sexta-feira, 26 de agosto de 2016

VATHEK




A História do Califa Vathek é um romance gótico escrito em francês por William Beckford, no princípio de 1782. Foi publicado pela primeira vez numa tradução inglesa, realizada pelo pastor anglicano Samuel Henley (1786), a quem Beckford confiara o manuscrito original, com o título An Arabian Tale, From an Unpublished Manuscript, como tendo sido directamente traduzido do árabe e omitindo o nome do autor.

Devido à má-fé de Henley, e não possuindo o original, viu-se Beckford obrigado a mandar efectuar uma tradução francesa (muito deficiente) da edição pirata inglesa, que viria a ser publicada em Lausanne, em 1787, com o título de Vathek. O autor escreveu no prefácio: «L'indiscrétion d'un homme de lettres a qui le manuscrit avait été confié il y a trois ans, en a fait connaître la traduction anglaise avant la publication de l'original». Ainda nesse ano surgiu em Paris uma versão francesa corrigida e em 1809 surgiu, em Londres, a primeira edição oficial inglesa.

A escrita de Vathek inscreve-se no manifesto gosto pelos temas orientais que se desenvolveu na Europa desde os finais do século XVIII. Não é adquirido se à data da redacção do seu romance Beckford teria já conhecimento dos contos que Antoine Galland traduziu e publicou em francês, entre 1704 e 1717, com o título de Les milles et une nuits, a partir de um manuscrito sírio do século XIV, mas o Orientalismo estava definitivamente instalado.

O protagonista do romance é inspirado no califa abássida al-Wâthiq, filho de al-Mu'tasim e neto de Hârûn ar-Rashid. Note-se que os nomes da tradução portuguesa não correspondem à transliteração árabe, mas são os que, provavelmente, constam da versão francesa, que não conheço. A referência à revolta contra Vathek de seu irmão e sucessor Motavakel é correcta embora deva ler-se al-Mutawakkil.

O tema da obra é a renúncia de Vathek ao islão, influenciado por sua mãe Carathis, com o fim de possuir todas as riquezas, prazeres e poderes do mundo. Perante a sua corrida desenfreada para a perdição, um génio pede ainda ao profeta Muhammad que salve o califa da danação eterna, mas mesmo a última diligência permitida pelo profeta não é acolhida por Vathek, que mergulhará nos infernos onde reina Eblis (Iblîs, ou Shaytân).  A acção, uma história de horror, decorre entre duendes, eunucos, feitiços, vampiros, donzelas, efebos (sempre muito belos como Beckford não deixa de enfatizar), magia, jinns, sacrifícios, tesouros, poderes sobrenaturais, iguarias, música, e tudo o que, à época, era suposto ser apanágio do Oriente.

A tradução portuguesa inclui as notas que Henley preparou para a sua versão inglesa e que Beckford considerou indispensáveis, figurando em todas as posteriores edições da obra.

O aristocrata inglês William Beckford interessa especialmente a Portugal, já que o nosso país foi objecto de  três visitas suas, entre as viagens que efectuou pelo mundo. Escritor, político, coleccionador de obras de arte, Beckford nasceu em Londres em 1760, tendo herdado com dez anos a fortuna imensa de seu pai, que havia sido Mayor da capital britânica.

Homem de vasta cultura, foi despendendo a herança paterna ao longo da vida, por vezes em projectos inconsequentes, como Fonthill Abbey. Em 1783, casou com Margaret Gordon, filha do conde de Aboyne, mas em 1784 auto-exilou-se, quando a correspondência com seu primo William Courtenay, futuro conde de Devon, então com dezasseis anos e de quem era amante (Beckford tinha então vinte e quatro), foi interceptada e divulgada pelo tio do rapaz.

A predilecção de Beckford pelas terras portuguesas é atestada pelas suas três visitas, e não só os encantos da natureza terão seduzido o famoso viajante como igualmente os jovens com quem se relacionou durante as suas estadas. A primeira visita teve lugar entre Março e Novembro de 1787, ao longo da qual escreveria um diário íntimo, mais tarde adaptado e publicado como parte da sua obra Italy, with some Sketches of Spain and Portugal (1834). A segunda visita efectuou-se entre Novembro de 1793 e Outubro de 1795, e durante este período visitaria os mosteiros de Alcobaça e da Batalha, que lhe inspiraram o grande livro de literatura de viagens Recollections of an Excursion to the Monasteries of Alcobaca and Batalha, publicado em 1835. A terceira e última visita realizou-se entre Outubro de 1798 e Julho de 1799, e dela pouco se sabe, salvo ter residido na rua da Cova da Moura, perto do Palácio das Necessidades. Durante o período que residiu em Sintra, vila que especialmente o encantou, Beckford manteve relacionamentos íntimos com os jovens habitantes locais e a sua fama, cultura e prodigalidade fizeram-no cair nas boas graças da nobreza portuguesa. O 5ª marquês de Marialva, sabendo-o possuidor de uma fortuna fabulosa para a época, tentou casá-lo com uma filha (a mulher de Beckford falecera ao dar à luz uma criança, um ano após o casamento), porém o autor de Vathek estava apaixonado sim, mas pelo filho Pedro (futuro marquês), então com doze anos de idade e que viria a morrer mais tarde em Paris, solteiro e sem geração.

Além das obras citadas, Beckford deixou-nos ainda Biographical Memoirs of Extraordinary Painters (1780) e o seu Diário, além de outras peças menos significativas.

Voltaremos a William Beckford logo que o tempo nos permita.


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