quarta-feira, 28 de agosto de 2013

AGUARDANDO O ATAQUE À SÍRIA




Enquanto se aguarda um ataque americano (e de mais alguns satélites) à Síria, transcrevemos o post do Prof.  Raul Braga Pires no seu blogue Maghreb/Machrek:

«Como não tenho muito tempo, lembrei-me do Ahmed Reda Benchemsi e do mote do seu blogue "2, 3 trucs que je tiens à dire sur 4, 5 sujets". É desta forma condensada, que tentarei abordar o regresso da Síria às capas e às aberturas dos telejornais, em substituição do Egipto. Para este, quando se quiser que volte a destaque, certamente que se começará pela destruição de parte de um qualquer monumento de dimensões faraónicas, já que a morte de pessoas é uma cena que já não nos assiste!

ATAQUE QUIMICO

Já não há dúvidas. Houve mesmo. Mas nós também já sabiamos, basta ver as pessoas a espumar pela boca e outras com os braços firmes e hírtos, suspensos e sem os conseguirem recolher no sentido do corpo. A dúvida é sobre quem efectuou o ataque.

É possível que estejamos perante mais um daqueles gigantescos embustes, já que não seria racional o regime efectuar este tipo de ataque, muito menos após a chegada de 20 inspectores das Nações Unidas, precisamente para investigarem o uso anterior do mesmo tipo de armamento. Ora, precisamente, quando ele foi usado anteriormente pelo regime (também o foi pelos "rebeldes") e numa escala muito inferior, o que se passou é que Bashar Al-Assad estava a tentar perceber quais eram os limites que a chamada Comunidade Internacional lhe impunha. Isto, após já ter abatido em Junho do ano passado, um caça bombardeiro turco e das suas tropas terem disparado, em ocasiões distintas, para o interior de campos de refugiados sitos no lado turco da fronteira. A Turquia é um Estado NATO e a não invocação do artigo 5º do Tratado de Washington* após estas escaramuças, significou para Damasco que os "Aliados" não estavam na disposição de intervir na Síria, o que lhe deu carta branca para chegarmos até aqui. Claro que os sucessivos vetos dos russos e do chineses no Conselho de Segurança, também foram fundamentais. O pacote é vasto.

Logo, o factor racionalidade está colocado de lado, embora se possa sempre considerar que um qualquer General descontente, contrariado, comprado, cansado (certamente que haverá muita gente que há 2 anos e meio que não dorme 1 única noite tranquila), tenha dado a ordem para o ataque!

Há, uma vez mais uma guerra de números. Fala-se em 1500 mortos na media, mas as listas na posse das "oposições" não chegam a ter 500 nomes! As armas quimicas utilizadas no ataque eram artesanais! Há videos e fotos do ataque, colocadas na internet, antes mesmo deste ter acontecido! (Aceder AQUI a entrevista com Haytham Manna, do Comité Nacional para a Mudança Democrática).

É claro que do lado oposto se diz exactamente o contrário e até há provas de telefonemas interceptados que ligam o regime sírio ao ataque (ver AQUI ). Mas não foi exactamente isso que nos disseram aquando da 2ª invasão do Iraque?

A POSIÇÃO AMERICANA

Os americanos já disseram que não consideram, com o mais que certo ataque, uma mudança de regime, o que significa que não vão atacar palácios, nem andar atrás de Al-Assad. Fala-se em 3 dias de ataques a partir do mar e do ar, os quais poderão começar já amanhã, quinta-feira e, ter como objectivo instalações militares, depósitos de combustivel, de armas (excluindo as quimicas), numa resposta limitada de 1ª fase e talvez aeroportos, pistas de aviação, auto-estradas, pontes e viadutos, etc, numa hipotética 2ª fase. No evoluir da situação no terreno, este tipo de ataque não deverá alterar as dinâmicas existêntes até agora, pelo que esta "contenção", é sobretudo um reconhecimento de que o momento Snowden fez recuar as relações entre americanos e russos, para os melhores momentos da Guerra Fria.

Esta intervenção, a acontecer, também tem duas outras razões que ultrapassam em muito a dimensão quimica do ataque. Obama começava a ser considerado uma anedota a todos os níveis, pois já tinha traçado a utilização das armas quimicas como a "linha vermelha" intransponivel, numa conferência de imprensa realizada na Casa Branca a 21 de Agosto do ano passado e, estas foram posteriormente utilizadas e ainda nada tinha sido feito. Por outro lado, este "puxão de orelhas" a Assad, também permite desviar as atenções do falhanço na gestão e na falta de posição americana durante os recentes acontecimentos no Egipto. Reparem que Obama tem delegado as aparições e declarações públicas sobre o assunto, sobretudo no seu Secretário de Estado, no Vice-Presidente e até no seu Secretário para a Imprensa.

AS NAÇÕES UNIDAS

Se quanto ao ataque quimico já se definiu quem o efectuou e quem se tem que castigar, o debate move-se agora no sentido da legalidade na aplicação da pena e os Estados Unidos estão a constituir com o Reino Unido, França e demais Estados NATO e Liga Árabe, uma coligação de voluntários, a qual baseada no número, na consensualidade e utilizando o argumento moral, não apresentará qualquer tipo de moção no Conselho de Segurança, pois é mais que certo que esbarraria de novo com os vetos russos e chineses, como já aconteceu por duas vezes, salvo erro, nos últimos 2 anos.

A solução, baseada nos 3 argumentos apresentados, número alargado de Estados, consensualidade e sobretudo o argumento moral, visará invocar directamente o artigo 51º** da Carta das Nações Unidas, o que não é a mesma coisa que obter um mandato claro do Conselho de Segurança, o que já é o argumento invocado pela Russia e pelo Irão (curiosamente a China tem mantido o silêncio), quanto à violação do Direito Internacional que tal intervenção irá provocar.

Sejamos claros e objectivos, qualquer solução intervencionista, ou passiva, é péssima na questão síria e, por isso mesmo, este ataque americano será mais uma reprimenda pública ao regime Assad, para lavar a cara da Administração Obama, do que para inverter os pólos e acelerar uma verdadeira mudança na Síria. O problema é exactamente esse, já que o que vier a seguir, não tem que ser obrigatóriamente melhor!

Por outro lado, não foi por justificações quimicas e falsas, sabe-se hoje, que os americanos se atolaram no Iraque? Porque razão iriam repetir o número? Se falta uma justificação racional para o regime sírio ter efectuado este ataque, porque razão haveria racionalidade por parte dos americanos em cometerem erros passados?

* Artigo 5º do Tratado do Atântico Norte, também chamado de Tratado de Washington, pois foi aí assinado a 04 de Abril de 1949.

As Partes concordam em que um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas, e, consequentemente, concordam em que, se um tal ataque armado se verificar, cada uma, no exercício do direito de legítima defesa, individual ou colectiva, reconhecido pelo artigo 51.° da Carta das Nações Unidas, prestará assistência à Parte ou Partes assim atacadas, praticando sem demora, individualmente e de acordo com as restantes Partes, a acção que considerar necessária, inclusive o emprego da força armada, para restaurar e garantir a segurança na região do Atlântico Norte.
 
Qualquer ataque armado desta natureza e todas mais providências tomadas em consequência desse ataque são imediatamente comunicados ao Conselho de Segurança. Essas providências terminarão logo que o Conselho de Segurança tiver tomado as medidas necessárias para restaurar e manter a paz e a segurança internacionais.

** Artigo 51.° da Carta das Nações Unidas.

Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou colectiva, no caso de ocorrer um ataque armado contra um membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer momento, a acção que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais.»

Voltaremos ao assunto.

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