terça-feira, 17 de novembro de 2009

BRITTEN E AUDEN





Está em cena no National Theatre, de Londres, a peça recém-publicada de Alan Bennett The Habit of Art, que encena um encontro imaginário entre Benjamin Britten (1913-1976), o maior compositor inglês do século XX, e possivelmente de toda a história da música britânica, e Wystan H. Auden (1907-1973), um dos maiores poetas ingleses da época.

O espectáculo, que se manterá na primeira sala de teatro londrina até Março próximo, evoca o hipotético reencontro, no início dos anos 70, do compositor e do poeta que, tendo sido grandes amigos, se haviam desentendido depois da sua última colaboração, a opereta para estudantes Paul Bunyan, estreada na Universidade de Columbia em 1941, que Auden escreveu e Britten musicou.

A colaboração entre ambos iniciou-se em 1935 com o documentário Coal Face, para o qual Auden escreveu o guião e Britten a música e prosseguiu nos anos seguintes. O compositor testemunhava a maior admiração por Auden, seis anos mais velho e que pertencia a um círculo de escritores situados à esquerda, e na sua maioria homossexuais, onde se contavam os famosos Stephen Spender e Christopher Isherwood.

Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, Britten viajou para os Estados Unidos com aquele que já era e seria até ao fim o companheiro da sua vida, o famoso tenor Peter Pears, e onde já se encontravam Auden e outros intelectuais e artistas ingleses. Também em Nova Iorque se encontrava a escritora e actriz Erika Mann, filha de Thomas Mann, que se divorciara do célebre actor alemão Gustaf Gründgens e casara por conveniência (era lésbica) em 1935 com Auden, para obter a nacionalidade britânica. Entretanto Auden conheceu o poeta norte-americano Chester Kallman, com quem passou a viver e a manter colaboração literária. Ambos escreveram o libretto da extraordinária ópera de Stravinsky, The Rake’s Progress. Por seu lado, Britten comporia notáveis obras musicais como War Requiem e as óperas Peter Grimes, The Turn of the Screw, sobre a novela de Henry James, Billy Budd, sobre a novela de Herman Melville e Death in Venice, sobre a novela de Thomas Mann.

Regressados a Inglaterra, Auden nunca se reconciliou com Britten, a quem acusava de levar uma vida demasiadamente pacata comparada com os seus ideais revolucionários e com a sua forma de encarar a sexualidade. Diria mesmo que foi o único amigo com quem se zangou para sempre.

Esta peça de Bennett, encenada por Nicholas Hytner, procura salientar que tudo o que ligava estes dois vultos maiores da cultura britânica, e universal, do século XX – o teatro, a poesia, a música – ultrapassava largamente as zangas e os ressentimentos que os pudessem dividir. Afinal, fora pela cultura que haviam estabelecido a sua amizade, fora por ela que colaboraram durante largos anos, fora ela que os impusera à admiração do mundo.

8 comentários:

Anónimo disse...

Britten, Auden, Isherwood, Spender, Peter Pears, Kalmann, Thomas Mann, a filha Erika e o filho Klaus, Grundgens (ex-marido de Erika), que famílias distintas, e isto é só uma pequena amostra.

Tudo sem casamentos same-sex. Mas os que se opõem agora a eles não é por uma questão jurídica ou civilizacional, é por homofobia ou por terem telhados de vidro. Ontem no Prós e Contras notou-se isso.

Anónimo disse...

Antes de mais considerações,total concordância com o anónimo das 18.23.

Anónimo disse...

O teatro de língua inglesa não cessa de nos surpreender com peças que entre nós seriam certamente vilipendiadas como "elitistas"(talvez o adjectivo pejorativo mais estúpido que conheço) snobs,etc. Não resisto a recordar (sob risco de snobismo) a minha entusiástica surpresa ao assistir em Nova Iorque,há uns anos,à representação do "Invention of Love",do Tom Stoppard,que há meses era dado no Lyceum com casa cheia. E se há peça esotérica,é certamente essa magnífica obra,passada em parte à beira do rio Estígio,em parte à beira do oxoniano Isis (o mesmo na encenação).A personagem central é o poeta e professor Housman,os restantes são outros helenistas e latinistas da época como Jowett,Pater,etc. O texto em boa parte centra-se nas rivalidades entre os classicistas oxonianos,alem de outros temas importantes. Mas se uma peça como aquela teve o êxito que teve,não me admiro que esta que o Blog anuncia,se for do mesmo nivel,venha a ser um sucesso.
De facto é sabido que Auden e Britten se "refugiaram" ambos nos Estados Unidos quando da II Guerra,o que aliás trouxe alguns dissabores a ambos quanto a reputação e patriotismo,dissabores ràpidamente ultrapassados. Embora conheça e prefira Eliot a Auden,tanto quanto sei,este não seria pròpriamente um "revolucionário".Sei que passou pela guerra civil espanhola do lado republicano,como tantos outros intelectuais, mas "revolucionário",para um inglês que bebe Burke com o leite materno,não é fácil. E a minha última observação respeitaria à suposta "pacata" sexualidade de Britten.Desde que li a biografia de Carpenter,em 92,percebi que pelo contrário houve muita dificuldade e até muita angústia,pois Peter Pears não era tudo. E o livro recente de Bridcut veio tirar as últimas dúvidas. O que queira,mas não pacato...

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

PARA O ANÓNIMO DAS 19:32:

Obrigado pelos seus comentários. Quando alude à biografia de Carpenter pergunto, para esclarecimento dos leitores, se está a referir-se à publicada por Sheila Rowbotham e que foi agora reeditada, desta vez em paperback?

Anónimo disse...

A minha edição é da Faber and Faber,comprei-a num país de língua inglesa em 93 (e não 92,como por lapso referi)e é paperback. No meu volume não há qualquer referência a essa senhora,que admito tenha preparado uma nova edição revista,aliás justificável dado o novo material que deve ter aparecido desde 92/93.

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

PARA O ANÓNIMO DAS 10:21:

A questão era saber quem é o autor da sua biografia. A senhora que referi é a autora da biografia de que acabou de ser publicada uma edição em paperback. Já existia a mesma edição em hardcover. Mas pode ter havido uma biografia de outra autoria.

Anónimo disse...

O autor da "minha" biografia é Humphrey Carpenter. Aliás tinha referido o apelido no meu comentário.

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

PARA O ANÓNIMO DAS 22:27:

Houve de facto uma confusão. Eu estava a referir-me a uma biografia do célebre poeta, político e activista dos direitos dos gays Edward Carpenter, que se tornou notado na época de Britten e Auden, talvez um pouco antes.

Concluo agora que o leitor se referia às biografias que Humphrey Carpenter (não sei se seriam parentes) escreveu sobre Britten, Auden e outras personalidades relevantes.