quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

TAKING SIDES

A propósito do "colaboracionismo" do actor Gustaf Gründgens, abordado em post anterior, revi hoje o filme Taking Sides (2001), de István Szabó, o mesmo realizador de Mephisto, a partir da peça homónima de Ronald Harwood.

O tema é o interrogatório do Doutor Wilhelm Furtwängler, famoso maestro, director da Orquestra Filarmónica de Berlim, por um imbecil major norte-americano, com os pés em cima da secretária e a mastigar pastilha elástica, episódio ocorrido no fim da Segunda Guerra Mundial, durante os chamados processos de desnazificação, como se fosse possível desnazificar alguém, uma ideia pueril e idiota. Os alemães que eram nazis, nazis permaneceram depois da Guerra, os que não eram, também não passaram a ser.

O Doutor Furtwängler foi acusado de colaborar com o regime nazi por não se ter exilado quando Hitler subiu ao Poder, por ter continuado a dirigir a Orquestra (um dos símbolos da Alemanha) durante os anos da guerra, por ter apertado a mão de Goebbels, por ter dirigido um concerto na véspera de um aniversário do Führer, por não ter recusado a sua nomeação para cargos honoríficos do Reich. Ele foi considerado pelos Aliados uma mais-valia do regime nazi mas seria finalmente absolvido, até porque dispunha de um capital simbólico extraordinário, já que era um dos mais notáveis maestros do mundo. E teria de algum modo o apoio dos britânicos e dos soviéticos, melhores conhecedores da música do que os inquiridores americanos.

Realmente, Furtwängler nunca pertenceu ao Partido Nazi, nem teria simpatias pelo nacional-socialismo, mas tentou acomodar-se ao regime para continuar a fazer o que melhor do que ninguém sabia: a grande música. Nunca foi anti-semita e até protegeu muitos judeus da Orquestra e não só, como foi oportunamente atestado. O filme (e a peça) trata da incapacidade do major estado-unidense para compreender a situação delicada do maestro, os equilíbrios indispensáveis, a vontade de permanecer na Alemanha e produzir música, e talvez, também, uma sedução pela posição máxima que tinha atingido no país e cuja aura irradiava para o mundo.

Não cabe aqui descrever o processo de Furtwängler, que pode consultar-se na sua biografia, mas tão só referir o desastroso inquérito de que o maestro foi objecto.


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