Acabei de ler o recentíssimo livro de Jean-Pierre Filiu, Les Arabes, leur destin et le nôtre, poucas horas antes dos atentados de Paris.
O autor, professor em Sciences-Po (Paris), é um reputado especialista do Médio Oriente e deve-se-lhe já mais de uma dezena de obras sobre o islão contemporâneo.
Neste livro, que contém, para minha admiração, algumas imprecisões, Filiu consegue condensar em pouco mais de 200 páginas a história das relações entre a Europa (e depois os Estados Unidos) e o Mundo Árabe, desde a expedição de Bonaparte ao Egipto em 1798 até aos nossos dias. É, de facto, nessa data que começa verdadeiramente o problema que se convencionou chamar a Questão do Oriente.
Não comungo de todas as opiniões de Filiu nem subscrevo todas as suas teses, mas reconheço que o livro representa um esforço para fornecer um panorama do que tem sido o acidentado relacionamento ocidental com os árabes ao longo de duzentos anos.
A obra começa com um "Prólogo francês", onde o autor enaltece a islamofilia de Bonaparte, que em Agosto de 1799 participou no Cairo às cerimónias em honra do profeta Mohammed e alude ao facto do general Menou, que ficou a governar o Egipto depois do assassinato do general Kleber (Bonaparte havia já regressado a França), se ter convertido ao islão, adoptado o nome de Abdallah e casado com uma egípcia. Os franceses acabariam por abandonar o Egipto na sequência da ofensiva anglo-otomana, mas as suas raízes permaneceram. Escreve o autor: «Cet événement-Janus, à la fois agression coloniale et entreprise culturelle, aura un impact profond et durable. Les historiens arabes considèrent en effet que cette "campagne" (hamla) marque le début de la Nahda, littéralement la "Renaissance". Les Arabes vont alors s'attacher à relever le double défi de la domination ottomane et de la expansion occidentale. Ce vaste mouvement d'émancipation collective et individuelle débute avec la secousse française de 1798-1801.»
Vejamos como em sete capítulos Filiu resumiu o destino dos árabes e o nosso. Vou tentar fazer um resumo do resumo.
Começa o autor por se referir ao "Renascimento" árabe ao longo do século XIX. Isso nos diz o título do primeiro capítulo, "Les Arabes de la Renaissance (1801-1913). Un três long siècle". «Cette Renaissance arabe, équivalent des Lumières européennes, aura trois pôles principaux: l'Égypte par la puissance d'un État modernisateur, la Tunisie par la légitimité d'une construction constitutionelle, et le Levant par le dynamisme d'une effervescence intelectuelle.» Durante o século XIX o Império Otomano era o suzerano de todo o norte de África e do Médio Oriente, à excepção de Marrocos (dinastia alauíta), [não confundir com os alauítas sírios, um ramo do chiismo], do Yemen (zayditas) e de Oman (ibaditas), ainda que fosse diferente o grau de controlo exercido pela Sublime Porta sobre todos os seus territórios. Com a expedição de Bonaparte, o poder de Constantinopla sobre o Egipto reduz-se progressivamente e o khediva Mehmet Ali inicia a modernização do país, continuada pelos seus descendentes. Na Argélia, as relações com a França seguem um rumo diferente e o carismático emir Abdelkader, sentindo-se abandonado pelos otomanos, ergue o estandarte contra os "infiéis", leia-se, os franceses. A partir de 1839 desencadeia-se uma "guerra total" que sé terminará com a rendição do emir em 1847. Mais do que uma luta religiosa tratou-se realmente de uma luta de resistência nacional. Refira-se que Abdelkader era uma figura do maior prestígio e que foi ele que, exilado em Damasco, salvou do linchamento, em 1860, milhares de cristãos, aquando do conflito que opôs druzos a maronitas. Napoleão III, que apreciava especialmente os muçulmanos, pensou mesmo estabelecer um "reino árabe" de Argel a Baghdad, sob a égide do emir, mas este, já mergulhado na sua busca mística, declinou a oferta. Em 1865, o imperador fez dos argelinos muçulmanos franceses regidos pela charia, com algumas limitações para o completo acesso à cidadania, o que provocou a ira dos colonos franceses, que saudaram em 1870 a queda do Segundo Império assim como a do "reino árabe". Em Tunis, o bey Ahmed I (1837-1855) cria a academia militar do Bardo e, em 1846, procede à abolição da escravatura. Em 1861, a Tunísia adopta uma constituição, a primeira do mundo árabe, 16 anos antes da do Império Otomano (que seria aliás rapidamente suspensa). E este texto fundador consagra um poder político distinto da religião. Será também suspensa em 1864 devido a motins, mas a obra de modernização continuará com Kheyreddine Pasha (1873-1877), que abrirá o colégio Sadiqi, instituição laica destinada à elite futura.
