sábado, 23 de março de 2019
FREI LUÍS DE SOUSA
A recente apresentação pelo Teatro Nacional Dona Maria II da peça Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, obra maior do teatro português, é pretexto para umas breves considerações sobre o enredo dramático e os factos históricos subjacentes.
Muito se tem escrito sobre as razões que levaram Garrett a escrever este texto. Não é propósito discuti-las aqui. Mas tem interesse confrontar a arte e a vida.
Em 1905, Joaquim de Araújo (1858-1917), membro da Academia das Ciências, publicou um breve ensaio O "Fr. Luiz de Souza" de Garrett - Notas, com prefácio de Teófilo Braga, em que se debruça sobre a criação de Garrett e a sua recepção nacional e internacional. Adquiri-o em 1992.
Em 1935, Alberto Freitas da Câmara, de que não possuo de momento outros elementos biográficos, publicou o romance Frei Luiz de Sousa, que adquiri em 1995. Segundo escreve o autor, na "Advertência", ficou tão impressionado quando assistiu, com 14 anos, a uma representação da peça de Garrett, que procurou com afã o romance que originara a peça. Como não existia, decidiu-se ele, mais tarde, a escrevê-lo, reconstituindo o drama mas introduzindo algumas indispensáveis rectificações históricas (Garrett dispensara-se, naturalmente, da absoluta verosimilhança dos factos) e introduzindo mesmo uma personagem, o jovem Martinho da Silva, que estaria destinado a desposar D. Maria de Noronha (aliás Ana, na vida real) se esta não tivesse prematuramente falecido. Também corrige a profissão monástica simultânea no mesmo convento (de São Paulo) dos dois esposos (circunstância religiosamente inadmissível). Ana morreu muito antes dos pais terem abandonado a vida secular e não foi por causa da vinda do Romeiro (se algum romeiro chegou a regressar da Terra Santa) que se separaram Manuel de Sousa Coutinho e D. Madalena de Vilhena. Não existe qualquer prova que D. João de Portugal (sob a aparência de um romeiro, ou outra) tenha regressado do cativeiro onde teria permanecido 35 anos (e não 20, o casal professou em 1613), depois da batalha de Alcácer-Quibir. É um facto que Manuel de Sousa incendiou o seu palácio de Almada (1599), mas não exactamente por ser profundamente anti-castelhano (até recebeu mercês de Filipe II e de Filipe III) mas como desafronta em relação aos governadores portugueses do Reino. E o seu exílio não foi numa quinta para lá do Alfeite mas nas Índias Ocidentais.
Não sabia Alberto Freitas da Câmara, mas tinha-o sabido Garrett, e a ele alude na "Memória ao Conservatório Real" (1843), que havia já sido produzido um romance sobre o mesmo tema (1835), da autoria do escritor francês Ferdinand Denis (1798-1890), um estudioso da literatura portuguesa. Parece que a edição foi destruída por um incêndio, sendo praticamente impossível encontrar hoje um exemplar da obra.
Manuel de Sousa Coutinho nasceu em Santarém por volta de 1555 e pertencia à casa dos condes de Marialva. Casou em 1583 com D. Madalena de Vilhena, que ficara pretensamente viúva de D. João de Portugal, desaparecido na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578 e professou no Convento de S. Domingos de Benfica, com o nome de Frei Luís de Sousa, em 1613, ignorando-se as verdadeiras razões da separação do casal, ainda que houvesse precedentes na época. Morreu em 1632. A par das suas virtudes militares era também um literato erudito e escreveu no Convento a notável biografia de Frei Bartolomeu dos Mártires, venerado arcebispo de Braga, que representou Portugal no Concílio de Trento (1545-1563), o último concílio ecuménico antes dos concílios Vaticano I (1869-1870) e Vaticano II (1962-1965).
D. Madalena de Vilhena tivera três filhos de D. João de Portugal: D. Luís de Portugal, que morreu desastrosamente em Ceuta, D. Joana de Portugal e D. Maria de Vilhena. D. Madalena era filha de Francisco de Sousa Tavares, primeiro provedor da Santa Casa da Misericórdia de Almada, e professou, também em 1613, no Convento do Sacramento, em Lisboa, com o nome de Sóror Madalena das Chagas.
Esta separação e a entrada em religião não era inédita ao tempo, pois alguns anos antes, sem qualquer razão aparente, tinham professado os condes de Vimioso, D. Luís de Portugal, no Convento de S. Paulo, de Almada, e D. Joana de Mendonça, no Convento do Sacramento, em Lisboa.
A peça Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, foi representada pela primeira vez, em Lisboa, por uma sociedade particular, no teatro da Quinta do Pinheiro, em 4 de Julho de 1843, tendo o próprio Garrett interpretado o papel de Telmo Pais, o fiel escudeiro. Foi publicada em 1844 e teve a estreia pública em 1847, em versão censurada, num teatro do Salitre. A versão integral foi levada à cena em 1850, no Teatro Nacional, hoje Teatro Nacional Dona Maria II.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Por favor corrija 1598 por 1578 na frase "Manuel de Sousa Coutinho nasceu em Santarém por volta de 1555 e pertencia à casa dos condes de Marialva. Casou em 1583 com D. Madalena de Vilhena, que ficara pretensamente viúva de D. João de Portugal, desaparecido na batalha de Alcácer-Quibir, em 1598..."
Muito obrigado pelo alerta. Foi uma troca de algarismos que já corrigi.
Enviar um comentário