domingo, 14 de julho de 2024

GORE VIDAL E A AMÉRICA

A presente conjuntura norte-americana suscitou-me o desejo de reler Washington, D.C., de Gore Vidal (1967, tradução portuguesa 1988).

É vasta a obra de Gore Vidal (1925-2012), um dos mais notáveis escritores estadunidenses da segunda metade do século passado e dos princípios deste século. Romancista, ensaísta, dramaturgo, cresceu próximo do poder político americano de que viria a ser um impiedoso crítico. Ao longo dos seus livros, salvo os que são especificamente dedicados a ela, é uma constante a referência, ainda que ténue, à homossexualidade, orientação que o autor perfilhou durante a sua vida.

Neste seu livro, Vidal descreve o ambiente político dos Estados Unidos, no período imediatamente anterior e posterior à eclosão da Segunda Guerra Mundial, através das vidas de um influente senador e de um impiedoso magnata da imprensa e dos respectivos correlativos. É denunciada a ambição, a hipocrisia, a intriga, o culto do dinheiro e a venalidade das poderosas figuras do establishment. E também o american way of life.

O autor aborda o isolacionismo norte-americano e a hesitação da sociedade entre a oposição a Hitler e a oposição a Stalin, que para os yankees simbolizava o Diabo e que era suposto aquele combater. De resto, reinou sempre (e ainda reina) um pavor nos States relativamente a tudo o que cheirasse a socialismo (e a comunismo nem se fala). Tudo com o cinismo irónico que é apanágio do escritor, ao descrever uma sociedade ferozmente individualista..

Nas entrelinhas, Gore Vidal deixa transparecer a ideia de que o presidente Franklin Roosevelt fora prevenido do iminente ataque japonês a Pearl Harbor e permitira a destruição da esquadra americana para ter o ensejo de entrar na guerra e de instalar até hoje o poderio dos Estados Unidos na Europa. Aliás, o historiador e académico francês Alain Decaux (1925-2016) afirma claramente no seu livro Nouveaux dossiers secrets de l'Histoire (1967) que Roosevelt foi avisado do ataque nipónico e ignorou a informação para que ocorresse uma grande catástrofe (a esquadra americana foi destruída e morreram mais de 2.000 marinheiros), única justificação que seria aceite para que o Congresso dos Estados Unidos declarasse guerra aos países do Eixo, conforme a premente solicitação de Churchill. 

Há determinadas decisões que pela sua magnitude carecem de causas suficientemente graves que as possam determinar. Mais recentemente, o ataque às Torres Gémeas em New York permitiu aos Estados Unidos fundamentar a invasão do Afeganistão e do Iraque. É claro que pode haver coincidências, mas, como costumava dizer um diplomata meu amigo já falecido, "não há coincidências".

Ao longo do romance são feitas numerosas críticas a Roosevelt, entre as quais a criação de campos de concentração para os soldados japoneses, e é verberada a sua insistência em candidatar-se a um quarto mandato em 1944, atendendo a que o seu frágil estado de saúde se tinha agravado perigosamente, situação prudentemente ocultada à generalidade da população. Morreria pouco tempo depois. Também o seu sucessor Harry Truman não é poupado, considerando Gore Vidal absolutamente inaceitável e inútil o bombardeamento atómico de Hisoshima e Nagasaki.

Suspeito que várias personagens são directamente inspiradas de figuras reais, do nosso tempo, até pela grafia (distorcida) de certos nomes, mas não tive oportunidade de pesquisar.

Ao contrário de outras obras de Gore Vidal, Washington, D.C. parece-me demasiado extenso para a "mensagem" que o autor pretende transmitir. O enredo adensa-se, por vezes inutilmente, sem vantagem para a caracterização das personagens. São mais de trezentas páginas em letra miúda. A concisão também é uma virtude.

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