Todavia, as rivalidades franco-britânicas mantiveram-se e acentuaram-se depois da expedição de Bonaparte ao Egipto. O canal de Suez, aberto em 1869 sob a direcção do francês Ferdinand de Lesseps, passa seis anos mais tarde para o controle de uma companhia maioritariamente britânica. As duas potências coloniais impedirão o desenvolvimento da dinâmica modernizadora empreendida pela Tunísia e pelo Egipto. Em 1881, a França imporá o protectorado sobre a Tunísia; em 1882 o Reino Unido ocupará militarmente o Egipto.
O terceiro polo da Nahda é o Levante, então em plena efervescência cultural. A tipografia árabe, implantada em Alepo desde o século XVIII e que começou por imprimir poucas obras, e de limitada tiragem, para os cristãos do Oriente, conhece grande desenvolvimento. Em 1822, Mehemet Ali funda a tipografia de Bulaq, no Cairo. As tipografias árabes multiplicam-se no decorrer do século XIX, com a publicação de 10 000 obras, isto é, mais títulos que durante o precedente milénio da história árabe. A passagem do árabe para o "imprimido" introduz um processo de "laicização" de uma língua até então confinada ao quadro dogmático da mesquita ou do ensino islâmico. Os estudantes que tinham até então como horizonte único as universidades islâmicas do Cairo, de Damasco, de Tunis ou de Fez, iniciam (especialmente os cristãos) uma migração de grande vitalidade para a Europa, nomeadamente para França, e também para as Américas, caso de sírios, libaneses e palestinianos. O protestante Faris Chidiaq procede em 1848, em Londres, à tradução da Bíblia para árabe e é acolhido depois pelo bey Ahmed I, acabando por se converter ao islão. Em 1860, o maronita Butros Bustani lança em Beirute um jornal cuja divisa é "O amor da pátria é um acto de fé" e os dois irmãos gregos católicos Sami e Bishara Takla fundam no Cairo, em 1876 o primeiro jornal árabe de informação, "Al-Ahram" (As Pirâmides") que ainda hoje é publicado. Também é rica a intervenção dos intelectuais muçulmanos. Jamal Sidqi Zahawi, filho do mufti do Iraque torna-se director da tipografia nacional de Bagdad e Aberrahnane Kawakibi funda, em 1877, o primeiro hebdomadário de Alepo, suspenso ao fim de 16 números. Uma das prisões de Kawakibi em Alepo suscitou mesmo, em 1899, uma manifestação de protesto feminina, a primeira do género no mundo árabe-muçulmano. Figura síria de primeiro plano, Kawakibi considera que a decadência oriental "est due au despotisme et son seul remède c'est la liberté. La meilleure forme en est la démocratie constitutionelle". O seu empenhamento a favor da separação do político e do religioso é categórico: "Laissez-nous résoudre notre vie profane en neutralisant les religions qui auront leur rôle à jouer au-delà. Laissez-nous rassembler autour de ces mots: vive la nation, vive la patrie, et que nous vivions libres et dignes." Os intelectuais árabes tinham então o dever de vencer o desafio do domínio otomano, por um lado, e da expansão ocidental, por outro. Os "nacionalistas" voltam contra a Europa o conceito de uma nação falando uma língua num território, mas aplicando-o aos árabes. Os "islamistas" consideram que um regresso às fontes do islão é imperativo para travar a decadência em que se arrasta o califado otomano. É por isso que se designam então simultaneamente como "reformistas" (islâhî) e como "salafistas", em referência às duas primeiras gerações dos "antepassados" (salaf) do islão. Outra figura central deste "islamismo" árabe é Mohammed Abduh, formado em Al-Azhar, e que recebeu a influência do notável intelectual egípcio Rifa'a al-Tahtawi. Exilado do Egipto após a ocupação britânica de 1882, instalou-se em Paris e posteriormente em Beirute. A sua notoriedade levou a que fosse nomeado grande mufti do Egipto em 1889. O seu discípulo Rachid Rida, nascido em Tripoli (Líbano), reivindicaria a sua herança na revista cairota "Al-Manar" ("O Farol"), onde aliás colaboraria Kawakibi. Um outro discípulo de Abduh, Lotfi al-Sayyid) aprofundará o seu empenhamento no nacionalismo egípcio e fundará em 1907 o primeiro partido político do país, o Partido da Nação (Umma), termo escolhido pela sua polissemia, pois tanto remete para a "nação" árabe como para a "comunidade" dos fiéis muçulmanos. Pela sua parte, Rida liga-se ao Partido da Descentralização, que preconiza uma transferência substancial de competências para as províncias árabes do Império Otomano.
