Foi publicado há três meses em França um livro do investigador e jornalista francês Frédéric Martel, com o título MAINSTREAM: Enquête sur cette culture qui plaît a tout le monde. Trata-se de uma obra de grande importância e que deve ser lida com urgência por todos quantos se interessam por globalização cultural no sentido político mais amplo. E a ela se refere o director do "Magazine Littéraire", Joseph Macé-Scaron, no editorial do último número da revista (Nº 499 -Julho/Agosto 2010). Neste livro, Martel descreve a guerra feroz travada pelas grandes potências no terreno da cultura. De Hollywood a Bollywood, do Japão à África sub-sahariana, do quartel-general de Al-Jazira no Qatar à sede do gigante Televisa no México, o autor disseca, em jeito de reportagem, a estratégia e o poder financeiro dos diferentes actores - ou o que fazer para agradar a toda a gente em todo o mundo.
De particular interesse o capítulo dedicado à Al-Jazira, que se tornou a cadeia mainstream do mundo árabe. Tudo começou num sábado, em Julho de 1997, às 16 horas. Estavam as famílias sauditas assistindo a um programa para crianças no Canal France International (CFI), cuja retransmissão era assegurada pelo satélite Arab Sat, lançado em 1985 por 21 países árabes, e cujo sinal principal é emitido a partir de Riyadh, na Arábia Saudita. Subitamente, por um erro de manipulação das retransmissões satélites pela Télédiffusion de France, apareceu no ar em substituição do CFI a cadeia pagável Canal+. O incidente não teria tido consequências se nesse momento o programa do Canal+ não fosse um filme pornográfico intitulado Club privé au Portugal.
A difusão do "porno" durou cerca de trinta minutos, até que os técnicos se dessem conta do engano. Segundo os dados da época, o filme terá sido visto em vinte países árabes com um público potencial de 33 milhões de pessoas. Foi o escândalo e a indignação. Os representantes do CFI na Arábia Saudita tentaram suspender o programa imediatamente mas ninguém os atendeu.
A versão oficial de Paris é diferente: este incidente, ainda que real, foi um pretexto para afastar os franceses do satélite Arab Sat. Até porque existem na Arábia Saudita filmes pornográficos por assinatura. É claro que são codificados mas muitos os descodificam ilegalmente. Encenação ou pretexto, o facto é que o caso do filme porno do Canal+ determinou a saída do CFI do Arab Sat, apesar das pressões diplomáticas da França.
Voltaremos a falar de Al-Jazira num dos próximos posts.
1 comentário:
A cultura que agrada a toda a gente é a grande calamidade destes tempos. Tudo numa lógica capitalista. O que é preciso é vender. Para comprar e para vender ainda mais. Um ciclo infernal.
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