terça-feira, 7 de maio de 2019

AS CHÉCHIAS TUNISINAS



Adquiri recentemente em Tunis, na Livraria Diwan, no suq das chéchias, um livro que regista a história desses conhecidos barretes, ou bonés, que eram característica embora não exclusiva dos cidadãos muçulmanos, e que ainda hoje se vêem em alguns países árabes, embora o seu porte tenha caído em desuso.




O livro Le petit livre de la chéchia, de Mika ben Miled, traça uma história da utilização das chéchias através dos séculos. Também chamada fez, tarbush, gorro de Toledo, barrete berbere ou ainda boné à moda de Tunis, para uso dos turcos ou boné capacete, etc., essa peça de lã vermelha, com tonalidades do vivo à cor do vinho, penetrou igualmente na Europa, e fez da Áustria, durante muito tempo, o seu principal produtor.



Vemos chéchias, de feitios vários, nas pinturas de Piero della Francesca, do Perugino, de Mantegna, de Dürer, de Botticelli, de Bellini. Na Revolução Francesa, o barrete vermelho, frígio, simbolizou a liberdade.



A indústria das chéchias teve grande desenvolvimento na Tunísia. No século XIV, existia já um suq das chéchias em Qairwan. E o célebre viajante El-Hassan ben Mohammed el-Wazzân ez-Zayyâti, (Leão, o Africano), refere a existência em Tunis de um suq dos Tintureiros, cuja antiga localização fora ditada pela existência de um poço fornecendo em abundância uma excelente água.



Num documento espanhol de 1579, é relatado que um religioso trinitário, o mesmo que libertou Cervantes do cativeiro, comprou em Toledo ao negociante Juan Polanco, quarenta dúzias de bonetes de grana colorados finos pelo preço de trinta reais a dúzia.



Inicialmente, as chéchias eram vermelhas ou azuis, mas o azul foi caindo em desuso. Em muitas localidades usou-se, e usa-se, também o preto. A indústria da chéchia foi florescente na Andaluzia e ainda o era no começo do século XVII. Relativamente à exportação de chéchias espanholas para a África do Norte, o documento mais antigo é uma carta de quilaçao a favor de um negociante português de Safi, datada de 7 de Maio de 1499.



As perseguições da Inquisição na Península, no começo do século XVII, provocaram o êxodo para Tunis dos mouros andaluzes, que aí foram muito bem recebidos e apoiados por Othman Dey. Em consequência, desenvolveu-se a indústria das chéchias. Enquanto a cor vermelha estava reservada aos muçulmanos, os judeus deviam usar chéchias negras. É claro que havia variantes nestas determinações, especialmente quando os judeus eram estrangeiros. No princípio do século XX, Tunis era, depois de Constantinopla, o mais importantes mercado destes barretes vermelhos. Em 1960, o volume de negócios oficial do comércio das chéchias foi de 270.000 dinares tunisinos, equivalente a três milhões de francos franceses à época. O negócio tem passado de pais para filhos, só interrompido pela extinção da linhagem. Houve mesmo grandes dinastias de chaouachis, que se mantiveram nos três suqs especializados ainda hoje existentes na medina de Tunis.



O livro explica também as fases da confecção das chéchias, o processo de tinturaria e as diversas formas destes barretes. É também apresentada vasta documentação sobre a matéria e grande número de ilustrações que facilitam a compreensão do texto, nomeadamente para os menos familiarizados com a cultura islâmica.

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