domingo, 24 de fevereiro de 2013

A GUERRA NA SÍRIA: UMA VERGONHA MUNDIAL

Damasco: 21-02-2013

Depois de dois conflitos mundiais sangrentos no século XX, a que se sucederam alguns conflitos regionais, igualmente mortíferos, surgira a esperança de que, à parte algumas escaramuças regionais ainda que igualmente letais, o mundo saísse do século transacto e entrasse no século XXI num ambiente relativamente pacífico, antes da prevista eclosão da Terceira Guerra Mundial. Tal não sucedeu.

A invasão do Afeganistão, a invasão do Iraque, a prossecução do conflito israelo-palestiniano, o apoio de muitos países à chamada "primavera árabe" (com o intuito de derrubar os ditadores de serviço - e porquê estes e não outros - que se tem traduzido por confrontações violentas e pela chegada ao poder de novos ditadores (mesmo que "escolhidos" pelo povo) e muito mais que se poderia dizer mas isto basta, desvaneceu as esperanças, ingénuas ou cínicas, de quem profetizava um princípio de século mais tranquilo.

Dos conflitos ainda em curso, que deveriam apavorar os dirigentes mundiais se estes tivessem um módico de vergonha, a guerra civil na Síria é exemplar.

Para evitar interpretações precipitadas ou mal-intencionadas, deverei, a título de registo de interesses, mencionar que sou um admirador da Síria - do país e dos seus habitantes - nada tendo a ver com o regime do presidente Bashar Al-Assad, ainda que considere que esse regime ditatorial era muito mais tolerante do que, por exemplo, os regimes, por ora vigentes, dos países da Península Arábica.

Existia, como nos diversos países do Maghreb e do Mashreq, uma oposição que revestia formas várias (é sempre assim), desde a oposição "fantoche" à oposição moderada e aos oposicionistas mais violentos. Para estes, não havia contemplações. As manifestações iniciadas há dois anos em Deraa, pacíficas na generalidade, foram reprimidas com desnecessária violência, com a intenção de evitar a repetição dos cenários da Tunísia, do Egipto e da Líbia, já que no Bahrein não se fala e no Yémen a situação estacionou.
Desencadeadas com o intuito de fazer alastrar à Síria a "primavera árabe", as manifestações contestatárias não contaram com a resistência do regime. Sendo os primeiros protestos quase exclusivamente de sírios, a escalada revolução/repressão que se seguiu atraiu, por razões óbvias, fundamentalistas de países vizinhos que aspiram a instalar um regime islâmico na Síria, país com um governo laico, onde convivem há séculos (umas vezes melhor, outras pior), crentes de cerca de 20 confissões religiosas e cidadãos de etnias diversas.

Não sendo, inicialmente, muito numerosos os sírios que protestatvam contra Assad, à medida que os combates prosseguiam, o número de mortos e feridos aumentava e as destruições se sucediam, é natural que cada vez mais sírios contestassem o regime. Quantas famílias destroçadas pela morte dos seus parentes ou amigos, quantas casas destruídas, quntas pessoas sem abrigo, sem alimentos, em remédios. Começava a guerra civil. Hoje, é já muito elevado o número de sírios que se opõe ao regime de Assad, embora não chegue, tanto quanto se pode avaliar, a metade da população. Mas há fortes contingentes estrangeiros, armados e financiados por potências interessadas na desestabilização da região. Por razões políticas e  por razões religiosas, sendo que estas também são políticas.

As potências do chamado Mundo Ocidental vêm, desde o princípio, dansando a valsa da interferência/não-interferência, com as trágicas consequências que se conhecem, por medíocre orientação política e escaldadas pelo espectáculo, que lhes tem sido dado contemplar, dos outros países árabes que ascenderam à "democracia". Não vale a pena entrar em pormenores que todos conhecem.

Segundo as mais recentes notícias, a oposição (ou as oposições) síria acusa o mundo de inacção, e isto até é verdade. O Conselho Nacional Sírio tem demonstrado que não é representativo do povo sírio, nem os seus membros se entendem. Inútil entrar em detalhes. E os grupos armados não obedecem a um comando unificado, agindo cada qual a seu bel prazer. A repressão governamental tem sido de uma severidade brutal, porventura desnecessária. Mas as oposições e os seus bandos têm cometido igualmente os mais atrozes crimes de guerra. Mais algum tempo, e ninguém será inocente.

O chamado mundo civilizado deveria ter medido as consequências ao incentivar e apoiar a revolução contra Assad, até porque, salvo melhor opinião, Assad é parte do problema mas é também parte da solução. A queda do regime e a sua eventual substituição por um outro cuja orientação se ignora mas que não é difícil prever, não só não travará a guerra civil mas mergulhará o país no caos absoluto. O país e toda a região. Talvez seja esta a oportunidade - e isto, como alguns poderão mais lestamente imaginar, não é teoria da conspiração - para se desencadear a Terceira Guerra Mundial que acima citei. Eu sei que esta hipótese provoca, por estes dias, alguns sorrisos. 

Porém, quando tudo estiver consumado, será, porventura, demasiado tarde.

2 comentários:

Anónimo disse...

Como disse e muito bem provoca "por estes dias alguns sorrisos" que se transformarão em esgares de horror, caso a previsão se torne realidade. O tema das interferências na Síria mais não é que a tentativa de uma certa "mãozinha" para mais depressa atingir o Irão. Mas disso ninguém fala. Só que quando tocarem no vespeiro, logo vamos todos saber o que é bom p'ra tosse.
Julgo mesmo que é ali que tudo começou e que tudo vai acabar.
Marquis

Anónimo disse...

Realmente uma vergonha e uma tragédia. Se os sírios não fossem incentivados e os islamistas não tivessem perdido a cabeça (e seria bom que agora a perdessem mas fisicamente) nada disto teria acontecido. A Arábia Saudita e o Qatar são também grandes culpados desta situação, bem como a Turquia, para não falar dos EUA e da UE.

Acabaram por pôr sírios contra sírios, quando a maioria dos sírios aceitava, melhor ou pior, o regime, certamente muito melhor do que a situação que têm agora.

Desde o fim do Império Otomano que o Médio Oriente, em grande parte por culpa do Ocidente, tem sido um caos.

E pelo andar da carruagem, como diria Salazar, "a Revolução continua".