quarta-feira, 20 de abril de 2016

LIMONOV




 Celui qui veut restaurer le communisme n'a pas de tête. Celui qui ne le regrette pas n'a pas de coeur.

 Vladimir Poutine
  (Epígrafe do livro)


Eduard Veniaminovitch Savenko, conhecido como Eduard Limonov, nasceu em Dzerjinsk (Rastiapino antes da Revolução), localidade próxima de Nijni-Novgorod, em 22 de Fevereiro de 1943, filho de um oficial subalterno do NKVD (Narodniy Komissariat Vnutrennikh Diel - Comissariado do Povo para Assuntos Internos), criado em 1934 e que foi o Ministério do Interior da URSS. As funções de polícia política do regime passaram a ser exercidas, a partir de 1954 e até 1991, pelo KGB (Comitiêt Gasudárstviennoi Biesapásnasti - Comité de Segurança do Estado) e depois e até hoje pelo FSB (Federal'naya Sluzhba Bezopasnosti Rossiyskoi Federatsii - Serviço Federal de Segurança da Federação Russa).

O antepassado do NKVD foi o grupo paramilitar Tcheka (Chrezvychaynaya Komissiya - Comissão Extraordinária, de nome completo Всероссийская чрезвычайная комиссия по борьбе с контрреволюцией и саботажем - Commissão Extraordinária Panrussa para a Repressão da Contra-Revolução e da Sabotagem), criada em 1917 por Lenin e dirigida por Felix Dzerjinski, cujo nome haveria de ser dado à cidade natal de Limonov. A Tcheka soviética é de alguma forma a sucessora da Okhrana tsarista, dotada de plenos poderes e sem qualquer limite legal.

Esta divagação pela evolução da polícia política russa torna-se necessária para a compreensão do livro que Emmanuel Carrère publicou em 2011, Limonov, que seria galardoado com o Prémio Renaudot. Esta obra do escritor francês, que obteve assinalado êxito, não tem um género definido, pois não é propriamente um romance mas também não se pode classificar de biografia, tão pouco de ensaio político, ainda que o autor não se coíba de emitir as suas opiniões pessoais sobre diversos assuntos conexos com a vida de Limonov, nomeadamente sobre a guerra e subsequente desintegração da Jugoslávia e o desmoronamento da União Soviética.

Eduard Limonov

Eduard Limonov é uma personagem controversa, misto de escritor, político, aventureiro, vadio, sedutor e soldado, que viria a criar em 1992 o Partido Nacional-Bolchevique (NBP - Национал-большевистская партия, НБП) na Rússia, agregando gente da extrema-direita e da extrema-esquerda (o que não admira e que actualmente se vai verificando um pouco por todo mundo). Entre os fundadores conta-se o cientista político Aleksandr Dugin, autor de mais de 30 livros, entre os quais Fundamentos da Geopolítica e A Quarta Teoria Política.  Inicialmente aliado de Vladimir Jirinovsky (afastou-se rapidamente deste considerando-o demasiado moderado), Limonov criaria em 2010 uma nova formação política, A Outra Rússia (Другая РоссияDrugaya Rossiya).

Tendo passado a juventude em Kharkov, na Ucrânia, então uma república soviética, instalou-se, já casado, em Moscovo em 1967. Em 1974, casado pela segunda vez, emigrou para os Estados Unidos, onde levou uma vida aventurosa entre clochard e criado de quarto de um milionário em Manhatan, continuando sempre a escrever. São desta época as suas relações homossexuais com negros, que descreve em Le poète russe prefère les grands nègres, sendo aqui a palavra "grandes" não apenas alusiva à altura dos mesmos.

Desiludido com os Estados Unidos, vai para Paris em 1980, aonde se mantém até 1989, e casa pela terceira vez. Entretanto, verifica-se o desmoronamento da União Soviética devido a uma inexplicável ingenuidade e pusilaminidade de Mikhail Gorbatchov e a trágica ascensão à cabeça da Rússia do ébrio Boris Yeltsin, dos quais Limonov será, obviamente, um feroz adversário. Posteriormente, viajará pela Jugoslávia, criticando ferozmente os croatas pelo papel desempenhado na desintegração da Federação. Como denunciará o golpe que na Roménia levou à deposição e fuzilamento de Nicolae Ceasescu.  Estará também preso na Sibéria por posse ilegal de armas, mas nunca deixou de escrever, com maior ou menor êxito, tendo publicado cerca de 20 livros. E casou pela quarta vez.

Estes apenas alguns tópicos do livro de Emmanuel Carrère, para quem a personagem Limonov é naturalmente fascinante. Os interessados terão necessariamente de ler o livro. Não só por causa de Limonov mas também pelos juízos emitidos por Carrère, que não são meigos para o "mundo ocidental".

Apesar de adversário de Vladimir Putin, contra quem tentou concorrer (mas foi impedido) nas presidenciais de 2012, não deixa de ser ao mesmo tempo um admirador do líder russo, especialmente depois da intervenção militar da Rússia na Ucrânia. Digamos que existe uma relação de amor/ódio entre Limonov e Putin, não deixando aquele de elogiar ou criticar este muitas vezes. Desiludido das democracias ditas "populares", não o é menos das chamadas democracias "representativas", que têm muito pouco de democracias, como aliás já era o tão propalado caso da Grécia Antiga, que nos é sistematicamente servido como exemplo.

Acrescente-se a título de curiosidade que Emmanuel Carrère é filho da historiadora e especialista em sovietologia Hélène Carrère d'Encausse, secretário (e não secretária, a seu pedido expresso) perpétuo da Academia Francesa.

Nota: Eduard Limonov tem sido referido recentemente nas publicações internacionais, nomeadamente através de entrevistas.

Sem comentários: