quinta-feira, 29 de novembro de 2012

CARTA ABERTA AO PRIMEIRO-MINISTRO



Cerca de uma centena de personalidades dos mais variados sectores da vida nacional enviaram ao primeiro-ministro, com cópia para o presidente da República, a carta que a seguir se transcreve, encabeçando Mário Soares a lista dos subscritores:


Exmo. Senhor Primeiro-Ministro,

Os signatários estão muito preocupados com as consequências da política seguida pelo Governo.

À data das últimas eleições legislativas já estava em vigor o Memorando de Entendimento com a Troika, de que foram também outorgantes os líderes dos dois Partidos que hoje fazem parte da Coligação governamental.

O País foi então inventariado à exaustão. Nenhum candidato à liderança do Governo podia invocar desconhecimento sobre a situação existente. O Programa eleitoral sufragado pelos Portugueses e o Programa de Governo aprovado na Assembleia da República, foram em muito excedidos com a política que se passou a aplicar. As consequências das medidas não anunciadas têm um impacto gravíssimo sobre os Portugueses e há uma contradição, nunca antes vista, entre o que foi prometido e o que está a ser levado à prática.

Os eleitores foram intencionalmente defraudados. Nenhuma circunstância conjuntural pode justificar o embuste.

Daí também a rejeição que de norte a sul do País existe contra o Governo. O caso não é para menos. Este clamor é fundamentado no interesse nacional e na necessidade imperiosa de se recriar a esperança no futuro. O Governo não hesita porém em afirmar, contra ventos e marés, que prosseguirá esta política - custe o que custar - e até recusa qualquer ideia da renegociação do Memorando.

Ao embuste, sustentado no cumprimento cego da austeridade que empobrece o País e é levado a efeito a qualquer preço, soma-se o desmantelamento de funções essenciais do Estado e a alienação imponderada de empresas estratégicas, os cortes impiedosos nas pensões e nas reformas dos que descontaram para a Segurança Social uma vida inteira, confiando no Estado, as reduções dos salários que não poupam sequer os mais baixos, o incentivo à emigração, o crescimento do desemprego com níveis incomportáveis e a postura de seguidismo e capitulação à lógica neoliberal dos mercados.

Perdeu-se toda e qualquer esperança.

No meio deste vendaval, as previsões que o Governo tem apresentado quanto ao PIB, ao emprego, ao consumo, ao investimento, ao défice, à dívida pública e ao mais que se sabe, têm sido, porque erróneas, reiteradamente revistas em baixa.

O Governo, num fanatismo cego que recusa a evidência, está a fazer caminhar o País para o abismo.

A recente aprovação de um Orçamento de Estado iníquo, injusto, socialmente condenável, que não será cumprido e que aprofundará em 2013 a recessão, é de uma enorme gravidade, para além de conter disposições de duvidosa constitucionalidade. O agravamento incomportável da situação social, económica, financeira e política, será uma realidade se não se puser termo à política seguida.

Perante estes factos, os signatários interpretam – e justamente – o crescente clamor que contra o Governo se ergue, como uma exigência, para que o Senhor Primeiro-Ministro altere, urgentemente, as opções políticas que vem seguindo, sob pena de, pelo interesse nacional, ser seu dever retirar as consequências políticas que se impõem, apresentando a demissão ao Senhor Presidente da República, poupando assim o País e os Portugueses ainda a mais graves e imprevisíveis consequências.

É indispensável mudar de política para que os Portugueses retomem confiança e esperança no futuro.

PS: da presente os signatários darão conhecimento ao Senhor Presidente da República.

Lisboa, 29 de Novembro de 2012


Além de Mário Soares, subscrevem a carta, entre outros, os professores Adelino Maltez, Alfredo Bruto da Costa, António Reis, Boaventura de Sousa Santos, Eduardo Lourenço, Fernando Rosas, João Ferreira do Amaral, José Barata-Moura, José Medeiros Ferreira, Luís Reis Torgal, Manuel Maria Carrilho, Pedro Bacelar de Vasconcelos e Teresa Pizarro Beleza, os generais Pires Veloso, Lemos Ferreira e Manuel Monge, o coronel Antero Ribeiro da Silva, o arquitecto Siza Vieira, o pintor Júlio Pomar, o escultor João Cutileiro, os jornalistas Ana Sousa Dias, Baptista-Bastos, Cesário Borga, Clara Ferreira Alves e Daniel Oliveira, os escritores Alice Vieira, Inês Pedrosa, José Jorge Letria, Lídia Jorge e Maria Teresa Horta, os sindicalistas Carvalho da Silva, Carlos Trindade e Vítor Hugo Sequeira, os músicos Pedro Abrunhosa e Fernando Tordo, os deputados Eduardo Ferro Rodrigues, Duarte Cordeiro, Helena Pinto, Inês de Medeiros, João Galamba, Pedro Delgado Alves e Pedro Nuno Santos, o advogado António Arnaut, Frei Bento Domingues, a psicanalista Maria Belo, a economista Manuela Morgado, as realizadoras Maria de Medeiros e Teresa Villaverde, o secretário-geral da Juventude Socialista João Torres, etc., etc.

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