domingo, 29 de janeiro de 2012

NAZISMO E VIDA MUNDANA


O livro La vie mondaine sous le nazisme, de Fabrice d'Almeida, permite-nos uma visão bastante pormenorizada das sociabilidades durante o regime nazi. Têm sido produzidas milhares de obras sobre o nazismo e Hitler (entre as quais as biografias de referência do Führer, de Ian Kershaw, Joachim Fest e Alan Bullock), mas o livro de Fabrice d'Almeida, até porque escrito depois da abertura de muitos arquivos que os outros historiadores não puderam consultar, dá-nos uma visão percuciente e quase exaustiva da vida mundana durante o regime nacional-socialista.

Ao contrário do que muita gente pensa, e certos textos e filmes deixam entrever, Hitler não foi nem um tonto nem um desordeiro, antes cultivou um estilo de sedução que cativou a maioria dos alemães. Passada a primeira fase, assaz truculenta, das reuniões nas cervejarias e dos comícios inflamados, Adolf Hitler, a partir dos primeiros resultados eleitorais satisfatórios e especialmente depois de ter assumido o cargo de chanceler do Reich, passou a comportar-se, aliás como a maioria dos dirigentes nazis, de forma cavalheiresca e elegante, que só claudicou com os primeiros insucessos militares e a presumível doença física, e mental, que o terá atingido nos começos de 1943.

Esmerou-se o III Reich em manter as tradições do Império Alemão e do antepassado reino da Prússia, cujo soberano Frederico II constituía uma referência para Hitler. Aliás, o Führer tinha encarado, até cerca de 1932, a possibilidade da restauração da monarquia germânica, ideia que deixou obviamente tombar quando sonhou com a chefia do Estado alemão, que viria a obter muito rapidamente, por morte do presidente da República, o marechal Hindenburg, falecido em 1934. Todavia, isso não obstou a que a família Hohenzollern frequentasse o regime hitleriano, para cujas celebrações era sempre convidada. O príncipe imperial, Guilherme, era um frequentador dessas festividades e o seu irmão, o príncipe Augusto Guilherme, foi mesmo membro das SA.

Ao longo de dez anos, o regime não só criou uma alta sociedade nazi, como atraiu para a sua esfera as principais personalidades que, quer ainda no Império, quer depois na República de Weimar, constituíam a nata da sociedade alemã. A troco de convites para festas, espectáculos, banquetes, bailes, por meio de pequenos e oportunos presentes ou de convenientes subsídios à arte (oficial), cuidando de felicitar pelos nascimentos, aniversários, casamentos, todos quantos gozavam de prestígio no país, sem esquecer as condolências pelos óbitos verificados, o regime desenvolveu conscientemente uma estratégia de aliciamento do povo alemão, nomeadamente das elites e da juventude. O próprio Hitler passou a beijar a mão das damas e a usar fatos de cerimónia nas ocasiões apropriadas. A vida diplomática conheceu um fausto sem precedentes e instalou-se uma verdadeira vida de luxo, especialmente entre os dignitários do regime, que, obviamente (ou não) cresciam de dia para dia. De resto, um dos propósitos do Führer foi identificar a alta sociedade alemã com o próprio regime, o que, diga-se, conseguiu sem muito esforço. Poucos foram os opositores desta estratégia de sedução, e os que a ela se recusaram ceder foram ou ignorados ou eliminados. Talvez por isso, nesta frenética corrida para o abismo, foram ignoradas as perseguições aos judeus, quer porque os alemães se encontravam já inebriados pelo fascínio do nacional-socialismo, quer porque existia neles uma aversão aos judeus, que culpavam da derrota de 1918, do Tratado de Versalhes de 1919 (o diktat), do regime de Weimar. Associavam-nos aos bolcheviques (não era Marx judeu?) e acusavam-nos de deter a maior parte do poder económico e financeiro da Alemanha (o que, realmente, não andava longe da verdade).

Este idílio da sociedade alemã com os seus chefes durou até muito tarde. Não só as elites mas também as massas se tinham identificado com o regime como a pessoa de Hitler passara a ser objecto de veneração. Não esqueçamos que a saudação "Heil, Hitler" se tornara um cumprimento obrigatório.

Não queremos dizer, evidentemente, que todos os alemães fossem partidários do Führer. Ao longo da sua carreira, Hitler foi alvo de diversos atentados, alguns organizados, como é de regra, por potências estrangeiras, mas o mais espectacular, e que quase resultou, foi o do coronel Claus von Stauffenberg, em 1944. Nessa altura, as forças armadas alemãs estavam já convencidas da inevitabilidade da derrota e do desastre que tinha sido o próprio Hitler ter assumido o seu comando directo. Pretendiam os militares livrar-se dele e tenta obter uma paz honrosa; mas mesmo que Hitler tivesse sido eliminado, é de crer que, dadas as disposições dos Aliados, nomeadamente de Churchill, nessa altura fosse já tarde.

Fabrice d'Almeida, para o seu livro, consultou milhares de documentos originais, na maioria inéditos, o que nos permite não só a reconstituição da vida mundana naquele período, cuja excitação se prolongaria até 1943/44, como uma análise de muitos aspectos da vida na Alemanha, porventura ignorados por outros historiadores.

Deve, pois, ler-se com atenção, a fim de nos precavermos contra as seduções do poder em geral e de certos poderes em particular. Especialmente, quando o poder é exercido por um só homem, importa escrutinar com argúcia os seus propósitos recônditos e nunca ceder á tentação da adesão fácil, ainda que premiada, que mais tarde se poderá revelar fatal.

2 comentários:

Anónimo disse...

Hitler pode ser, e é, culpado de muitas coisas.

Mas, pelo menos, meteu os "mercados" na ordem. Ao contrário da sª Merkel.

ZÉ DOS ANZÓIS disse...

Ao contrário da opinião geralmente expressa, o regime nazi, com todas as suas atrocidades, também teve aspectos positivos. Nem poderia ter subsistido doutra forma; mas disso nunca se fala, como se durante mais de dez anos só existissem roubos, assassinatos, espoliações, perseguições. O saldo será negativo (basta para isso a guerra mundial) mas houve também um activo que o pesado passivo submergiu.