sexta-feira, 15 de maio de 2020

"PARSIFAL", DE SYBERBERG





Assinalando o centésimo aniversário da estreia de Parsifal, em Bayreuth, em 1882, o cineasta alemão Hans-Jürgen Syberberg (n. 1935) apresentou em 1982 uma pessoalíssima versão cinematográfica da famosa ópera de Richard Wagner.

Considerado como a coroação da sua revolucionária obra operática, Parsifal tem como sub-título Bühnenweihfestspiel, ou seja, "Festival para a Consagração de um Palco", precisamente o do Teatro de Bayreuth, para o qual foi propositadamente escrito e composto, e no qual teve representações exclusivas até 1903, quando foi apresentado na Metropolitan Opera House, de New York.

Autor de uma vasta e polémica filmografia, Syberberg concebeu este Parsifal, que é de certa forma um testamento de Wagner, como uma redenção da Humanidade. «Des emblèmes utopiques de la lumière, de choses saintes et dernières nous sont données pour la quête du Graal à travers la culture européenne» escreve Syberberg no seu livro Parsifal - Notes sur un film (1982), onde expõe a sua concepção desta obra maior do pensamento e da música e descreve a aventura que foi realizar este filme. De facto, devido à matéria de algumas das suas películas anteriores, nomeadamente Ludwig, Requiem para um rei virgem (Ludwig, Requiem für einen jungfräulichen König) (1972), Karl May (1974) e em especial Hitler: um filme da Alemanha (Hitler, ein Film aus Deutschland) (1977), a produção teve de ultrapassar inúmeros obstáculos burocráticos e financeiros e foram muitas as tentativas para impedir a realização deste projecto. As circunstâncias levaram mesmo Syberberg a alterar o plano inicial de forma a adequá-lo às possibilidades do momento, incluindo mesmo o ter sido obrigado a desistir de alguns cantores por dificuldades de calendário. 

A leitura que Syberberg faz de Parsifal é uma interpretação muito pessoal, e também provocatória, da obra-prima de Wagner, afastando-se das concepções que conhecemos, quer em encenações tradicionais, quer em encenações ditas modernas. A lenda do Graal, e dos seus Cavaleiros, habitando Mont Salvat, e a sua luta do Bem e do Mal, é atribuída a Wolfram von Eschenbach, que a consagrou em Parzival, um poema épico do século XIII. Foi nela que Wagner se inspirou para escrever o texto e a música da ópera.

A execução musical do filme esteve a cargo da Orquestra Filarmónica de Monte-Carlo, dirigida pelo maestro Armin Jordan, com a participação do Coro Filarmónico de Praga. Alguns dos papéis foram dobrados. Assim, Amfortas foi interpretado pelo próprio maestro Armin Jordan e cantado pelo baixo-barítono Wolfgang Schöne; Titurel, interpretado por Martin Sperr e cantado pelo baixo Hans Tschammer; Gurnemanz, interpretado e cantado pelo baixo Robert Lloyd; Parsifal interpretado por dois actores, Michael Kutter e parcialmente no II Acto e no III Acto por uma mulher, Karin Krick, e cantado pelo tenor Reiner Goldberg, havendo ainda, no início, um Parsifal em criança, interpretado por David Luther; Klingsor, interpretado e cantado pelo baixo Aage Haugland; Kundry, interpretado por Edith Clever e cantado pelo soprano Yvonne Minton.

A cena vai-se modificando ao longo dos três actos, apresentando uma variedade de paisagens em que figuram rochedos, troncos de árvores, ruínas de monumentos, marionetas, profusão de bandeiras (entre as quais a do III Reich), lagos, etc., enfim, tudo o que a imaginação de Syberberg pôde conceber, com referências a Luís II da Baviera, ao próprio Wagner, a Nietzsche, a Karl Marx ou a Ésquilo. Muitas vezes presente, em fundo, uma gigantesca máscara mortuária de Richard Wagner.

Especial lugar conferido aos grandes símbolos da epopeia, o Cálice e a Lança, e também cisnes, cruzes, coroas, o escudo de Parsifal representando a "Medusa" do Caravaggio, a fonte, o lava-pés, o baptismo, o Encantamento de Sexta-Feira Santa.

O III Acto termina com o Parsifal masculino a abraçar o Parsifal feminino e a aparição de uma caveira coroada, pormenor de um dos túmulos imperiais da Cripta da Igreja dos Capuchinhos, de Viena, Panteão da Casa de Habsburg.

Para a devida compreensão desta encenação, a todos os títulos surpreendente, é indispensável a leitura do livro de Syberberg acima referido, onde o cineasta desenvolve a sua concepção da obra.


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