sábado, 22 de setembro de 2012

BISOGNA CHE TUTTO CAMBI



Num livro famoso que o filme de Visconti imortalizou, Il Gattopardo, Giuseppe Tomasi di Lampedusa escreveu, a propósito das mudanças políticas e sociais da Itália (que ainda não o era) do século XIX: «Se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi».

Ao consagrar no romance, en passant, esta frase que se tornou célebre, estava no espírito do grande escritor siciliano que foi o príncipe de Lampedusa a ideia de que a manutenção de uma determinada ordem social (e económica) na Itália da época dependia de modificações profundas na sociedade. Só a radical transformação (aparente) das estruturas permitiria a conservação dos privilégios ancestrais que se encontravam em perigo face à revolução que conduziria à independência do país.

Vem isto a propósito (ou a despropósito) da reunião de hoje do Conselho de Estado. Não se esperam decisões surpreendentes, tanto mais que o Conselho é um órgão consultivo do presidente da República, obviamente sem capacidade deliberativa. Não sabemos o que os conselheiros disseram ao presidente mas sabemos o que pretendia a multidão que durante horas se manteve junto ao palácio de Belém: a demissão do Governo.

Para lá da exigência da expulsão da "troika", da desistência da Taxa Social Única, do fim da austeridade e das medidas drásticas que a determinam, os milhares de pessoas que se concentraram na Praça do Império (local de saudosas tradições) e o milhão (ou quase) de pessoas que se manifestaram no sábado por todo o país o que realmente pretendem é a queda deste Governo. Não por uma birra infantil, nem mesmo por uma estrita posição ideológica, mas porque o Governo se assemelha a um navio sem rumo, possuído de uma insensibilidade social que nunca se verificou em Portugal (nem mesmo nos tempos considerados ominosos de Salazar), fiel serventuário das pretensões alemãs mas pouco preocupado, se não indiferente, às angústias da população e ao descalabro da nação, em nome da aplicação de modelos teóricos experimentais que rondam a esquizofrenia económica e política.

Notemos, num parênteses, que a larga maioria da população não está contra, embora disso não seja responsável, o pagamento das dívidas aos credores internacionais. O que pede é tempo, para que os sacrifícios sejam atenuados, e equidade, para que os sacrifícios não sejam sempre suportados pelos mesmos, isto é, uma classe média em vias de extinção. 

Além do que a indignação veementemente expressa tem a ver igualmente com promessas eleitorais não cumpridas, com previsões sucessivamente falhadas, com uma real ausência de objectivos concretos susceptíveis de mobilizar a alma nacional.

É a própria Democracia que está em causa, mas isso será matéria para outra ocasião.

Não se afigura, todavia, que, nos próximos dias, o presidente da República suscite a demissão do Governo, sem necessidade ao recurso de eleições parlamentares. Seria isso, se bem interpreto Lampedusa, o "mudar tudo". E assim se poderia conservar, a bem de determinados interesses, pelo menos uma parte das medidas que afectam o povo português.

Mas se o caminho for apenas uma "pequena mudança", digamos, uma aplicação cosmética ao que existe, então creio que alguma coisa de substancial realmente mudará. Deveremos estar preparados para essa eventualidade.

1 comentário:

Anónimo disse...

Lampedusa é um exemplo de sagacidade política.Observou bem a realidade, o que lhe permitiu escrever a frase tornada célebre. Quando se realizam mudanças espectaculares é normalmente para manter o statu quo. Devem realizar-se assim mudanças progressivas que alterem realmente o estado das coisas.