domingo, 29 de janeiro de 2017

UM LOUCO NA CASA BRANCA




As medidas adoptadas por Donald Trump após a sua tomada de posse como presidente dos Estados Unidos não são propriamente surpreendentes.

O candidato tinha-se desdobrado em anúncios bombásticos durante a campanha eleitoral. E dúvidas não restavam quanto à aplicação dessas (ou parte delas) medidas, não obstante a imprevisibilidade das suas acções.

A eleição de Trump para a Casa Branca decorre de factores diversos, nomeadamente do facto de a sua adversária ter sido Hillary Clinton, uma mulher de má memória, que primeiro como esposa de Bill e depois como secretária de Estado é responsável por milhares de mortos e, ao que consta, por ter ordenado a eliminação de diversas pessoas (coisa que hoje se tornou banal, como ainda há semanas o presidente francês François Hollande, em entrevista, informou os jornalistas  ter determinado diversas execuções sumárias, através dos serviços secretos, numa flagrante violação da Constituição da República). Isto é, Trump foi eleito pela negativa, pelo facto de muitos cidadãos se terem abstido ou recusado conceder o seu voto a uma mulher odiada, a única alternativa de que dispunham, e que, apesar de tudo, ainda obteve em relação a ele, mais de um milhão de votos.

Mas Trump também foi eleito contra o establishment vigente no país há décadas, com dinastias de presidentes corruptos e ao serviço de interesses anti-americanos. Só há a lamentar que a escolha tenha, pela força das circunstâncias, recaído em semelhante personagem. As promessas de reconduzir a América à sua perdida grandeza (qual ?) foram ouvidas e acreditadas por milhões de crédulos eleitores, num país com uma das maiores taxas de analfabetos funcionais do mundo. Num país onde mesmo a maior parte da classe política não possui os conhecimentos mais elementares de história ou de geografia, para já não evocar a flagrante ausência de cultura geral. Com a agravante de que a maioria das promessas de Trump são obviamente incumpríveis, pela natureza das coisas.

Tem sido dito que Trump não é louco e que sabe muito bem o que quer. É evidente que ele não é louco no sentido clássico em que se costuma utilizar o termo, mas o seu comportamento, mesmo para alcançar os objectivos que se propõe, denuncia alguma insanidade mental, na medida em que ignora ou despreza os meios que a razão recomenda sejam utilizados para atingir os fins. Para isso contribui não só um narcisismo inapelável, mas uma profunda incompetência política e uma flagrante ignorância do processo governativo.

Vem isto a propósito da proibição temporária (até quando ?) da entrada em território da União dos cidadãos oriundos de sete países árabes (Síria, Iraque, Irão, Sudão, Líbia, Yemen, Somália) e da proibição da entrada de refugiados provenientes da Síria. Tem o presidente dos Estados Unidos o poder de fechar as fronteiras do seu país, mas configura demência impedir o retorno aos EUA de pessoas que tendo saído normalmente do pais (com vistos devidamente emitidos), em viagem de férias, de negócios, ou por outro motivo, sejam agora subitamente impedidas de regressar a casa ou ao trabalho, permanecendo "apátridas" nas zonas de trânsito internacional dos aeroportos ou perante os balcões de check-in das companhias de aviação. Situação que, aliás, está a provocar o caos nos mais concorridos aeroportos de todo o mundo.

Apenas me debruço sobre este acto de Donald Trump (outros haveria já a analisar), não só pela insânia da medida como pela sua ineficácia e pelo seu carácter discriminatório. A invocação do terrorismo internacional, que Trump prometeu erradicar (como ?) jamais poderia determinar este acto de banimento. Não consta que nas últimas décadas  (há gráficos a prová-lo) tenham sido mortos cidadãos americanos por nacionais dos países agora objecto desta sanção. Pelo contrário, foram cidadãos da Arábia Saudita e do Egipto (países que não integram a lista) os presumíveis responsáveis pelos ataques de 11 de Setembro (a menos que na sua autoria tenha estado a própria administração norte-americana, como desde então tem sido internacionalmente referido).

Por outro lado, os ataques terroristas verificados recentemente na Europa, especialmente em França, devem-se a cidadãos europeus, nascidos e criados no Velho Continente, e não a imigrantes ou refugiados. Acresce que a referência à discriminação religiosa é intolerável, e nem a manifestação da velha Albright, protestando converter-se ao islão (mais uma farsa nesta tragicomédia) chega para redimir a ignomínia do acto.

Os actos violentos cometidos na América nos últimos anos foram obra de americanos de cepa, não de imigrantes ou refugiados, mas sim de indivíduos loucos, em geral jovens, a quem, por força da legislação em vigor, é permitido adquirir uma arma como quem compra um berlinde.

Não quero alongar-me sobre a matéria, nem sobre os subsequentes desenvolvimentos desta política irracional, mais de espectáculo do que de substância, que se afigura ser a única preocupação do novo inquilino da Casa Branca. Tem ele muita coisa para mudar? Decerto que sim! Mas não é este o caminho de quem, pretendendo ser um verdadeiro estadista, se comporta como um irrisório palhaço. Irrisório mas perigoso!

Um louco na Casa Branca não é apenas uma provação para os norte-americanos, é um pesadelo para o mundo.



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