Debalde procurei nas minhas estantes e caixotes, durante as últimas semanas, O Político, de Platão, que adquirira há mais de 35 anos, numa altura em que ainda não registava no Ficheiro de Livros a data de aquisição. Sendo infrutíferas as buscas, resolvi comprar agora o exemplar que figura na imagem, uma edição muito mais recente do que a desaparecida.
Acontece que esta edição é precedida de uma esclarecedora "Introdução", da autoria da tradutora, a professora Carmen Isabel Leal Soares. Não conhecemos a data exacta do nascimento ou da morte de Platão, talvez 428/427-348/347 AC, nem a data exacta da redacção de O Político, que se presume tenha ocorrido entre 360 e 350 AC. Sendo uma das obras tardias do Sábio, é geralmente situada entre A República (c. 380 AC) e As Leis (c. 350-347 AC).
As personagens do Diálogo são Sócrates, o próprio (469-399 AC); Sócrates, o Moço, que terá sido membro da Academia de Platão; Teodoro de Cirene (c. 465-398 AC), que nasceu naquela colónia grega da Líbia e foi discípulo de Protágoras; Teeteto de Atenas (414-369 AC), matemático e filósofo, que terá sido condiscípulo de Platão junto de Sócrates e que neste texto figura como personagem muda; e o Estrangeiro, o principal interlocutor do Diálogo, cuja veracidade tem sido muito debatida mas que se julga ter sido uma figura provavelmente criada por Platão.
Não sendo objecto deste texto analisar esta obra de Platão, convém dizer-se que, debruçando-se sobre o governo da Cidade, o filósofo situa de certa maneira a sua posição entre A República e As Leis. Em A República, o "Estado" seria governado por filósofos/reis e pelos Guardiães, com uma sociedade fortemente hierarquizada e até um controlo da vida privada. Platão considera nesse livro que a democracia conduz á demagogia e que a liberdade excessiva, facilmente manipulável por oradores carismáticos, conduz à tirania. Em O Político, os cidadãos já não são chamados escravos dos Guardiães, pois ora se defende uma autoridade absoluta do político/rei sobre o corpo cívico (podendo dispor mesmo do seu direito à vida), ora se distingue o governo do verdadeiro político do do ditador (uma vez que aquele, ao invés deste, obtém o poder por consentimento e não pela imposição).
Transcrevo da "Introdução": «Uma imagem vulgarmente usada por Platão para caracterizar o pacto de confiança estabelecido entre as duas partes é a do médico e do paciente. A posição de As Leis é distinta da dos outros diálogos, distanciamento esse uma vez mais bastante expressivo da sua aproximação ao real. Enquanto em A República se veicula a ideia tradicional de que o paciente aceita as prescrições e a atuação médica, pois, mesmo que não goste delas, a verdade é que visam a sua cura (405 d- 406 c), em O Político, embora se continue a admitir o direito de o médico dispor como quiser do doente, Platão não esconde o tom de censura, quando fala das utilizações indevidas da arte. No emprego feito em As Leis da analogia com o médico, Platão introduz alterações significativas, a saber: passa a haver um tratamento diferenciado entre pacientes de condição livre e escravos (720 a-e, 857 c-e). Só no caso destes ele pode usar da força, pois aos outros vê-se obrigado a explicar-lhes a necessidade de aplicar determinado remédio e persuadi-los a acatar a sua prescrição.» (pp. 27-28)
E ainda: «Contrariamente ao que se possa penar desse papel de intermediário, O Político contribui não para perspectivar a teorização política d'A República sob o prisma de uma total inutilidade prática, mas sim para a sua valorização. A função do quadro político contido em A República, mostra-o a análise conjunta dos três diálogos, é a de modelo a imitar. O seu estatuto modelar vem igualmente confirmado pela posição realista assumida em As Leis. Desfeito o idealismo do primeiro texto ou assumida a impossibilidade prática de transpor a distância entre a vivência histórica do seu tempo e o ideal retratado, Platão propõe em As Leis uma forma de constituição compatível com as condições históricas reais. De facto, a cidade imaginada de Magnésia, tal como vem apresentada nessa sua última obra, corresponde a um compromisso entre o governo perfeito, segundo os moldes desenhados em O Político, e dois tipos de constituição fundadas na lei, a monarquia e a democracia. Está assim lançada a semente daquela que viria a ser uma orientação principal do pensamento político de Aristóteles, a concepção da constituição mista.» (pp. 28-29)
Leiamos pois Platão.

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