quarta-feira, 16 de maio de 2018

SOB O SIGNO DE MARTE




Claude Michel Cluny nasceu em 2 de Julho de 1930 e morreu em 11 de Janeiro de 2015, com 84 anos. Poeta, crítico literário e romancista, é hoje uma figura praticamente desconhecida no meio literário internacional, mesmo no seu país. Nem sempre foi assim.

Autor de cerca de 50 livros, viajou pelos cinco continentes, de que testemunhou na sua obra. Colaborou em muitas publicações, entre as quais a "Nouvelle Revue Française", "Le Nouvel Observateur", o "Magazine Littéraire", "L'Express", "Le Figaro Littéraire, etc. Em 1989, recebeu o Grande Prémio de Poesia da Academia Francesa pelo conjunto da sua obra poética; em 2002, o Premio Renaudot (Ensaio) por Le Silence de Delphes (primeiro volume do seu Diário); e em 2012, o Prémio Europeu de Poesia Léopold Sédar Senghor pelo conjunto da sua obra.

Vem isto a propósito da recente aquisição de um seu livro que se encontrava há muito esgotado, e do qual consegui um exemplar já usado: Sous le signe de Mars.

Neste récit, o autor começa por nos informar que se trata da sua única obra autobiográfica, já que o seu Diário não está vocacionado para o exibicionismo, ainda que não exclua algumas notas íntimas.

Numa prosa de excepcional qualidade, Cluny conta-nos a sua adolescência numa pequena cidade da província, durante a Segunda Guerra Mundial. E apesar do seu interesse pela literatura, cedo revelado, o que mais o impressionava, e preocupava, eram as notícias da guerra, a invasão da França, o horror de Hitler e da Alemanha. E no meio de tudo, a devoção ao Marechal, que durante muito tempo mereceu a admiração da maioria dos franceses. Com os seus doze ou treze anos, sentiu-se pela primeira vez atraído por um condiscípulo mais jovem, recém-chegado ao liceu, a quem beijou furtivamente numa rua tranquila. Foi a sua primeira paixão, aquele que para ele se tornou o "Aimé". 

A chegada das tropas alemãs à pacata localidade onde vivia com os pais foi motivo de alvoroço. Os invasores, ao princípio, procuravam captar a simpatia das populações, ainda que o autor continuasse a ver neles o odiado inimigo. Mas com o andar da guerra, os soldados alemães passaram a ser cada vez mais jovens, e belos nos seus impecáveis uniformes. E o inevitável aconteceu. Uma tarde, Cluny, então com catorze anos,  sentiu que desejava "l'Ennemi". E num recanto de um campo de trigo, o soldado, que teria dezasseis ou dezassete anos, e lhe lembrava os efebos de Esparta ou Atenas, iniciou-o nos mistérios do sexo e do amor. A narração deste episódio, que só relata os pormenores indispensáveis, constitui uma página excepcional de literatura, pelo que conta e pelo que omite, pela sensibilidade que o autor revela ao confiar-nos este momento inédito da sua vida passada, pela evocação do conflito íntimo que significa amar o inimigo, ainda que o inimigo possa vestir a pele de um rapaz praticamente da sua idade.

Este livro é um hino à Beleza, uma denúncia das contradições da guerra, um esconjurar dos conflitos íntimos. E também um relembrar das questões subsequentes à Libertação. «Les résistants, vrais ou faux, apparurent avec un brassard révélant leur obédience politique: jamais les Français n'hésitent à saisir l'opportunité de se désunir.» (p. 91). 

É ainda um conjunto de reflexões do autor sobre a própria vida, a dele e as dos outros. Por aquilo que escrevi, que pouco foi, e por o que o leitor terá intuído, merece ser lido, sem pressas, atentamente, até porque tudo está contido num centena de páginas. 


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