quinta-feira, 29 de setembro de 2011

CHORAR OS MORTOS


Os acontecimentos de 1989 estão ainda bem presentes no espírito dos romenos. A execução sumária do presidente Nicolae Ceausescu e de sua mulher Elena, em 25 de Dezembro, na sequência de um movimento revolucionário iniciado em Timisoara e Bucareste, que alastrou a outras zonas do país e que provocou a queda do regime, causou profunda impressão na Roménia.

Ceausescu não era propriamente uma pessoa cuja frequência fosse particularmente agradável, especialmente nos últimos anos do seu consulado, mas a Roménia ficou a dever-lhe alguns inestimáveis serviços, em especial a protecção dos mais desfavorecidos, hoje em vias de extinção, em pleno triunfo do capitalismo neo-liberal.


Após o seu fuzilamento, os corpos de Nicolae e Elena foram sepultados sigilosamente em 30 de Dezembro, no Cemitério de Ghencea, em Bucareste, em campas assinaladas com simples cruzes de madeira com os pseudónimos de dois coronéis na reserva: "Coronel Popa Dan 1920-89" e "Coronel Enesco Vasile 1921-89", para evitar que as sepulturas se tornassem objecto de culto. Tal expediente não evitou que as mesmas passassem a ser visitadas diariamente por todos quantos durante décadas beneficiaram de pensões de reforma, de apartamentos e tratamento médico gratuitos, e de outras regalias que acabaram com a queda do regime. Os seus túmulos, rapidamente identificados, passaram a ficar diariamente cobertos de flores e de velas e tornaram-se num lugar de peregrinação.


Mais tarde foram construídas novas sepulturas, devidamente identificadas, e hoje os restos mortais do Conducator e de sua mulher repousam num único túmulo de mármore  vermelho, com a inscrição dos respectivos nomes, situado do lado esquerdo da capela do Cemitério, como se vê na imagem.


Todos os que ficaram privados das suas pensões, de alojamento gratuito, de transportes gratuitos, de escolaridade gratuita, de cuidados de saúde gratuitos e de muitas outras regalias que o regime, ditatorial, é certo, lhes havia concedido, continuam - e continuarão - a chorar este morto, até que se extingam as gerações sobreviventes, e que o tempo, esse "grande escultor", nas palavras de Marguerite Yourcenar, apague da memória dos vivos um passado não propriamente glorioso, mas que satisfez as necessidades básicas de um povo que anteriormente vivia em muito piores condições sociais.

5 comentários:

o tal leitor disse...

Lamentável. Entre as "regalias"que tanto entusiasmam os floralistas tumulares e o autor do blogue,convem não esquecer a eficaz polícia política,com as correspondentes prisões arbitrárias e torturas,a censura,o culto da personalidade estaliniano,o desastre da distribuição alimentar nos últimos anos do regime,etc,etc. Foi certamente pela gratidão das "regalias" que quando o sinistro autocrata tentou pelas duas últimas vezes falar à multidão de centenas de milhar de pessoas junto do faraónico palácio presidencial,numa foi apedrejado,e na outra,os clamores eram tais que teve de recolher e fugir ignòbilmente. Há uma verdadeira regalia,aqui pouco apreciada,mas cujo valor felizmente estes últimos decénios têm bem demonstrado. Chama-se LIBERDADE. E quanto mais,melhor.
Nota final: não caia em chamar "Conducator" ao lamentável Ceaucescu,título de que se apropriou no fim do regime. Esse título foi inventado e usado pelo Marechal Antonescu nos anos 40.Era um autêntico fascista,é verdade,ao contrário do nosso conterrâneo António(felizmente para nós) mas tinha uma "panache" mussoliniana que o miserável ditadorzeco nunca teve.

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

Para "O TAL LEITOR...", das 17:30:

Relativamente ao seu comentário a este post, e respeitando obviamente a LIBERDADE de opiniões, apraz-me esclarecer o seguinte:

1) A existência de polícia política, modernamente considerada como "serviços de informações", é apanágio de todos os estados, mesmo dos que se consideram mais democráticos;

2) O derradeiro discurso de Ceausescu foi proferido, não no "faraónico palácio presidencial" (que ainda não estava concluído), mas numa varanda da sede do antigo Partido Comunista da Roménia, em frente ao antigo Palácio Real.

