desmascarada, e todo o esquema ruiu.
O segundo caso é o da já acima
aludida Soberana Ordem de S. João de Jerusalém, Cavaleiros de Malta, Federação
dos Priorados Autónomos. Esta ordem invoca também a suposta reunião de Nova
York de 1908, mas não pode ser considerada, propriamente, de filiação russa,
pois faz remontar a sua origem ao Priorado Polaco que, afirma, nunca cessou de
existir. Abriu, possivelmente em 1995 , uma Embaixada em Luanda e, segundo
oiço, terá contado com simpatias, ao mais alto nível, em Angola. Ultimamente, no
entanto, e de acordo com informação de fonte muito fidedigna, deixou de ter
bandeira hasteada e foram-lhe suprimidos
os lugares de estacionamento diplomático junto das suas instalações, sendo de
admitir que tenha sido desactivada. Certa vez perguntei a van Nyen por esta
Federação dos Priorados Autónomos, tendo ele apenas respondido “são nossos
primos”. Um Embaixador, pelo menos, desta Ordem, talvez Mark Bulté e,
possivelmente, residente em Luanda, terá estado acreditado em STP. Mas, nos
cinco anos que ali vivi, não foi jamais feita qualquer
referência à existência de uma tal Embaixada Não obstante, ainda agora, duma
biografia na internet, do Dr. Abel
Lacerda Botelho, consta ser ele o actual Embaixador em STP da Federação dos
Priorados Autónomos – a realidade das ordens de fantasia é, em grande medida,
apenas virtual.
Apesar dos esclarecimentos escritos que, logo em 1999, o Embaixador da
Ordem de Malta prestou às autoridades santomenses, a Embaixada da Ordem
Ecuménica em S. Tomé foi subsistindo e ganhando, até, alguma projecção no País.
Isso terá encorajado a Ordem a
procurar abrir outras Missões
Diplomáticas, o que foi conseguindo ainda que, como se disse, com sucesso
limitado. Perante dúvidas que outros Governos levantassem, a Ordem podia sempre
invocar o precedente de STP.
Mas STP representou mais ainda para a Ordem Ecuménica. Van Nyen persuadiu
um membro do Governo santomense, que sobraçava várias Pastas, como a da
Justiça, embora não a dos Negócios Estrangeiros, a assinar, com ele, um Acordo,
nos termos do qual a Fortaleza de S. Sebastião, o mais emblemático monumento do Arquipélago, era cedida à Ordem
Ecuménica, “contra um aluguer simbólico” (mas cujo montante não era indicado), para ela aí instalar a sua Sede, beneficiando
esta das mais largas isenções e imunidades.
Assinado a 30 de Novembro de 2007, o Acordo deveria, nos seus próprios termos,
entrar em vigor nesse dia. Tal não aconteceu, porém, nem poderia acontecer, a
começar pela não observância das normas constitucionais santomenses, sendo
lícito perguntar qual dos subscritores, ou ambos, procurou enganar o outro. O
assunto nem chegou ao conhecimento
público. Van Nyen enviou-me uma cópia,
por cortesia e confidencialmente, como se os Acordos de Sede não se destinassem
sempre, pelo contrário, a serem objecto de divulgação.
Note-se que, com
aparente seriedade, o Encarregado de Negócios me referira o caso da “Ordem
Católica” que, em Roma, além da Embaixada junto da Santa Sé, dispunha também da
Sede Magistral.
Mas, se, em STP, o assunto era tratado discretamente, no exterior, a
Ordem passou a apregoar esse Acordo inexistente , para reforçar a sua própria imagem.
Assim, quanto a um elemento essencial, como é a localização da Sede, a única
informação que a Ordem divulga é patentemente falsa. Refira-se que a correspondência,
atrás citada, dos Protectores Reais, é dirigida ao Barão de Lobera, no Forte de S. Sebastião…
Em Maio de 2009, van Nyen foi acreditado como Embaixador, tendo
apresentado as suas Cartas Credenciais. Nessa altura, o segundo Embaixador que
a Ordem Soberana Militar de Malta acreditou em STP, Dr. Eduardo Santos
Silva, protestou, em termos serenos, mas fundamentados, por nota verbal
dirigida ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, recordando, designadamente,
os esclarecimentos constantes da nota, que entregara em mão, ao próprio
Ministro, em Outubro de 2008; enviou, também, uma circular às Missões
Diplomáticas, com a sua posição. Por seu lado, a Embaixada de Portugal aproveitou
para esclarecer que o nosso País apenas reconhece a Ordem de Malta, agora sedeada
em Roma , com a qual mantém relações seculares, não reconhecendo as auto-denomindas Ordens de Malta que têm vindo
a proliferar, nem as suas Embaixadas, nem atribuindo qualquer valor aos seus
documento, nomeadamente passaportes.
Em 28/04/2008, um Acordo de Cooperação foi celebrado entre STP e a
Ordem Ecuménica, mencionando, como
possíveis sectores, não só a educação e a saúde, como a criação de linhas
aéreas e a abertura de Consulados Honorários da Ordem (sic).
Constou, pouco depois, que a Ordem Ecuménica pretendia, efectivamente, abrir um Consulado Honorário, na Ilha do Príncipe. Esta era uma
originalidade, pois, compreensivelmente, a Ordem de Malta, pelas suas próprias natureza
e finalidades, jamais teve Consulados, Honorários ou de Carreira, Estaria mesmo já escolhido o futuro Cônsul, representante de um banco de
capital angolano. As autoridades santomenses, porém, não autorizaram.
Como acções de cooperação levadas a cabo, a Ordem indica a concessão de
21 bolsas de estudo desde 2008 e, no período 2012/13, a entrega de duas
ambulâncias aos bombeiros do Príncipe, a construção de um centro de dia para
idosos, a continuação do projecto Lar Betania,
o início da construção de uma residência em S. Tomé, para estudantes do
Príncipe. É difícil, no entanto, quantificar a ajuda efectivamente prestada,
pois não consta das estatísticas de assistência internacional recebida por STP.
Não subestimando o mérito das acções que tenham sido efectuadas, elas afiguram-se de pequena dimensão, sem
justificar, só por si, a existência de uma Embaixada.
Na realidade, o Conde van Nyen
dedicava grande parte do tempo a
gerir os seus negócios, em violação flagrante do artº. 42 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas
de 1961. Estava muito presente no Príncipe, sendo, também, o proprietário de
uma embarcação que faz a ligação entre as duas Ilhas. Percebe-se como a sua actividade empresarial poderá ter beneficiado
de uma cobertura diplomática, nomeadamente no plano fiscal. Que ele emitia
passaportes diplomáticos, é certo (li, por exemplo, o testemunho ingénuo do
representante de uma organização do Kosovo) mas não posso afirmar que os
vendesse, nem que vendesse títulos, ambas práticas , de resto, habituais entre as
ordens de fantasia. Por outro lado, a
existência de uma Embaixada poderia servir de catalisador, em campanhas de
recolha de donativos , supostamente para fins de benemerência. (Por exemplo,
uma ONG, de nome Les Enfants du Milieu du Monde, possivelmente de boa fé,
mencionava a Embaixada e angariava
fundos para financiar acções da Ordem Ecuménica, a favor das crianças de STP).
Sem querer formular acusações temerárias, forçoso é constatar que se
encontravam reunidas condições favoráveis
à realização de actividades ilícitas, como a emissão e venda de
passaportes diplomáticos, a evasão fiscal, o desvio de donativos e, quem sabe,
o branqueamento de capitais.
Em Janeiro de 2011, van Nyen disse-me que estava cansado da sua luta ao serviço da Ordem Ecuménica e que aspirava a ser nomeado Cônsul Honorário da Bélgica.
Bruxelas já teria apresentado o pedido, mas as autoridades santomenses
exigiriam que, antes de darem a sua concordância, ele deixasse de ser Embaixador
da Ordem Ecuménica. Hesitava, pois receava fazê-lo, antes de a representação da
Ordem estar assegurada. O impasse foi-se arrastando mas, em Setembro de 2013,
chegou-me a informação de que ele anunciara a cessação das suas funções de Embaixador da
Ordem Ecuménica e que assumia as de Cônsul Honorário da Bélgica.
No início de Fevereiro de 2014, o
principal jornal digital santomense publicou um artigo intitulado
“Reconhecimento de Ordens de Malta’ gera polémica diplomática”, afirmando que “o
reconhecimento de duas Ordens de Malta pode sujar a imagem externa de STP”.
