Madame Christina e Eu - Café-Restaurante Elite (Janeiro de 2001) |
Recordo, hoje, Madame Christina Konstantinou, que ainda entrevistei no seu Café-Restaurante Elite, na Rua Safiyya Zaghlul, em Alexandria, há quase vinte anos.
Café-Restaurante Elite - Alexandria (Janeiro de 2001) |
Pertencendo à vasta comunidade grega de Alexandria, Madame Christina permaneceu no Egipto mesmo após a retirada das comunidades "estrangeiras", na sequência da tomada do poder pelo coronel Nasser em 1954. O seu estabelecimento foi sempre um lugar de referência para encontros da intelectualidade da cidade. Tive o privilégio de ter falado por três vezes com Madame Christina, (era assim tratada) nas minhas visitas a Alexandria, tendo-a entrevistado em 2001. Não voltei a vê-la. Nas minhas viagens posteriores, já raramente ia ao Café, devido à sua avançada idade. Em 2005, morreu. Depois da sua morte, ainda conversei lá com um filho, que vivia habitualmente em Paris e que me disse possuir em sua casa alguns dos manuscritos de Cavafy, um dos quais figurava em fotocópia à entrada do estabelecimento.
Madame Christina, nessa altura uma velha senhora, foi a única pessoa que conheci que ainda conhecera pessoalmente Constantin Cavafy, o imenso poeta grego-egípcio de Alexandria, amigo de E.M. Forster, evocado por Lawrence Durrell no Quarteto de Alexandria e que é uma das figuras cimeiras da poesia universal do século XX. (Foi traduzido pela primeira vez em português por Jorge de Sena e em francês por Marguerite Yourcenar).
Consta que Cavafy frequentara o Café Elite, mas não é verdade. O estabelecimento foi inaugurado em 1953, conforme averiguei, e Cavafy morrera em 1933. Christina Konstantinou falara com ele quando era muito jovem. É certo que Cavafy fora um frequentador de tertúlias de café, mas tinha os seus hábitos no Café Billiard Palace, alguns metros acima do Elite (quem sobe, vindo da praça de Raml) e que já não existia na altura em comecei a ir a Alexandria. Ainda fiz algumas tentativas para encontrar o local, mas debalde.
Era no Billiard Palace, especialmente nos bilhares da cave, que Cavafy engatava os jovens egípcios que levava a casa, situada nas proximidades, na Rua Lepsius, hoje Rua Sharm el-Sheikh, que é actualmente a Casa- Museu Constantin Cavafy, a cargo do Consulado-Geral da Grécia.
Contou-me com muita graça Madame Christina que, vendo entrarem rapazes no prédio, a vizinhança se interrogava sempre quanto ao andar a que se dirigiam, já que no apartamento por baixo de Cavafy existia uma casa de prostituição feminina (actividade então perfeitamente legal em Alexandria). As coscuvilhices das vizinhanças são eternas e Cavafy não escapava a elas, embora a prática homossexual fosse nessa altura perfeitamente admitida no Egipto. Hoje a homossexualidade é condenada, embora continue a praticar-se abundantemente, ainda que mantendo a conveniente discrição.
Com muita dificuldade, localizei anos depois, no Cemitério Grego-Ortodoxo de Alexandria, a sepultura de Madame Christina. Lamento não ter gravado essa interessantíssima conversa, mas o encontro fora imprevisto, ela nem todas as noites ia ao Café, e eu não estava precavido do indispensável gravador.
Jazigo da família de Madame Christina, com a data da sua morte: 12 de Maio de 2005 (Cemitério Grego-Ortodoxo de Alexandria) |
Conservo recordações de um passado inesquecível!
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