Não cabe aqui fazer a história da Ordem dos Cavaleiros de Rhodes, que começou por ser a Ordem de São João de Jerusalém e acabou com o nome de Ordem Soberana e Militar de Malta ou, de seu nome completo, Ordem de São João de Jerusalém, de Rhodes e de Malta.
No cumprimento de uma missão filantrópica, alguns mercadores de Amalfi obtiveram do Califa, em meados do século XI, autorização para construir, ao lado da igreja da Ressurreição, em Jerusalém, a igreja de Santa Maria Latina e uma pousada para albergar e cuidar dos fiéis que se deslocavam em peregrinação à Terra Santa. A pousada-hospital era mantida por monges beneditinos e terá havido uma invocação a São João Esmoler antes da obra ter sido dedicada definitivamente a são João Baptista.
No começo do século XII, Pierre Gérard, ou Gérard de Tenque, pessoa de quem pouco ou nada se sabe, fez a sua aparição em Jerusalém. Todos os dados a seu respeito convergem no sentido de ter sido ele o fundador da Ordem do Cavaleiros, de que a pousada dos mercadores de Amalfi foi precursora. Nesta altura, os Cavaleiros eram apenas hospitalários e não possuíam ainda um estatuto ou organização militar.
Em 1113, o papa Pascoal II constitui-a como ordem eclesiástica e dotou-a de estatutos, dedicando-a a São João Baptista e conferindo-lhe regra própria. Em 1120, o francês Raymond du Puy foi eleito grão-mestre da Ordem e em 1136 o papa Inocêncio II acrescentou-lhe a missão militar e o encargo de defender o Santo Sepulcro. Os Cavaleiros de São João, juntamente com os Templários, tornam-se, a partir do século XII, os representantes mais importantes da ideologia das Cruzadas, combatendo o adversário muçulmano no próprio coração do Oriente. Estabelecem assim importantes pontos de apoio na Palestina e na Síria, Mas com o ressurgimento da potência árabe perdem sucessivamente os centros urbanos bem como as fortalezas em seu poder. A perda definitiva de Jerusalém (Saladino já havia conquistado a cidade em 1187) e de Askalon em 1247, seguida da tomada do famoso Krak des Chevaliers (Qala'at al Husn, na Síria actual e que já visitei), em 1271 é fatal para os Cavaleiros. A fortaleza de são João d'Acre, na Palestina, última cidadela a permanecer em poder dos francos, cairá nas mãos dos árabes em 1291. Encontrando-se dizimados, e gravemente ferido o seu grão-mestre Jean de Villiers, os Cavaleiros retiram-se para a ilha de Chipre, onde já não se sentem mestres mas vassalos do rei franco da ilha, que não lhes permite agir em completa liberdade.
Em 1306, surge a oportunidade de encontrarem uma nova sede. O grão-mestre, Foulques de Villaret estabelece negociações com o genovês Vignolo de' Vignoli, que detinha feudos no Dodecaneso. O acordo previa que após a conquista de Rhodes os Cavaleiros ficassem com dois terços da ilha, revertendo o restante para o genovês. Com o auxílio dos reis de França e de Inglaterra e do papa, e apesar da enérgica resistência dos seus habitantes, os Cavaleiros acabam por conquistar a ilha em 1309, passando a designar-se Cavaleiros de Rhodes. Os primeiros tempos foram difíceis para a Ordem, pela dificuldade de adaptação à população grega local e pelos ataques dos turcos que viam com apreensão a instalação dos monges guerreiros na sua vizinhança imediata. Houve também problemas de natureza interna que não é possível aqui descrever, mas a situação permaneceu relativamente estável até ao primeiro grande cerco dos turcos (23 de Maio a 17 de Agosto de 1480), conduzido pelo grão-vizir Mechih Pasha, sendo sultão Mehmet II. Após porfiados esforços, os Cavaleiros conseguiram desbaratar as forças invasoras. Decorridas umas décadas, entre incidentes militares e contactos diplomáticos, os turcos, sendo agora sultão Solimão, o Magnífico, atacaram novamente a ilha, estabelecendo o segundo grande cerco (26 de Junho de 1522 a 2 de Janeiro de 1523), sob o comando de Mustafa Pasha, segundo vizir e genro do sultão. O próprio Solimão acabou por participar no cerco. Tendo-se tornado insustentável a situação local, mediante certas concessões otomanas uma delegação de latinos e gregos acabou por aceitar as condições da proposta turca de paz. Em 1 de Janeiro de 1523, os Cavaleiros, juntamente com o metropolita grego Clemente e cerca de 5.000 habitantes da ilha abandonaram Rhodes em direcção a Creta.
