quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A SÍRIA E O GÁS (NATURAL)

Publico, com a devida autorização, o mail que me foi enviado por um amigo, antigo embaixador de Portugal na Hungria:

Já conhecia razoavelmente bem o tema, mas é informativo para o público em geral. De leitura obrigatória, nos dias que correm. Todavia, necessitam-se informações adicionais para o quadro se tornar claro. 
Em suma, a meu ver, é  por aqui que as coisas começam.

Quando vivi na Hungria, na década passada, e a Gazprom suspendeu, em pleno inverno, a expedição de gás através do gasoduto ucraniano (por falta de pagamento destes últimos e alegados desvios de distribuição), o país ia entrando em crise e contavam-se as semanas e os dias das reservas húngaras até se entrar no…congelamento absoluto. Felizmente, não se chegou lá, por um triz. Mas vi bem até que ponto a Europa Central e de Leste dependia do abastecimento russo e como este era vital para a própria sobrevivência das respectivas populações o facto de disporem de livre acesso ao gás natural. Em contrapartida, percebeu-se bem até que ponto Putin mantinha em respeito aqueles países, com uma pistola carregada apontada à cabeça de cada um deles.

Tudo isto foi por mim relatado com a devida minúcia aos governantes lusos em n relatos ao longo de meses. Finalmente, um Senhor Luis Bem ou Mal Amado, não sei bem, depende dos gostos, que foi MNE de Sócrates, chega a Budapeste e ouve da própria Ministra Kinga Göncz a mesma história. Mostrou-se muito surpreendido e disse-me que eu devia ter informado Lisboa sobre o assunto em apreço. Pôs-me, pois, em cheque e jogou com o meu profissionalismo, mas retorqui-lhe, de imediato, em alto e bom som,  diante das duas delegações (portuguesa e húngara) que, devido aos seus afazeres, naturalmente o Ministro não teria tido tempo para ler os meus relatos, nem tão-pouco os seus assessores o haviam informado do respectivo conteúdo. Calou-se, mas não ganhei nada com o quiosque.

Assim se governa em Portugal e, pelos vistos, continua a governar. 


 * * *


Já andava desconfiado que na base do conflito da Siria deveria andar
gato escondido com o rabo de fora ....

Vejamos como está a guerra do gás:

 
O gás representa mais de um quarto do consumo energético da Europa e
a tendência é para aumentar rapidamente. A visualização, neste caso dos
gasodutos, explica muitas das guerras e tensões no Médio Oriente.

O continente europeu importa 50% do gás que consome, sendo a Rússia,
a Argélia e o Qatar os principais fornecedores. Um quarto desse gás vem
da Rússia, através de uma única empresa: Gazprom.

 
Para contornar a passagem actual do gás pela Ucrânia, a Bielorússia e aPolónia, a Rússia decidiu criar dois gasodutos, a norte o "North Stream"
e a sul o "South Stream", como podemos observar, a vermelho, no mapa
seguinte:

 http://www.alternatives-economiques.fr/__TRAVAIL/graphique_legends/img.php?id=36361
O "North Stream" é um projecto caro, dado que deverá passar por baixo
do mar Báltico para atingir directamente a Alemanha. Este projecto é
financiado a 51% pela Gazprom, mas também pela Alemanha, através da
E. On e BASF com 20% cada.

O "South Stream" deverá atravessar a Bulgária, a Hungria e a Sérvia e
transportar 63 mil milhões de m3 de gás por ano. A Servia, aliado
histórico da Rússia ira ter um papel determinante, com a construção de
um depósito de 300 milhões de m3 de gás para eventuais falhas de
abastecimento. Este projecto é co-financiado pela italiana ENI.

Este último projecto é um concorrente directo, como podemos ver do
projecto europeu de "Nabucco", a vermelho no mapa seguinte:

 
O gás proveniente do Azerbaijão deveria chegar até à Hungria, ondedepois, seria distribuído na Europa ocidental.

No entanto, o consorcio Shah Deniz, do Azerbaijão, optou recentemente
por um projecto alternativo: o "Trans-Adriatic Pipeline" (TAP), no mapa
seguinte a laranja.

 
O projecto TAP tem a vantagem de ter uma extensão com menos 400 km
de que o gasoduto de Nabucco. De qualquer maneira, apesar de
concurente do projecto russo, TAP ou Nabucco terá um custo duas vezes
superior ao de "South Stream" e só estará concluído em 2018 contra 2015
para o russo.

Existe um outro projecto de abastecimento europeu com o gás
proveniente do Qatar, terceira maior reserva do mundo, este deverá ser
encaminhado através do sul do Iraque, da Jordânia e da Síria para
chegar à Turquia. Aliás, a Turquia já tem essa parte do gasoduto pronta.

A Síria é um obstáculo a esse projecto, compreende-se melhor a
participação activa da Turquia e da Jordânia na queda do presidente
Sírio.

 
Existe, finalmente, um projecto para abastecer a Europa com gásproveniente do Irão com um gasoduto que atravessa o Iraque e a Síria,
onde sairia em direcção aos vários países europeus: o "Islamic Gas
Pipeline":

 
O projeto de um eixo Irão-Iraque-Síria não é bem visto pelos americanos
e seus aliados europeus, mas não prejudica o projecto russo e pelo
contrario, compete com os projectos americanos e europeus. Este facto
explica, em parte, a instabilidade criada pelos Estados Unidos na Síria,
que tem neste quadro uma importância estratégica fundamental.

Cumprimentos

Augusto Sanches

2 comentários:

Anónimo disse...


Até que enfim....
Um texto interessante, útil, e não carregado de muita ideologia primária anti-ocidente... Apenas alguma...
Ou será que as ridículas reservas de gás natural da Síria ou os gasoductos daquela região afetam minimamente os Estados Unidos (que, num futuro muito próximo, serão os primeiros produtores mundiais de gás e de petróleo graças ao "fracking" e ao "shale gas and oil") ?

Quanto ao Sr. Embaixador interpelado e ridicularizado pelo Dr. Luís Amado... quem será essa "sumidade" ?

Anónimo disse...
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