segunda-feira, 24 de julho de 2023

OS TESTAMENTOS DE JÚLIO CÉSAR

Júlio César deificado, no Museu do Louvre

Há notícia de dois testamentos de Júlio César, mas é perfeitamente admissível que tenha existido um terceiro. Vejamos:

O primeiro testamento de Júlio César foi a favor de Cneio Pompeu, o Grande, que César constantemente designara como herdeiro "desde o seu primeiro consulado  (59 AC) até ao começo da guerra civil" (conforme Suetónio). Pompeu era casado com Júlia, filha de Júlio César.

O testamento que Suetónio qualifica de "último", isto é, o mais recente, e que foi aberto após o seu assassinato, foi redigido por César, em 13 de Setembro de 45 AC, na sua villa de Lavicum (a actual Via Labicana), e confiado à Grande Vestal. Instituiu três herdeiros: seu sobrinho-neto Caius Octavius (o futuro César Augusto), com três quartos dos bens e seus sobrinhos Lucius Pinarius e Quintus Pedius com um quarto.

Depois da derrota de Pompeu em Farsalos, César fez uma leitura pública do seu primeiro testamento aos soldados em parada, para mostrar que tudo apostara numa aliança com Pompeu, e declarou que esse testamento, dadas as circunstâncias (Pompeu tornara-se seu adversário, já não era seu genro porque Júlia entretanto morrera e passara a outras núpcias, acabando por ser assassinado no Egipto por ordem de Ptolemeu XIV) fora destruído. Ora, segundo o direito romano, um testamento não podia ser anulado sem que houvesse outro a substituí-lo.

O professor Luciano Canfora, grande historiador de Júlio César, avança a seguinte hipótese: entre os dois testamentos que a história regista, terá havido um testamento intermediário. Segundo o princípio que presidiu aos dois outros testamentos - o primeiro a favor do seu genro e o último a favor de seus sobrinhos e sobrinho-neto - parece evidente que o testamento intermediário designaria alguém da sua família, o seu mais próximo parente entre os homens de idade adulta dotados de alguma envergadura. Há então uma pessoa que nos vem obrigatoriamente ao espírito, o seu primo, ou segundo primo, Sextus Iulius Caeser, valoroso militar, "o amigo mais fiel e seguro" (segundo Cícero), que seguiu César na Espanha e na Síria. César nomeou-o governador da Síria, em 47 AC, e ele teria sido o seu herdeiro natural se não tivesse sido assassinado na Síria, por uma amotinação das legiões, em 46 AC, segundo Flavius Josephus. 

Na altura em que foi morto, Sextus teria cerca de 25 anos e era um belo rapaz, de acordo com as escassas notícias que temos a seu respeito. Quando fez o testamento a favor de Octavius, que acompanhara César na campanha de Espanha, aquele tinha 18 anos, e mostram as estátuas e confirmam os documentos, que era também um bonito rapaz.

Sabendo-se que César apreciava especialmente rapazes interessantes (o que, aliás, era comum em Roma), não causa espanto que o Ditador tenha sucessivamente designado por herdeiros dois jovens, ainda seus parentes, com quem terá praticado comércio bíblico. Não há informações acerca das relações pessoais do Divino Júlio com Sextus, mas outro tanto não se poderá dizer sobre Octavius, que, segundo Marco António, terá sido nomeado herdeiro por César devido à sua condescendência em partilhar o leito com seu tio-avô, durante a campanha de Espanha. Suetónio, citado pelo professor Régis F. Martin, indica expressamente que Octavius foi desflorado por César.

Concluindo: se não tivesse sido assassinado, seria Sextus Iulius Caeser, e não Octavius, o herdeiro de Júlio César. Isto segundo a hipótese avançada.

Júlio César foi deificado pelo Senado em 42 AC.


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