Após uma errância de alguns anos e muitas hesitações quanto ao local onde estabelecer a sua nova sede, os Cavaleiros acabaram por solicitar a Carlos Quinto a ilha de Malta, que finalmente lha concedeu em 1530. A Ordem passou a designar-se Ordem de Malta, nome que ainda mantém, apesar de a ilha ter sido conquistada por Napoleão Bonaparte em 1797. Derrotados pelos franceses e dispersos, nomeadamente por Itália, os Cavaleiros, na ânsia de reencontrar a glória perdida, chegaram a proclamar grão-mestre o tsar Paulo I da Rússia. Em 1830, a Ordem estabeleceu-se definitivamente em Roma, constituindo uma pessoa jurídica de direito internacional, com a prerrogativa de nomear e acreditar embaixadores.
Capela do Palácio |
Como curiosidade, note-se que houve quatro portugueses que foram grão-mestres da ordem de Malta: D. Afonso (1203-1206), Luís Mendes de Vasconcelos (1622-1623), António Manoel de Vilhena (1722-1736) e Manuel Pinto da Fonseca (1741-1773), o primeiro que usou o título de Sua Alteza Eminentíssima.
A organização dos Cavaleiros de São João assentava numa hierarquia rígida, que não sofria violações. A Ordem era dividida em três classes: os irmãos cavaleiros, os irmãos capelães e os irmãos sargentos-de-armas. Esta separação correspondia à subdivisão da sociedade europeia medieval: nobreza, clero e povo. Sendo uma ordem internacional, era composta por membros de toda a Europa latina. A noção actual de nacionalidade era expressa pelo termo "língua". Quando a Ordem de São João se instalou em Rhodes era composta por sete "línguas", classificadas hierarquicamente segundo a sua antiguidade: Provença, Auvergne, França, Itália, Aragão (toda a Península Ibérica), Inglaterra e Alemanha. O governador de cada uma das facções territoriais tinha o título de bailio e exercia também funções na administração central. O bailio de Provença era o grão-comendador; o bailio de Auvergne, o marechal; o bailio de França o hospitalário; o bailio de Itália, o almirante; o bailio de Aragão, o grão-conservador; o bailio de Inglaterra, o grão-turcópolo; o bailio da Alemanha, o grão-bailio ou tesoureiro. Em 1461, o Capítulo Geral decidiu dividir a língua de Aragão em Aragão e Castela, incluindo a primeira a Catalunha e Navarra e a segunda Portugal, Castela e Leão. O bailio de Castela passou a exercer as funções de grão-chanceler. Os órgãos colectivos eram o Capítulo Geral e o Capítulo.
Ao longo dos tempos houve alterações nos cargos que não cabe aqui explicar.
Os Cavaleiros habitavam em pousadas que se situam na Rua dos Cavaleiros (Ippoton), que liga o Palácio dos Grãos-Mestres ao hoje chamado Largo do Museu, por nele estar instalado o Museu Arqueológico, no edifício que foi outrora o Hospital da Ordem. Descendo a Ippoton, encontravam-se do lado esquerdo a pousada de Provença, a capela da Aghia Triada (Santíssima Trindade) e as pousadas de França e de Itália. Do lado direito, a pousada de Espanha e o Hospital. Do outro lado do Largo, encontravam-se as pousadas de Auvergne e de Inglaterra.
Sala do Troféu |
Em frente ao Palácio dos Grão-Mestres pode ver-se as ruínas da Igreja de São João de Collachium (Castelo), inicialmente igreja da Ordem, depois transformada em mesquita após a invasão otomana, e destruída em 1856 por uma inopinada explosão de pólvora (que se encontrava depositada no local) que também provocou sérios danos no Palácio, mais tarde restaurado pelos italianos.
Sala das Colunas |
As informações relativas aos primeiros tempos da Ordem não são perfeitamente coincidentes, dependendo das fontes consultadas, mesmo as consideradas mais autorizadas. Há mesmo aspectos que permanecem envoltos em lenda. Por exemplo, o famoso Colosso de Rhodes, uma estátua humana gigantesca, servindo de farol, considerada uma das sete maravilhas do mundo, que estaria colocada à entrada do porto de Mandraki, com uma perna assente em cada um dos lados do porto (os navios passavam por baixo) seria de facto uma estátua do deus Hélio e existiria no local onde depois foi construído o palácio dos Grão-Mestres.
Não permite o espaço desenvolver mais pormenorizadamente a permanência em Rhodes dos Cavaleiros de São João. Para os interessados existe vasta bibliografia disponível.
Sala do Laocoonte |
Segunda Sala dos Cadeirais |
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