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O "Nouveau Magazine Littéraire" publica no seu nº 26, deste mês de Fevereiro, um artigo de Alain Dreyfus que apresento acima.
Trata-se de um texto que demonstra a hipocrisia reinante em França a propósito do "caso" Gabriel Matzneff.
Todo o mundo literário, e político, francês sempre soube das aventuras sexuais de Matzneff, já que ele mesmo se encarregou de as descrever em vários dos seus livros ao longo do último meio século. O escritor, que conta hoje 83 anos, manteve em tempos relações consentidas com menores de 16 anos (Les Moins de seize ans é o título de um dos seus livros, publicado em 1974), de ambos os sexos, que constituíram tema para a sua obra diarística ou ficcional.
Ora os livros de Matzneff, durante este meio século, nunca foram objecto de qualquer reprovação oficial, suscitando mesmo o aplauso de alguns dos maiores vultos da literatura francesa, como Sartre, Simone de Beauvoir, Roland Barthes, Michel Foucault e tantos outros que têm sido citados nas últimas semanas. Houve mesmo, nos anos 70, um movimento em França para baixar para os 14 anos (ou seria para os 12, não me recordo) a maioridade sexual, movimento que recebeu o apoio de grande parte da intelectualidade francesa. Ainda em 2013 Matzneff foi galardoado com o Prémio Renaudot e durante a presidência de François Mitterrand era recebido por este no Eliseu.
É claro que os costumes mudaram (nada é mais relativo do que a moral sexual) e o comportamento de Matzneff é considerado hoje não só altamente censurável mas mesmo criminoso. Aliás, já ao tempo certas relações cairiam sob a alçada do Código Penal, mas jamais a Justiça se incomodou ou os mais altos expoentes da Cultura se preocuparam.
Foi preciso Vanessa Springora, que manteve uma relação com o escritor quando tinha 13 anos, ter publicado agora, mais de trinta anos depois dos factos, um livro relatando a sua experiência, que os guardiões da moral pública rasgaram as vestes.
Como se pode ler no artigo acima, a sua editora, a Gallimard, mandou retirar de venda os seus livros, o Ministério da Cultura retirou-lhe uma subvenção anual que lhe atribuíra em 2002 e o Governo prepara-se para lhe retirar igualmente o grau de oficial da Ordem das Artes e das Letras. E a Justiça abriu uma investigação e procura saber agora o nome das pessoas que mantiveram relações íntimas com Matzneff.
No passado dia 14 de Janeiro, no jornal "Le Monde", Dominique Fernandez, notável escritor e membro da Academia Francesa, afirmou, a propósito da eliminação dos seus livros que isso «signifie pour un auteur la mort professionelle, le renvoi dans le néant». Curiosamente, a Gallimard tem no seu catálogo um bom número de escritores malditos, mas providencialmente todos já mortos.
Não está em causa, no artigo acima, a avaliação do comportamento de Gabriel Matzneff mas tão só a profunda hipocrisia da sociedade francesa que sistematicamente ignorou esse comportamento, convivendo amistosamente com o escritor, e, apenas porque uma das suas conquistas resolveu insurgir-se agora contra ele em livro (ao que parece com grande êxito de vendas) decidiu voltar-lhe ostensivamente as costas.
3 comentários:
Creio tratar-se de problema muito mais sério do que a hipocrisia de uma élite cultural francesa. A retirada dos livros do Matzneff do catálogo da Gallimard, aliás no seguimento da retirada de outros autores de outros catálogos por razões análogas, é a expressão do avanço duma considerável movimentação social,cultural e tambem política, da imposição de sanções de gravidade crescente contra livros, filmes,quadros,que não se conformem com os ditames duma recente moralidade. No crescendo a que assistimos,não surprenderá que de facto não se quedem pela suspensão da venda de livros,mas efectivamente,não vão circular secretamente, destrui-los,pela aparelhagem apropriada,mas sera mais simbólico pelo fogo. E proponho ao autor do blog que para colaborar na onda justiceira inicie um catálogo de obras a afastar do público,e mais tarde a eliminar. O Sade é evidentemente o primeiro. Nos modernos,como é possivel vender-se o André Gide, o Montherland,o Peyrefitte,o Michel Tournier ? Todos devem ser expurgados das livrarias sem detença. E o Thomas Mann,quando se sabe da idade real do modelo verdadeiro do Tadzio? Fogueira já.
É evidente que a censura de livros tem sido uma constante através da História. Recordo-me pessoalmente da apreensão da "Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica", organizada por Natália Correia, alguns anos antes de 1974. E da campanha do anterior regime contra as obras de António Botto, Raul Leal e Judith Teixeira.
No caso concreto de Matzneff, ele cometeu a imprudência de narrar na primeira pessoa, coisa que já Wilde aconselhara Gide a nunca fazer. Sabemos que Gide não seguiu os conselhos do escritor irlandês, mas não deixou de registar no seu livro "Si le grain ne meurt" a advertência de Wilde: «Principalmente, nunca escreva "Je"».
Hoje, a censura incide mais sobre a idade do que sobre o género do sexo [não é uma redundância], mais sobre os vivos do que sobre os mortos. O próprio Sade já entrou na Bibliothèque de la Pléiade, a par de outros não tão notórios. Mas Polanski continua sob "haute surveillance". A "Lolita" de Nabokov continua a suscitar reservas, especialmente por causa do filme, já que o livro não é assim tão lido, tal como os livros em geral. Numa era do audiovisual, a imagem é mais "perigosa". A exposição de fotografias de Mapplethorpe, na Fundação de Serralves, teve uma sala reservada a "adultos".
Presumo que Matzneff nunca fora incomodado porque, entre outras razões, os seus livros apenas eram lidos por um círculo restrito de pessoas cujas mentes não eram afectadas pelas suas descrições. O escândalo foi desencadeado pela recente e tonitruante publicação do livro de uma sua ex-amante. A sociedade contemporânea alimenta-se de escândalos sexuais que distraem as atenções dos povos dos seus reais problemas. E aumentam as edições dos "media". Tivemos o caso Clinton, o caso Dominique Strauss-Kahn, etc. Temos agora o caso Benjamin Griveaux.
Hoje, como ontem, o sexo continua a polarizar o interesse da Humanidade.
Gostaria de acompanhar o optimismo do autor do blog,tomando o caso do Matzneff como um entre outros do passado,como o caso da Natália Correia,etc. Mas julgo que esta "nova moralidade" não se preocupa com o sexo do padrão oficial,esse,à vontade,mas com outros interesses. Os abaixo-assinados volumosos para a retirada da Thérése do Balthus em Nova Iorque,o debate sobre se se deve continuar a expor o Gauguin,a campanha contra o Polanski,o desaparecimento ou censura de certos livros e filmes dos catálogos, dão uma imagem menos tranquilizante do que a escassa censura a que agora alude o autor. Se estas correntes censórias específicas prosseguirem vitoriosamente o seu caminho, temo o destino de Viscontis e Pasolinis, e porque não do Leonardo, do Miguel Ângelo ou do Caravaggio,cujas biografias merecem certamente a censura implacável dos novos Torquemadas.
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