Completaram-se ontem 47 anos sobre o falecimento de Júlio Dantas. Figura insigne da literatura portuguesa, Dantas é uma daquelas personalidades sobre as quais foi lançado um manto de silêncio. Hoje em dia, os chamados intelectuais evitam pronunciar o seu nome e citar a sua obra e, quando o fazem, é normalmente com um sentido de escárnio e mal-dizer. Nos tempos que correm, só é possível mencionar o nome de Dantas quando se evoca o Manifesto Anti-Dantas, de Almada Negreiros, cuja redacção se deve unicamente à projecção de Júlio Dantas na sociedade portuguesa de então.
Júlio Dantas nasceu em Lagos, em 19 de Maio de 1876 e morreu em Lisboa em 25 de Maio de 1962. Médico por formação e escritor por vocação, oficial do exército, jornalista, tradutor, presidente do Conservatório Nacional, embaixador no Brasil, ministro da Instrução Pública e dos Negócios Estrangeiros, foi durante muitos anos presidente da Academia das Ciências, cargo em que se nobilitou e nobilitou a Academia.
Consideram muitos o seu estilo pomposo, a sua escrita retrógrada quando não reaccionária, censuram-lhe a sua suposta conivência com o anterior regime, a sua ignorância dos temas sociais. Nem sequer lhe reconhecem que foi, no seu tempo, um dos portugueses que melhor manejou a língua portuguesa e a quem figuras gradas pediam conselho antes de publicarem os seus escritos.
Para além dos discursos, peças de oratória notável que revelam uma cultura humanística das mais brilhantes do seu tempo, Dantas escreveu poesia, prosa e teatro, deixando-nos obras, hoje infelizmente esgotadas ou que apenas se encontram, e com dificuldade, em alfarrabistas e leilões, que foram um sucesso na sua época e muitas o seriam ainda hoje, se fossem lidas, o que é difícil dada a conspiração de silêncio que se teceu á sua volta.
Das suas peças, o público (e só o mais informado) conhecerá apenas A Ceia dos Cardeais, aliás traduzida em mais de vinte línguas, e A Severa, até pelo filme que dela extraiu Leitão de Barros e que foi o primeiro filme sonoro português. Quem se recorda de Um Serão nas Laranjeiras, Santa Inquisição, Frei António das Chagas ou Os Crucificados, em que se aborda pela primeira vez no nosso teatro, e num ambiente proletário, um caso de homossexualidade?
E da obra em prosa, quem se lembrará de Pátria Portuguesa, de O Amor em Portugal no Século XVIII ou de Marcha Triunfal? Já para não falarmos dos seus discursos, notáveis peças que fariam corar de vergonha, se a tivessem, os discursadores dos nossos dias!
Não cabe, neste pequeno apontamento, tudo o que haveria a dizer sobre Júlio Dantas, não só na literatura como na própria política. Agora considerá-lo um escritor menor, ou ignorá-lo, só poderá acontecer por ignorância (que é o que prolifera nos nossos dias) ou por má-fé.
terça-feira, 26 de maio de 2009
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3 comentários:
Prezo ser recordado da dívida que nos merecem os nossos mais ilustres antepassados sem sombra de preconceito.
Foi um grande homem o Dantas. Reeditem-se as suas obras.
Li-o, com prazer.
Um grande escritor do século XX português.
O resto pouco importa.
Deve separar-se a obra da personalidade e vida do autor, para fazer "prova cega" da sua qualidade literária
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