3) Toda a gente sabe hoje que as "gigantescas" manifestações de Bucareste foram encenadas para transmissão pelas televisões ocidentais;

4) Ceausescu e a mulher foram executados sem julgamento, o que não abona muito quanto ao advento dos novos poderes;

5) Noto que não fez a mínima referência aos aspectos positivos do regime deposto. Pensões de reforma, apartamentos, saúde, educação e transportes gratuitos. Todos os regimes têm lados positivos e negativos;

6) Concordo que Ceausescu, um homem do povo, não tinha o "panache" do Marechal Antonescu, ainda hoje muito apreciado na Roménia, como se pode ver por um "grafitti", que fotografei e publicarei, dos muitos que figuram nas ruas de Bucareste;

7) Se Ceausescu tivesse sido um homem tão execrável, como é hoje pintado no Ocidente (na altura do seu governo foi convidado oficial de todos os países ocidentais, incluindo a rainha de Inglaterra), não teria havido durante anos uma contínua romagem diária de milhares de pessoas ao cemitério onde repousam os seus restos mortais.

Não pretendendo alongar-me, direi que o post não constitui qualquer apologia de Nicolae Ceausescu. Antes, sim, tenta repor alguma verdade sobre acontecimentos ainda próximos e por isso objecto de sistemática desinformação.

O regime de Ceausescu era uma ditadura política; o actual regime romeno, como aliás os regimes ocidentais, caminha para uma ditadura económica, o célebre "monoteísmo de mercado".

Para se poder comparar a Roménia de ontem e de hoje, nada melhor do que falar com romenos de várias classes sociais. Foi o que fiz.

Anónimo disse...

Curiosa,no mínimo, a forma como o primeiro comentador inicia o seu «ataque verbal»!!! Trata logo de processos de intenções contra o bloguista. Extraordinário, sobretudo, porque fala apenas de lugares comuns, sem se dar ao trabalho, como o bloguista fez, de investigar os factos e falar com as pessoas do país. Julgam-se estas luminárias detentoras das verdades universais e, como tal, falam de cátedra. Naturalmente que sou contra qualquer regime ditatorial e, jamais me passaria pela cabeça defender Ceausescu, mas daí a proferir as afirmações com que inicia o seu comentário, vai uma enorme distância. Todos os regimes ditatoriais, sem excepção, são abomináveis e contra natura. Porque nos retiram a liberdade e todas as outras coisas inerentes à dignidade humana. No entanto, tal não nos deve inibir de tentar perceber e estudar as causas e razões porque existiram.
Ao bloguista os meus cumprimentos e não deixe nunca de nos tentar esclarecer com sua verve brilhante.
Marquis

Xico disse...

Talvez tentar compreender como foi possível a Roménia dar tudo isso ao povo e ainda sobrar para as megalomanias do ditador. Hoje não é possível porque talvez falte o chapéu de uma URSS?
O que eu nunca conseguirei perceber foi como um regime socialista/comunista pôde tolerar estes dois personagens, e como alguém pode hoje querer comparar a polícia política dos países de leste com os serviços de informações actuais.
A PIDE também era serviços de informações?

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

PARA O XICO:

É evidente que existe uma diferença entre polícia política e serviços de informações. Mas talvez não tão grande como o XICO supõe. Nos nossos dias, os serviços de informações americanos criaram Guantanamo, que não se afasta muito da Stasi ou do KGB. De resto, só quando os regimes são derrubados, se conhece com (a possível) autenticidade a natureza e os malefícios de umas e de outros, independentemente dos pretextos invocados, pois há sempre pretextos para coarctar a liberdade.

Quanto à PIDE, naturalmente que era uma polícia política, mas igualmente e prioritariamente um serviço de informações que fornecia ao seu braço policial a "informação" que habilitava este (o braço) a actuar tendo em vista a manutenção do regime. E todos os regimes tendem a perpetuar-se, utilizando por vezes os piores meios.