terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

OS ENCANTOS DA NEGRITUDE




Algumas semanas atrás, a imprensa francesa fez-se eco da eleição do escritor haitiano-canadiano Dany Laferrière (n. 1953) para a Academia Francesa. Trata-se do segundo negro a ingressar na venerável instituição criada pelo cardeal-duque de Richelieu em 1635. O primeiro negro admitido na Academia foi o antigo presiente do Senegal, Léopold Sédar Senghor, a quem se deve o conceito de negritude.

Autor de uma vintena de livros, Laferrière, que nasceu em Port-au-Prince e emigrou para o Canadá em 1976, estreou-se na escrita com Comment faire l'amour avec un nègre sans se fatiguer, publicado em 1985, obra que lhe deu uma imediata visibilidade e foi adaptada ao cinema.

Instalado em Montréal, trabalhou em fábricas até se consagrar inteiramente à literatura e à actividade cultural. Como autodidata, frequentou a Unversidade do Québec naquela cidade. É galardoado com numerosos prémios, entre os quais o Prix Médicis e o Grand Prix du Livre de Montréal pelo seu livro L'énigme du retour (2009).

O seu primeiro livro é uma ficção autobiográfica, admiravelmente bem escrita, sobre a condição dos negros, mais precisamente dos pretos no mundo branco e ocidental.

Pela excelência da síntese, transcrevemos a nota do editor na contracapa:

«Premier livre de Dany Laferrière, satire féroce des stéréotypes et des clichés racistes, Comment faire l'amour avec un nègre sans se fatiguer se présente comme la joyeuse description d'une vie de bohème, version black.

Deux jeunes noirs oisifs partagent un appartement dans un quartier pauvre de Montréal. L'un d'entre eux, le narrateur, projette d'écrire un roman et, pour s'occuper, connaît diverses aventures féminines en dissertant sur la trilogie Blanc-Blanche-Nègre. Car c'est un juste retour des choses, après avoir souffert de l'esclavage, que de séduire toutes ces jeunes donzelles innocentes ou curieuses. Quant à son compère, Bouba, il dort, dort, dort. Et philosophe en lisant le Coran, sur des airs de jazz.

Cachez vos filles, blanches mères, les nègres sont en ville !»
 
Conhecemos todos o lugar dos negros, tal como o dos árabes, no imaginário sexual do Ocidente. Sempre os negros, desde os "descobrimentos" europeus, foram suspeitados pelos brancos de uma especial potência sexual. Ao longo de séculos, ainda que escravos ou criados, serviram para o entretenimento de donas ou donos, patroas ou patrões. A imigração, iniciada no século passado, trouxe-os ao convívio quotidiano dos povos "anfitriões" que deles passaram a aproveitar (com facilidade, dado o estatuto de menoridade social do preto) os desejados atributos.

Sabendo-se pretendidos, os negros começaram a usar a sua reputação em proveito próprio, e em proveito alheio, tais as intermináveis solicitações de que passaram a ser alvo. Desde há muito que se tornaram num símbolo sexual das comunidades brancas. E, a avaliar pela literatura publicada (como o livro de Laferrière) ou pela vida prática, ninguém se cansa de ir para a cama com um negro. Ao lado de um tipo de "beleza branca" passou a existir um tipo de "beleza negra", tal como foi imortalizado pelo célebre fotógrafo Robert Mapplethorpe no seu Black Book.




Segundo Senghor, a negritude é «l'ensemble des valeurs culturelles de l'Afrique noire» E ainda,  «La négritude est un fait, une culture. C'est l'ensemble des valeurs économiques, politiques, intellectuelles, morales, artistiques et sociales des peuples d'Afrique et des minorités noires d'Amérique, d'Asie, d'Europe et d'Océanie». Para Aimé Césaire a palavra «désigne en premier lieu le rejet. Le rejet de l'assimilation culturelle ; le rejet d'une certaine image du Noir paisible, incapable de construire une civilisation. Le culturel prime sur le politique. ». Foi a elaboração deste conceito de negritude, a sua intelectualidade e a sua francofonia que catapultaram Senghor para par dos "imortais".

Acrescente-se que Comment faire l'amour avec un nègre sans se fatiguer relata os pormenores das aventuras do Narrador (um jovem negro) com raparigas brancas. A descrição permanece inteiramente válida se substituirmos raparigas por mulheres, rapazes ou homens. Os detalhes mantêm-se, mutatis mutandis o sexo.

Sendo o segundo negro admitido na Academia Francesa, Dany Laferrière é também o primeiro canadiano (mais precisamente quebequiano) e o primeiro haitiano a entrar na casa do Quai Conti.

2 comentários:

Anónimo disse...

Não sei mesmo porque esperaram tanto tempo... Já há muito que as pessoas de bom gosto tinham descoberto estas maravilhas da Natureza.
Vejam-se na antiguidade, os Núbios, atingiam preços astronómicos!
Olho Vivo

Anónimo disse...

Comentário oportuno Júlio. Foram tantos aqueles europeus que viajaram pelo Norte de África à procura das virtualidades do erotismo/ sensualidade da negritude e das culturas exóticas!
Zé Maria