terça-feira, 22 de setembro de 2009

O PROCESSO DE SÓCRATES


Sócrates, velho filósofo da Antiga Grécia, após controverso processo, foi condenado à morte por - com as suas ideias - corromper a juventude. Parece que os seus juízes consideraram que mantinha uma "relação difícil com a verdade". Tendo-lhe sido facultada a fuga pelos amigos, preferiu beber a taça de cicuta.

O processo de Sócrates, que apaixonou uma legião de estudiosos ao longo dos séculos, tem sido objecto de numerosos trabalhos, de que se exibem aqui dois livros de referência. Dos ensinamentos de Sócrates, deixou Platão o inestimável registo.

Ao longo dos últimos quatro anos, tem decorrido em Portugal um outro processo de Sócrates, o de José Sócrates Pinto de Sousa. Também sobre este Sócrates contemporâneo se tem falado de uma "relação difícil com a verdade". E, de facto, as trapalhadas em que tem estado enredado não abonam muito quanto à sua credibilidade. Desde as promessas não cumpridas ao pretenso envolvimento em negócios menos claros. Ao que acresce a governação medíocre de um governo de ministros pouco competentes (talvez outros, melhores, não tenham aceite embarcar no navio) e um claro desvio (já iniciado por Guterres) da matriz tradicional do Partido Socialista.

Mas também é verdade que nenhum primeiro-ministro foi objecto de um processo de ataque tão sistemático quanto José Sócrates.

Nas eleições que se avizinham, deverá o povo português escolher um partido que forneça o novo chefe do Governo. E apesar das desilusões deste governo de maioria absoluta do Partido Socialista, afigura-se neste momento que o PS voltará a ganhar as eleições, ainda que por escassa maioria. Isto, porque o PSD, partido natural da alternância no nosso sistema político, não apresentou até hoje propostas significativamente distintas de governação e porque a sua líder não consegue fazer passar para o eleitorado a imagem de um perfil suficientemente convincente. Compreende-se a dificuldade de imaginar soluções substancialmente distintas das do PS, já que Sócrates tem aplicado um programa que mesmo Sá Carneiro (que conheci pessoalmente) consideraria demasiado à direita. E sabe-se, também, que o PSD continua a ser um coro de vozes dissonantes. Arriscaria mesmo a dizer que os maiores adversários de Manuela Ferreira Leite se encontram no Partido Social-Democrata.

O estado em que se acha a 3ª República, ao fim de 35 anos, é profundamente lamentável. Não tem Manuela Ferreira Leite estatura para substituir José Sócrates, não obstante a medíocre governação deste nos últimos quatro anos. E não têm os outros três candidatos perfil bastante para assumir a chefia do Governo embora não sejam teoricamente piores do que os dois protagonistas.

Neste momento difícil que Portugal - e o mundo - atravessa, para mais com uma grave crise económica global, necessita o nosso país de um homem providencial que ponha a casa em ordem. Recordo que, em plena agonia da IV República, os franceses apelaram ao general De Gaulle que restituísse às instituições o prestígio, aos cidadãos a confiança e à nação um desígnio. Mas os tempos mudaram, e nas últimas eleições francesas os cidadãos que recusaram duas figuras menores, Nicolas Sarkozy e Ségolène Royal, ou se abstiveram, ou votaram num candidato sem possibilidades e também sem carisma, François Bayrou.

É notória a ausência de estadistas de vulto em toda a Europa, que se vai afundando entre compromissos e contradições. Receia-se para o futuro o pior.

Após o escrutínio do próximo domingo, quaisquer que sejam os resultados, julgo que é a hora de se começar a pensar seriamente na refundação do regime. Urge uma 4ª República e, como Diógenes (para regressar à velha Grécia), procura-se um Homem.

Não havendo De Gaulles disponíveis, encontre-se alguém com algumas das suas qualidades que possa formar governo e propor a alteração da Constituição. Pode fazer-se tudo isto na legalidade e sem tiros. E que esse alguém possa candidatar-se depois à Chefia do Estado.

