sábado, 2 de novembro de 2019

JORGE DE SENA, O FÍSICO PRODIGIOSO




Ocorre hoje o centenário do nascimento de Jorge de Sena, a mais notável figura da cultura da segunda metade do século XX português, pela qualidade, quantidade e diversidade da sua obra.

Falecido prematuramente nos Estados Unidos com 58 anos, os seus restos mortais repousam hoje no Cemitério dos Prazeres. Num país decente, estariam certamente no Panteão Nacional, com mais forte razão da que assiste a muitos outros que lá estão inumados. Mas talvez seja melhor assim, para evitar importunas companhias.

Nunca foi reconhecida, em Portugal, a verdadeira importância do seu pensamento e do seu trabalho. Talvez porque tivesse mau feitio ou por quaisquer outras razões menos bem compreendidas à época. Assim, a sua carreira decorreu no Brasil, primeiro, nos Estados Unidos, depois. E uma boa parte da sua obra foi publicada postumamente, graças à persistência e dedicação de sua mulher, Mécia de Sena, que tive o prazer de conhecer aquando das suas visitas a Portugal, onde viviam alguns dos filhos. Não cheguei a conhecer pessoalmente Jorge de Sena, mas nos contactos que mantive com Mécia de Sena, já viúva, na sua casa do Restelo e em manifestações culturais, tive oportunidade de saber pormenores sobre a vida e obra do marido. E de com ela manter correspondência para a Califórnia. Devo-lhe a imensa gentileza de me ter convidado para passar algumas semanas nessa residência americana do casal, convite que, por razões várias, nunca viria a aceitar.

Poeta, romancista, dramaturgo, ensaísta, tradutor, crítico literário e cinematográfico, insigne camonista e pessoano, deve-se-lhe o inestimável serviço de ter sido a primeira pessoa a traduzir para a língua portuguesa os poemas de Constantin P. Cavafy, o imortal poeta grego de Alexandria.


Parece que foi, ou vai ser, publicada uma nova edição da novela  O Físico Prodigioso, de Jorge de Sena, um escrito com conotações autobiográficas, inspirado em Orto do Esposo, livro moralístico-religioso da literatura portuguesa da primeira metade do século XV. A edição que possuo desta novela é de 1979, volume que integra as "Obras de Jorge de Sena", publicadas pelas Edições 70. A novela tivera a sua 1ª edição em 1966, incluída na colectânea de contos Novas Andanças do Demónio, que se seguira a Andanças do Demónio, cuja data de publicação é 1960. A minha edição, que reúne as duas colectâneas, com a designação de Antigas e Novas Andanças do Demónio, é de 1981, e já não inclui O Físico Prodigioso, naturalmente por ter sido editado separadamente, naquelas "Obras", em 1979. Este conto, ou novela (como depois lhe chamou Sena) fora também incluído na Antologia do Conto Fantástico Português (1974), organizada por E. M. de Melo e Castro.


Este conto fantástico em que o protagonista, o Físico, mantém comércio sexual com o Diabo, empresta a Sena a oportunidade de discorrer sobre os mistérios da sexualidade masculina, tema recorrente em muitas das suas obras (Os Grão-Capitães, Sinais de Fogo). O erotismo foi sempre uma preocupação constante de Jorge de Sena (como o fora em Cavafy) e nunca ele se eximiu a tecer sobre o assunto as considerações que julgou convenientes.

No verbete "Jorge de Sena" da Wikipédia figura um texto sobre a sexualidade segundo Sena, extraído do livro de Fernando Dacosta, Máscaras de Salazar (1997). Procurando o mesmo na obra, encontrei apenas alguns fragmentos. Talvez o texto integral tenha figurado na 1ª edição, rapidamente esgotada, já que o exemplar que possuo, oferecido pelo autor, é da 3ª edição, e Fernando Dacosta tenha expurgado nas edições seguintes as partes cuja frontalidade seria mais polémica.

Continua a aguardar-se a edição de uma biografia ou fotobiografia de Jorge de Sena.

1 comentário:

Anónimo disse...

Desde o dia 2 de Novembro o "Público" tem vindo a editar diariamente notaveis trabalhos de análise da obra e da personalidade de Sena,que mereceriam sem compilados e publicados em conjunto. Os seus estudos sobre a poesia de Camões, sobre Pessoa,em que com Gaspar Simões e Casais Monteiro foi um dos "precursores", bastariam para o destacar na História da Literatura Portuguesa. A sua vastíssima correspondência,nomeadamente com Sophia é de tal qualidade que justificou o belo filme de Rita Azevedo Gomes sobre esse cintilante diálogo. A sua poesia e romance tem sido o mais referido neste afã comemorativo. De facto consider "Sinais de Fogo" um dos mais notáveis romances do século, e alguns dos seus sonetos, inesquecíveis.