sábado, 14 de abril de 2012

O ETERNO RETORNO DO FASCISMO


Acabou de ser publicada entre nós a tradução portuguesa do livro do filósofo holandês Rob Riemen, O Eterno Retorno do Fascismo.

Procede o autor a uma análise pertinente da presente situação "espiritual" europeia e internacional, a partir do célebre romance de Albert Camus, A Peste, uma obra premonitória cuja actualidade persiste. Salienta o autor, citando Goethe, a mudança fundamental da sociedade, ocorrida no século XIX,  e a perda dos valores espirituais, prevista por Nietzsche e posteriormente analisada por Ortega y Gasset, que salienta a grande contradição entre o indivíduo que se liberta do jugo da tirania e da Igreja, da aristocracia e do sistema feudal, em que a liberdade é (ou deveria ser, digo eu) respeitada e o novo tipo de indivíduo que ganha influência na sociedade: o homem da multidão, o homem-massa. Não apenas em quantidade, mas em qualidade, com um certo tipo de estado de espírito, ou mais precisamente uma ausência de espírito.Um homem-massa que surge em todas as classes sociais, tanto entre os pobres como entre os ricos, tanto entre os ignorantes como entre os cultos. Segundo Ortega y Gasset, e cito o autor, «a ascensão do homem-massa - a rebelião das massas! - representa uma ameaça directa aos valores e ideais da democracia liberal e do humanismo europeu».

Continuo a citar Riemen: «No século XX, os fenómenos de massas, a história de massas, não resultam de um aumento da população, sendo, antes, uma consequência fundamental do psiquismo deste homem moderno, destituído de espírito e indiferente. O medo e o desejo dominam o comportamento das massas. E quando estas começam a governar, quando a democracia se torna uma democracia de massas, a democracia deixa de existir. No fim do seu livro A Rebelião das Massas, Ortega y Gasset resume a sua análise da sociedade de massas na seguinte frase: Isto significa que a Europa já não tem moral.»... «Na primeira década do século XX, o humorista vienense Karl Kraus criticou mordazmente os jornalistas que, a despeito das suas pretensões, evidenciam uma tendência para minar a democracia, em vez de a proteger. Como é preciso encher páginas e vender jornais, estes são uma torrente interminável de banalidades, sensacionalismos e disparates.»...«Não só os mass media são a melhor escola para os demagogos, como estes retiram o seu poder do facto de o povo, à força de se alimentar de uma linguagem que mais não faz do que simplificar, não compreender mais nada, nem querer ler ou ouvir coisas diferentes.»...«O homem moderno necessita de ruído, de excitação constante, quer satisfazer as suas necessidades. Como nos tornámos cada vez mais insensíveis, necessitamos de métodos mais grosseiros de satisfazer a nossa ânsia de estimulação. Tornámo-nos dependentes dos acontecimentos. Se nada acontece, sentimo-nos vazios. "Os jornais não trazem nada", comentamos desapontados. Fomos intoxicados pela ideia de que tem de acontecer alguma coisa, estamos obcecados com a velocidade e a quantidade. Um barco nunca é grande demais, nem um automóvel ou avião suficientemente rápidos.»...«Vivemos passivamente. Submetemo-nos aos telefones, ao nosso trabalho, à moda. A vida torna-se cada vez mais uniforme. O aspecto, o carácter, tudo tem de se parecer com tudo o resto, e a média tende sempre a nivelar-se pelo mais baixo. Uma das características mais chocantes do mundo contemporâneo é a sua superficialidade: oscilamos entre a superficialidade e a inquietação. Possuímos os brinquedos mais belos de sempre. Que divertimento! Nunca tivemos tantos brinquedos! Mas quantas preocupações! Nunca sentimos tanto pânico! E é-nos exigido um esforço intelectual cada vez maior.»

Apenas citei alguns fragmentos que me parecem ilustrar o pensamento de Rob Riemen, cujo livro é um implacável requisitório contra o mundo contemporâneo. O seu diagnóstico da situação em que se vive, nomeadamente na Europa, é profundamente lúcido. E ainda que nos não dê propriamente novidades, tem o mérito de nos recordar a alienação destes tempos sombrios. É que o perigo, hoje como ontem, mantém-se. E as nossas democracias representativas começam a representar apenas os seus representantes.

Não subscrevo integralmente todas as conclusões de Riemen, mas não posso deixar de aconselhar vivamente o livro a quem se interesse por algo mais do que as banalidades que nos embalam no nosso quotidiano entorpecido.


N:B.:Os sublinhados são meus.

2 comentários:

Anónimo disse...

Vivemos tempos medonhos, embalados nesta euforia completamente louca do consumo a todo o preço. De facto, todos querem ter o último computador, TV, gravador, telemóvel, etc etc e a lista é infinita mesmo.
Ninguém se preocupa com o espírito, com a leitura, com os outros, sobretudo com os mais velhos. O nivelamento é por baixo: pindérico, nojento, vil e miserável. Faz-se a apologia constante em todos os meios de comunicação social, daquilo que o ser humano tem de pior. Esses é que são os valores que a actual imprensa escrita ou falada, nos enfia pelos olhos e ouvidos a toda a hora e momento. Sem dúvida que esses chamados fazedores de opinião, são os grandes culpados da estupidificação massificada dos cidadãos. Diria mais que são verdadeiros criminosos à solta e impunes.
Marquis

A.L.SAMEIRO disse...

É AQUILO QUE ALGUEM CHAMOU-O TRIUNFO DO EFÉMERO.