quarta-feira, 21 de maio de 2025

AS CAUSAS DA DECADÊNCIA DOS POVOS PENINSULARES

A conferência "Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos", feita por Antero de Quental no Casino Lisbonense, situado no Largo da Abegoaria (hoje Largo Rafael Bordalo Pinheiro), em Lisboa, em 27 de Maio de 1871, é um dos textos sócio-políticos mais importantes do século XIX. Antero, de quem Eça de Queiroz disse ser um génio que era um santo, elaborou uma teoria famosa, ainda que certamente discutível, sobre a decadência ibérica, depois de um período brilhante que, em Portugal, ficou conhecido como a Época dos Descobrimentos.

Neste ensaio, o escritor apresenta três factores principais para o declínio dos povos peninsulares: a Contra-Reforma, a Centralização do Poder Político e a Estagnação Económica após as Descobertas.

Analisando o Concílio de Trento, Antero de Quental considera que o mesmo foi dominado pelos Jesuítas e reforçou o absolutismo do Papa, consagrando a estrita obediência a Roma - Perinde ac cadaver - em detrimento das igrejas nacionais; introduziu a obrigatoriedade da Confissão; confirmou com precisão o dogma da Eucaristia; tornou as ordens regulares independentes dos bispos diocesanos (colocando-as na dependência do Papa) e contribuiu para que em nome da expansão da Cristandade (citando que D. Sebastião vai morrer nos areais de África pela fé católica, que não pela nação portuguesa) se empreendessem guerras de conquista. Conclui Antero que os povos emergentes da Reforma, livres destes constrangimentos religiosos, adquiriram um desenvolvimento muito superior aos católicos latinos. 

Também a centralização do poder nas mãos do soberano absoluto, uma governação pela nobreza e para a nobreza, a alienação da burguesia ("a quem estava destinado o futuro", sic), a decadência da agricultura, o decréscimo da população, foram causas de decadência. Escreve Antero: «Mas a centralização do absolutismo, prostrando o povo, corrompia ao mesmo tempo o rei. D. João III, esse rei fanático e de ruim condição, Filipe II, o demónio do Meio-Dia, inquisidor e verdugo das nações, Filipe III, Carlos IV, João V, Afonso VI, devassos uns, outros desordeiros, outros ignorantes e vis, são bons exemplos da realeza absoluta, enfatuada até ao vício, até ao crime, do orgulho do próprio poder, possessa daquela loucura cesariana, com que a natureza faz expiar aos déspotas a desigualdade monstruosa, que os põe como que fora da humanidade.» (p. 284)

A estas razões acrescenta Antero como causa da nossa decadência as Conquistas, um poema brilhante do ponto de vista heróico, ninguém o duvida, mas um facto economicamente desastroso, que tornou a metrópole dependente das riquezas das colónias. A indústria e a agricultura estagnaram, só o comércio se manteve, travando-se assim o desenvolvimento nacional.

Antero não poupa D. João de Castro, e escreve: «A tradição, que nos apresenta D. João de Castro, depois duma campanha em África, retirando-se à sua quinta de Sintra, aonde se dava àquela estranha e nova agricultura de cortar as árvores de fruto, e plantar em lugar delas árvores silvestres, essa tradição deu-nos um perfeito símbolo do espírito guerreiro no seu desprezo pela indústria. Portugal, o Portugal das conquistas, é esse guerreiro altivo, nobre e fantástico, que voluntariamente arruína as suas propriedades, para maior glória do seu absurdo idealismo. E já que falei em D. João de Castro, direi que poucos livros têm feito tanto mal ao espírito português, como aquela biografia do herói escrita por Jacinto Freire. J. Freire, que era padre, que nunca vira a Índia, e que ignorava tão profundamente a política como a economia política, fez da vida e feitos de D. J. de Castro, não um estudo de ciência social, mas um discurso académico, literário e muito eloquente, seguramente, mas enfático, sem crítica, e animado por um falso ideal de glória à antiga, glória clássica, através do qual nos faz ver continuamente as acções do seu herói.» (pp. 290-291)

E mais adiante: «Como era possível, com as mãos cheias de sangue, e os corações cheios de orgulho, iniciar na civilização aqueles povos atrasados, unir por interesses e sentimentos os vencedores e os vencidos, cruzar as raças, e fundar assim, depois do domínio momentâneo da violência, o domínio verdadeiro e justo da superioridade moral e do progresso? As conquistas sobre as nações atrasadas, por via de regra, não são justas nem injustas. Justificam-nas ou condenam-nas os resultados, o uso que mais tarde se faz do domínio estabelecido pela força. As conquistas romanas são hoje justificadas pela filosofia da história, porque criaram uma civilização superior àquela de que viviam os povos conquistados. A conquista da Índia pelos Ingleses é justa, porque é civilizadora. [Seja-me permitido observar que, aqui, Antero estava completamente enganado] A conquista da Índia pelos Portugueses, da América pelos Espanhóis, foi injusta, porque não civilizou.» (p. 291)

