Coroa do Santo Império Romano Germânico |
Voltei à cidade de Viena, ao fim de quase vinte anos de ausência, para revisitar a majestosa capital do Santo Império Romano Germânico (que o foi praticamente sem interrupções durante cinco séculos) e, depois de 1804 (ou 1806), do Império Austríaco (ou, se preferirem, do Império Austro-Húngaro).
Alguma coisa mudou: mais turismo, mais luxo, maior oferta cultural, aumento da tecnologia em detrimento dos postos de trabalho. Mas permanece o encanto dos palácios e das igrejas, dos museus e dos jardins, das estátuas e dos sumptuosos prédios, dos restaurantes old fashion e dos cafés agora pouco literários, dos hotéis tradicionais e dos globalizados hotéis modernos. Continuam imponentes as grandes avenidas, começadas a surgir com o Ring, o anel que envolve o venerável Hofburg, e onde foram erigidos no século XIX, os edifícios da Staatsoper, do Parlamento (Reichsrat), da Nova Câmara Municipal (Neues Rathaus), do Burgtheater, da nova Universidade, do Kunsthistorisches Museum e do Museu de História Natural.
Todavia, Viena é uma cidade estranha. Vive assombrada por duas figuras tutelares. Uma, omnipresente, é permanentemente mencionada nos monumentos e nos livros, nos nomes das praças e das ruas, e a sua imagem figura nos quadros dos hotéis e dos restaurantes, das lojas e dos cafés, dos museus e dos teatros, em pinturas, em fotos ou em bustos: o imperador Franz Josef I, cujo nome está inscrito em letras de ouro no frontão da Ópera Imperial.
A outra, raramente é referida, apenas em voz baixa e em conversas discretas, quase nunca mencionada nos jornais, onde a sua fotografia escassas vezes aparece e sempre sob falsos pretextos, mas (como já verifiquei claramente em Munique há três ou quatro anos) organiza os espíritos e disciplina a vida em sociedade, contribui para uma certa ordem na cidade, onde não há no chão nem um papel, nem uma ponta de cigarro, onde não se vêem graffiti nas paredes, onde os transeuntes só atravessam as ruas nas passadeiras e com os semáforos verdes, onde os alunos das escolas marcham ordenadamente nas visitas de estudo aos museus, uma figura que cultivou um mito que não desagradou aos austríacos órfãos de Francisco José e que, sabe-se lá porquê, é hoje estranhamente evocada nas páginas interiores dos menus dos restaurantes e cafés, através da foto de um quase sósia, o grande escritor Stefan Zweig (por sinal judeu, mas que a espantosa semelhança do rosto justifica a inclusão). Trata-se de um antigo cabo do exército germânico (aliás, de naturalidade austríaca), que, após a falência da república de Weimar, desempenhou um papel crucial na Europa em meados do século passado e que, presumivelmente, morreu suicidado em Berlim, em 30 de Abril de 1945. Esse é o Grande Ausente.
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