Transcrevemos do blogue "Abrupto" o texto publicado anteontem por José Pacheco Pereira:
Lá estamos nós outra vez a embarcar num ciclo entre a propaganda e a ignorância, associado a muita impotência, a pretexto da Ucrânia. Já temos os “bons”, os revoltosos da Praça Maidan, os ucranianos ocidentais, a União Europeia (imagine-se!) e os EUA, aliados às forças da “liberdade” e “democracia”, e os “maus”, os ucranianos orientais pró-russos (cujas manifestações não passam na televisão), os russos propriamente ditos, invadindo a Crimeia a pedido de um Presidente corrupto (neste caso é pura verdade). Já foi assim nos Balcãs, agora é na Ucrânia. A União Europeia, porque não lhe convém, nada diz da Geórgia, ou da Moldávia, onde partes do território estão sob “protecção russa” de governos pró-moscovitas e populações que querem os russos para os proteger dos nacionalistas pró-georgianos e pró-romenos. E, mesmo nos Balcãs, situações apodrecidas e apenas mantidas num congelador subsistem até ao próximo conflito, na Sérvia, na Croácia, na Bósnia ou no Kosovo. São o retrato de intervenções ocidentais apressadas, politicamente correctas, mas não oferecendo a esses “países” senão linhas divisórias mantidas em “paz” por forças estrangeiras.
Uma política irresponsável da União Europeia e dos EUA face à Ucrânia,
incentivando uma revolta dos ucranianos ocidentais, que nunca quiseram a
hegemonia russa e tem todo o direito a não querer, conduziu a uma
secessão de facto do país, solução para que a União empurrou a revolta,
mas não pode sancionar juridicamente. Mas, qualquer pessoa que conheça a
história ucraniana, com muito sangue à mistura, não imagina que a
Ucrânia oriental aceite ser governada por radicais nacionalistas com uma
genealogia complicada desde os anos vinte do século XX, que para essas
populações são “fascistas”. E o termo, a julgar pela história, tem
alguma razão de ser.
O que mais assusta é a facilidade com que se aceita esta dualidade na
comunicação social e nos governos. Escrevo isto depois de ler páginas e
páginas da imprensa portuguesa, em que o “europeísmo” exacerbado leva a
estas mobilizações politicamente correctas dos “bons” contra os “maus”,
que acabam sempre num impasse. Veja-se a Síria.
Em países ou áreas do mundo como é o Leste da Europa ou as Balcãs, no
Cáucaso ou até no Báltico, não se podem atear fogos nacionalistas, - que
é o que a muito pouco nacionalista União está a fazer, - sem estar
disposto a mudar as fronteiras, a coisa mais razoável a fazer em casos
em que os países foram artificialmente criados a partir de territórios
muito heterogéneos. Ou mesmo sem ser capaz de aceitar deslocações de
populações, que a muito civilizada Sociedade das Nações fez no século XX
entre a Grécia a Turquia, e agora seria um anátema. O resultado é
forçar “limpezas étnicas” feitas na guerra e na violência extrema, como
aconteceu na Bósnia de que muito se fala e na Krajina sérvia dentro da
Croácia, em números a mais significativa, mas de que não se fala.
A crise ucraniana está só no seu começo. Os russos mandam tropas, alguns
grupos mais radicais vão disparar no sítio errado contra a gente
errada, com os habituais apoios dos serviços secretos, a União Europeia,
que não tem tropas, vai ficar, como sempre, dependente dos americanos, e
os americanos que estão a sair militarmente de todo o lado vão
pressionar a Rússia com sanções económicas. Quem pagará o preço serão os
ucranianos, de um lado ou de outro da Ucrânia.
Exactamente.
1 comentário:
Como sempre, Pacheco Pereira muito oportuno e lúcido. As coisas são o que são. A União Europeia e especialmente Barroso comportam-se irresponsavelmente. Se houver uma confrontação qual é a responsabilidade de Barroso? Deviamos pensr seriamente nisso.
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