Saliente-se que, quanto à Ordem Ecuménica, afirma-se que ela teria a sua Sede
principal em Saragoça (não aludindo, pois, ao Forte de S. Sebastião)
O jornal acrescenta que o sucessor de Jean-Philippe van Nyen seria Mark Bulté
(curiosamente, surge, de novo, este nome, acima já mencionado, muito
provavelmente por lapso, como tendo sido
Embaixador da Ordem Ecuménica, quando o foi, provavelmente, da Federação dos
Priorados) ; estaria já a aguardar a fixação de data para entrega das suas
credenciais. Não estou certo, porém, de que ele venha a ser acreditado. Com
efeito, a mais recente versão do site da Ordem Ecuménica omite qualquer indicação,
em concreto, às suas Embaixadas, dizendo, apenas que as
actividades diplomáticas estão vinculadas à sua missão humanitária, que a
presença das suas missões diplomáticas em diferentes Países serve para apoiar
as actividades da Ordem e que está a aumentar o número de Países que a
reconhecem.
Pode-se especular sobre se estaríamos perante uma nova orientação, mais
discreta, ditada eventualmente , por dificuldades que a Ordem estivesse agora a
enfrentar, no tocante a reconhecimento diplomático. Também a cessação de
funções de Embaixador por van Nyen (que, no entanto, permaneceria Chanceler dos
Negócios Estrangeiros) poderia indiciar divergências internas. Haverá, pois, que esperar os próximos
desenvolvimentos.
Mas, de qualquer modo, STP
continua a figurar como um dos Priorados da Ordem Ecuménica, tendo como
Prior o Sr. Rui Mendonça, o mesmo que,
há alguns anos fora indigitado para Cônsul Honorário no Príncipe e que Van
Nyen, segundo me disse, chegou a ponderar para seu possível sucessor. Outros
Priorados em África são, actualmente, os do
Burkina Faso, Etiópia, Mali e Togo; na Europa os de Espanha, França, Reino
Unido, Suíça e Ucrânia, não sendo já
feita menção do Grão-Priorado de Portugal (que tinha , na sua dependência, Delegados
em Cabo Verde e na Guiné-Bissau)
VI
Considerações finais
Tanto a Ordem Soberana como a Ordem Ecuménica pretendem ser legítimas
Ordens de Malta, mas o Direito Internacional só reconhece uma, a primeira,
actualmente sedeada em Roma. Não sendo um Estado, a Ordem de Malta, é, tal como
a Santa Sé e por razões históricas, reconhecida como sujeito de Direito
Internacional, dotada, designadamente, do jus legationis.. As auto-denominadas
Ordens de Malta, incluindo a Ordem Ecuménica, não são sujeitos de Direito
Internacional, não podendo ser
reconhecidas como tal, nem com elas estabelecidas relações diplomáticas.
Assim, só no plano das aparências, pôde STP estabelecer relações
diplomáticas com a Ordem Ecuménica já que, no plano jurídico, apenas a Ordem Soberana Militar de
Malta é sujeito de Direito Internacional. As pretensas relações com a Ordem
Ecuménica são, juridicamente, inexistentes.*
Há, neste momento, a expectativa de que as autoridades santomenses venham a pôr termo ao episódio da presença da
Ordem Ecuménica, a qual, aliás, nenhum benefício visível trouxe ao País . Seria
uma decisão aplaudida por todos os amigos de STP e por todos os que respeitam a
Ordem Soberana Militar de Malta.
*****
*Dez meses antes de, em Março de 1998, estabelecer relações com a Ordem
Ecuménica, STP iniciara relações diplomáticas com a República da China, ou
Taiwan. Ainda que Taiwan goze também de um reconhecimento limitado ( uma
vintena de Países) as semelhanças entre
os dois casos são, apenas superficiais. Taiwan reúne os requisitos para ser
considerado um Estado e funciona como tal; tanto os Estados que não reconhecem
Taiwan (e são, aliás, a esmagadora maioria) como os que o reconhecem, fazem-no
por opção política, relativamente à disputa, entre Pequim e Taipé, sobre qual é
o Governo legítimo de toda a China. Dum ponto de vista jurídico, as relações
diplomáticas com Taiwan são válidas; com a Ordem Ecuménica, são inexistentes.
3 comentários:
Um óptimo estudo sobre as ordens de Malta. Trata-se de matéria que merece ser aprofundada. Felicita-se o bloger pela transcrição e o autor do valioso texto.
Concordo, a matéria merece ser aprofundada. Sugiro que, para começar, quem tiver elementos complementares os partilhe neste blog.
Era bom que fizessem um estudo aprofundado do que realmente é a Ordem de Malta.e não tenham veleidades em comparar outras Ordem que terão o seu mérito mas que não têm nada com a Ordem de Malta. É por isso que ao longo dos tempos a Ordem de Malta tem sofrido pela inveja dos homens, mas não conseguem porque tem a protecção de Deus.
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