sexta-feira, 10 de maio de 2019

OS TEMPOS MUDARAM




Realmente, os tempos mudaram! Num livro recentemente publicado, "Il faut dire que les temps ont changé..." - Chronique (fiévreuse) d'une mutation qui inquiète, Daniel Cohen, director do departamento de economia da École Normale Supérieure e membro fundador da École d'Économie de Paris, faz um diagnóstico lúcido e um prognóstico aterrador.

Do Maio de 1968 à revolução conservadora protagonizada por Reagan e Thatcher, do fim do proletariado à revolução digital, o autor escalpeliza as transformações da sociedade nos últimos cinquenta anos, que só agora começamos a compreender.

Transcrevo da contra-capa: «A histeria do mundo do trabalho, o grande protesto dos povos, o encerramento das novas gerações numa espécie de presente perpétuo são as consequências do colapso de uma civilização: a da sociedade industrial. Uma após outra, as utopias de esquerda e de direita fracassaram face a uma realidade que é daqui em diante possível de designar pelo seu nome: a sociedade digital. Ela transforma-nos numa série de informações que um software pode tratar a partir de qualquer ponto do globo. Um medo imenso percorre a sociedade. O trabalho em cadeia de ontem deixou lugar à ditadura dos algoritmos? As redes sociais são o meio de uma nova formatação dos espíritos? Por um formidável regresso ao passado, as questões do mundo antigo estão em vias de ressurgir no coração do novo. Os tempos mudam, mas vão em boa direcção? Este livro iconoclasta descreve de forma luminosa os acontecimentos cujo sentido por vezes nos escapa, permitindo-nos compreender a desordem de que o populismo é a expressão.»

Transcrevo de uma entrevista do autor a "L'Obs", de 30 de Agosto passado, antes da edição do livro: «La gauche et la droite se sont fourvoyées, chacune à leur manière. La gauche, dans les années 1960, pensait qu'en sortant da la société industrielle, on sortirait du capitalisme. Mitterrand a été élu en proposant de changer la vie. En cela, il était l'héritier da la contestation des sixties. Mas ces utopies ont été balayées par la crise des années 1970. A partir de là, pour la plupart des gens, la question n'était plus de sortir du monde du travail mais d'y rester, de garder le sien. C'est sur cette base que la droite prend le pouvoir dans les années 1980, la France étant comme d'habitude à contre-courant. La droite impose l'idée que seuls le travail et l'effort feront sortir de la crise. Reagan et Thatcher ont prôné une révolution morale tout autant qu'économique. Il s'agissait à les entendre de revenir aux valeurs traditionelles, quelque chose d'un peu puritain, à la Max Weber. Mais cette révolution conservatrice a entraîné ses soutiens dans une illusion aussi naïve que celle des gauchistes vingt ans plus tôt. Le capitalisme de Reagan et Thatcher ne s'est pas ressourcé dans un bain de jouvence moral: il a fait advenir le triomphe de la cupidité. Une nouvelle fois, les classes populaires ont compris qu'elles avaient été flouées.»

[As tragédias vêm habitualmente do mundo anglo-saxónico. Veja-se a invasão do Iraque]

Ainda a entrevista: «Macron est en effet à contretemps de la vague populiste, comme Mitterrand l'avait été de la révolution conservatrice. Ce dernier est parvenu au pouvoir au moment même où la révolution libérale portée par Reagan et Thatcher conquérait le monde. A l'heure où le populisme gagne partout, la France est á nouveau à contresens de l'histoire, Macron est un libéral dans un monde qui est devenu illibéral. D'où sa difficulté à peser sur la scène internationale.»

Os capítulos dedicados aos robots, ao homo digitalis, à geração iPhone e à vida algorítimica são assustadores. O autor retoma alguns dos temas dos últimos livros do escritor israelita Yuval Harari, deixando-nos a esperança de que a completa absorção do homem pela máquina talvez possa evitar-se pela existência do bom-senso, uma coisa humana ainda não ao, previsível, alcance dos engenhos digitais.

O presente livro constitui um precioso contributo para clarificar ideias e permitir que nos apercebamos dos perigos desencadeados pela revolução digital em curso, a que achámos graça e até utilidade pela facilidade das comunicações, pelos progressos na medicina e na ciência em geral, mas que ameaça transformar-se num pesadelo alucinante a que a bioética não parece constituir travão.


Sem comentários: