domingo, 26 de agosto de 2018

OS DOIS CORPOS DO REI




A revista "L'OBS", no seu nº 2805, de 9-15 de Agosto corrente, insere um curioso artigo, de Alexandre Le Drollec, sobre o culto da imagem imposto por Emmanuel Macron à sua chegada ao Eliseu. E sobre o controle de toda a comunicação visando o presidente, e também a esposa, que se encontram rodeados de especiais conselheiros para o efeito, e de uma fotógrafa que tem o privilégio, por vezes exclusivo, do acesso aos eventos oficiais.

Na impossibilidade de transcrever integralmente o texto, reproduzo algumas citações de personalidades entrevistadas pelo autor:

«Chaque image est encadrée, calculée, controlée

«Chaque président souhaite, à sa manière, maîtriser son image. Mais Macron se démarque de ses prédécesseurs sur un point: il l'assume complètement. Dès qu'ils sont arrivés, son équipe et lui ont d'ailleurs été trés clairs en nous disant: "On veut tout contrôler"

«Macron veut d'emblée marquer les consciences en usant d'une kyrielle de symboles renvoyant à l'Ancien Régime.»

«Le pas lent qu'il adopte lors du Congrès de Versailles, quand il traverse l'aile du Midi entouré de gardes républicains, illustre parfaitement cette quête de solennité.»

«Cette recherche de "présidentialité" reste aujourd'hui une obsession dans l'équipe Macron. En ce moment, ils ont une nouvelle lubie: mettre du bleu-blanc-rouge partout à l'image. Ils l'ont fait pour la cérémonie en hommage à Arnaud Beltrame puis pour la panthéonisation de Simone Veil.»

Bâtir l'image d'un leader est aussi affaire de dosage. Cette représentation d'un pouvoir vertical ne doit être que l'un des ingrédients du récit présidentiel. Il faut savoir injecter une dose de proximité, d'horizontalité. Aussi, au Palais, prend-on toujours soin de "raconter" un autre Macron. Plus humain, plus détendu. Sur les réseaux sociaux, place donc à l'autre visage du président. Un jour, il enchaîne selfies et poignés de main. Le lendemain, il répond au standard de l'Elysée. «En jouant sur ces deux tableaux, Emmanuel Macron a le souci de réunir les fameux "deux corps du roi" théorisés par Kantarowicz, à savoir un corps naturel, terrestre et mortel, et un autre corps, politique éternel, représentant l'unité de la nation.»


***

Poderíamos prosseguir com as citações, mas chega. Sabemos que o Poder é representação, no exacto sentido da representação teatral. Mas exige protagonistas convenientes. E convincentes. Não é o caso de Macron, apesar dos esforços de uma poderosa equipa. Nele tudo é postiço. Assemelha-se a um parvenu. A sua carreira é pouca clara, e ainda menos clara a razão da sua candidatura, para além da desmedida ambição que nem procura esconder. Perguntar-se-á porque foi esta a escolha dos franceses. Par défaut, certamente. Descartados ab initio os candidatos François Fillon, de Les Républicains e Benoît Hamon, do Partido Socialista, ficaram na disputa Marine Le Pen, da Frente Nacional e Jean-Luc Mélenchon, de La France Insoumise, isto é, os dois candidatos credíveis, situados nos extremos do espectro partidário. Como a maioria dos franceses recearia dar o seu voto a propostas excêntricas, baseada nessa previsão surgiu a candidatura de Macron, assumindo-se como vencedora. Mas não à primeira volta. Macron teria de enfrentar na 2ª ou Le Pen, ou Mélenchon. Aconteceu Le Pen, e Macron venceu. Não sei se teria vencido se o seu adversário fosse Mélenchon (a coisa esteve por um triz), mas isso são águas passadas. Em cerca de 50 milhões de cidadãos eleitores, Macron apenas obteve o voto de 20 milhões, com 15 milhões para a abstenção, votos brancos ou nulos. Muito pouco para quem se julga Júpiter. 

Não sei se Emmanuel Macron sonha com a criação de um Terceiro Império (vontade não lhe faltaria), mas não é Luís Bonaparte quem quer, e tal história, que, segundo Marx, já se repetiu como farsa, teria de merecer agora um qualificativo suplementar, embora o autor de Das Kapital já não seja vivo.

Esta vontade de poder de Macron vai revelar-se perigosa, pois sendo um indivíduo inegavelmente inteligente e sem escrúpulos (como o revelou o caso Benalla) não hesitará em lançar mão dos meios mais discutíveis para alcançar os seus inconfessáveis fins. Eleito aos 39 anos, e sendo o mais jovem presidente da Quinta República, a sua natureza não se resignará a abandonar o Olimpo ao fim de cinco anos. Uma recandidatura é possível, uma reeleição é mais do que improvável. Mas, até que fosse reeleito, sairia do Eliseu aos 49 anos. E depois? Que fazer? 

É sobre estas interrogações que todos os franceses devem meditar!

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