3 comentários:

Anónimo disse...

Bem-vindo ao autor deste blog após a sua viagem a Praga(que me faz inevitàvelmente lembrar um livrinho da minha infância,"A viagem de Mozart a Praga",do Mörike). Mas enquanto se deleitou com as visitas e espectáculos da capital boémia,muitos espalhafatos iam ocorrendo na nossa campanha eleitoral,que sem saír da mediocridade tradicional,trouxeram elementos esmiuçados por analistas mais ou menos humorísticos,mas que talvez lhe tenham escapado,pois supõe-se que a campanha não fará as primeiras páginas da imprensa checa... Por isso a sua análise necessitaria de uns complementos actualizados,mas não é sobre isso que gostaria,dentro dos implacáveis limites destas caixas,de dizer umas coisas. É sim sobre a história do "Homem providencial",de que necessitaríamos para resolver os problemas nacionais,assim como a observação quanto à falta de Grandes Estadistas na Europa actual.Para mim,um país civilizado não carece desse tipo de intervenções,excepto em caso de gravíssima crise institucional ou "existencial",como foi o caso francês em 58.Não é esse o caso actual português,que não é mais que o prolongamento duma mediocridade histórica(pelo menos os últimos dois séculos),talvez atávica,e exacerbada com as consequências duma situação de periferia em relação ao "coração" da Europa,cada vez mais sensível com o alargamento,ao qual não nos podíamos opôr. Vou-me deter aqui,dados os limites de espaço,e prosseguir em próximo "folhetim".

Anónimo disse...

Já refeito das emoções de ter ouvido o extraordinário e beethoveniano Chopin pelas mãos do Barenboim,aqui estou a completar as considerações anteriores.
Estamos integrados num espaço económico e tambem político designado União Europeia,que não permite,sob penalidades várias,golpes de estado,ditaduras,etc. Refiro este aspecto,pois fora desses métodos dificilmente se pode conceber uma evolução do regime para o presidencialismo,com a necessária alteração substancial da Lei Fundamental,com os 2/3 do Parlamento. E no plano concreto,os últimos desenvolvimentos não são exactamente de molde a prestigiar a instituição P.R. Tambem depois de 40 anos de governo de um Homem Providencial acordámos com uma revolução que abalou a economia e a sociedade,uma guerra inútil,e no fundo com os mesmos problemas básicos de sempre. Compreende-se assim que exista um justificado preconceito quanto à aplicação da receita providencialista,que inclui tambem desvios imprevisiveis senão incontroláveis. Atendendo às características das gentes que neste canto da Europa se estabeleceram,à distância física e mental que nos separa do centro dinâmico europeu,só posso ter uma visão pessimista sobre uma qualquer acelerada "evolução","modernização",etc, desta terra. O clima é agradável,as pessoas embora geralmente incultas e renitentes ao ensino,são simpáticas,há paisagens bonitas,a comida é excelente,pelo que o turismo parece ser um dos poucos filões a explorar,como alguns produtos tradicionais de qualidade melhorada,como sapatos,cortiças e semelhantes. E embora a indústria fundamental da obtenção de subsídios vá reduzir-se nos próximos anos,sempre se arranjará qualquer coisinha.
O Poeta,como sempre disse tudo em menos palavras:
... duremos / Como vidros,às luzes transparentes / E deixando escorrer a chuva triste,/ Só mornos ao sol quente,/ E reflectindo um pouco.

Anónimo disse...

Sócrates governou fazendo o que lhe apetecia não só por ter maioria absoluta mas por não ter uma oposição credível! O espectáculo dado pelo PSD durante estes anos - e já não falo na irresponsabilidade criminosa de ter entregue o país a um Santana Lopes - foi confrangedor. Eu estava resolvido a votar em branco, por não apreciar muitas das características do PS como governo, mas estou agora decidido a votar PS, por não confiar minimamente num governo PSD. Tenho a certeza que não faria melhor e na verdade temo que fizesse bem pior, apostado como parece estar nestes últimos anos a auto-destruir-se.