«A ferocidade dos espanhóis na América é uma coisa sem nome, sem paralelo nos anais da bestialidade humana. Dois impérios florescentes desapareceram em menos de 60 anos! em menos de 60 anos são destruídos dez milhões de homens!» (p. 292)

«Há, com efeito,  nos actos condenáveis dos povos peninsulares, nos erros da sua política, e na decadência que os colheu, alguma coisa de fatal: é a lei da evolução histórica, que inflexível e impassivelmente tira as consequências dos princípios uma vez introduzidos na sociedade. Dado o catolicismo absoluto, era impossível que se lhe não seguisse, deduzindo-se dele, o absolutismo monárquico, com o seu cortejo de privilégios, de injustiças, com o predomínio das tendências guerreiras sobre as industriais. Os erros políticos e económicos saíam daqui naturalmente; e de tudo isto, pela transgressão das leis da vida social, saía naturalmente também a decadência sob todas as formas.» (pp. 292-293)

«E essas falsas condições sociais não produziram somente os efeitos que apontei. Produziram um outro, que por ser invisível e insensível, nem por isso deixa de ser o mais fatal. É o abatimento, a prostração do espírito nacional, pervertido e atrofiado por uns poucos de séculos da mais nociva educação.» (p. 293)

«Fomos os portugueses intolerantes e fanáticos dos séculos XVI, XVII e XVIII: somos agora os portugueses indiferentes do século XIX. Por outro lado, se o poder absoluto da monarquia acabou, persiste a inércia política das populações, a necessidade (e o gosto talvez) de que as governem, persiste a centralização e o militarismo, que anulam, que reduzem ao absurdo as liberdades constitucionais. Entre o senhor rei de então, e os senhores influentes de hoje, não há tão grande diferença: para o povo é sempre a mesma servidão. Éramos mandados, somos agora governados, os dois termos quase que se equivalem. (p. 293)

«Que é pois necessário para readquirirmos o nosso lugar na civilização? para entrarmos outra vez na comunhão da Europa culta? É necessário um esforço viril, um esforço supremo: quebrar resolutamente com o passado. Respeitemos a memória dos nossos avós: memoremos piedosamente os actos deles: mas não os imitemos.» (p. 294)

«Somos uma raça decaída por ter rejeitado o espírito moderno: regenerar-nos-emos abraçando francamente esse espírito. O seu nome é Revolução: revolução não quer dizer guerra, mas sim paz: não quer dizer licença, mas sim ordem, ordem verdadeira pela verdadeira liberdade.» (p. 295)

«Meus senhores: há 1800 anos apresentava o mundo romano um singular espectáculo. Uma sociedade gasta, que se aluía, mas que, no seu aluir-se, se debatia, lutava, perseguia, para conservar os seus privilégios, os seus preconceitos, os seus vícios, a sua podridão: ao lado dela, no meio dela, uma sociedade nova, embrionária, só rica de ideias, aspirações e justos sentimentos, sofrendo, padecendo, mas crescendo por entre os padecimentos. A ideia desse mundo novo impõe-se gradualmente ao mundo velho, converte-o, transforma-o: chega um dia em que o elimina. e a humanidade conta mais uma grande civilização. Chamou-se a isto o Cristianismo. Pois bem, meus senhores: o Cristianismo foi a Revolução do mundo antigo: a Revolução não é mais do que o Cristianismo do  mundo moderno.»  (pp. 295-296)

Esta análise pertinente de Antero resulta, é certo, um pouco enviesada, fruto das circunstâncias e de alguns preconceitos do autor, mas importa não ignorar a matéria de fundo. No século XIX Portugal era um país pobre... e continua a sê-lo. Com os Descobrimentos obteve-se riqueza, muita riqueza, que foi desperdiçada. Além de que a distância dos territórios conquistados e a sua manutenção significaram também para a Coroa um vultoso dispêndio.  

E os Portugueses continuam à espera, século e meio passados!

Esta Conferência de Antero de Quental é uma referência nas letras portuguesas.

Do ponto de vista histórico, o texto contém alguns erros e imprecisões que não alteram, todavia, a mensagem que o escritor nos pretendeu transmitir. 

 

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