A tomada do poder pelos Jovens-Turcos em Constantinopla em 1908 é inicialmente bem acolhida pelos militantes árabes, tanto mais que permite uma maior liberdade da imprensa. Mas o nacionalismo turco entra em conflito com a sensibilidade árabe, uma vez que os três pashas (Djemal, Enver e Talaat) parecem complacentes com a imigração judaica para a Palestina. A hipótese da instalação de um estado judaico no Uganda é rejeitada após a morte de Theodor Herzl (1904), fundador do movimento sionista, o que levará a uma alya (incremento) de judeus para a Palestina cuja população, ao fim de dez anos de imigração apoiada, será constituída por 10% de judeus. Os irmãos Issa, de Jaffa, lançam em 1911 o jornal "Palestina" onde denunciam a ameaça sionista e a cumplicidade otomana. São criadas sociedades secretas segundo o modelo italiano, como Al-Fatat (A Juventude), em 1911 e Al-Ahd (O Pacto), em 1913. Este último grupo estruturou-se à volta de oficiais árabes do exército otomano, escandalizados pela perda da Líbia pelos Jovens-Turcos em proveito da Itália. Realiza-se mesmo em Junho de 1913, em Paris, um "Congresso Árabe", por iniciativa de nacionalistas sírios e egípcios, mas muito criticado na Palestina por não ter levantado a questão sionista por pressão dos "anfitriões" franceses.
«Le monde arabe du Congrès parisien de 1913 est radicalement différent de celui de l'expédition d'Égypte de 1798-1801. L'Algérie est sous le joug français depuis 1830 et le Maroc vient de passer sous le double protectorat de la France et de l'Espagne. La Libye est tombée, en 1911, sous la coupe d'une Italie bien décidée à se tailler sa part de l'accaparement colonial. Quant à la Grande-Bretagne, elle a entamé à Aden en 1839 son implantation sur la côte méridionale et orientale de la péninsule Arabique, poursuivie avec méthode d'Oman jusqu'au Koweit.»
«La Renaissance arabe a été une entreprise multiforme d'émancipation intellectuelle, d'affirmation nationaliste, d'aggiornamento islamique, de développement économique, de rationalisation administrative et d'avancées institutionelles. Jamais autant d'Arabes n'avaient été en relation avec d'autres Arabes, au sud de la Méditerranée comme dans la diaspora, en vue de façonner une vision des Lumières qui leur soit propre, enracinée dans une langue, une culture et une fierté nationales. Une ambition aussi vaste ne pouvait que deboucher sur des résultats contrastés, souvent frustrants.»
«Les Arabes de la Nahda ont été meurtris de leur impuissance à endiguer l'expansion coloniale. Les deux dynasties modernisatrices d'Égypte et de Tunisie, affaiblies par des crises financières à répétition et par le refus populaire de la conscription, ont dû se soumettre à Londres et à Paris. La synthèse arabe entre le nationalisme et l'islamisme, galvanisée par la récente poussée sioniste, ambitionne dès lors réaliser ses aspirations à la faveur du premier conflit mondial. C'est pourtant une nouvelle défaite historique qui attend les Arabes.»
Porque o resumo do primeiro capítulo foi longo, procurarei ser ainda mais sintético.
O segundo capítulo, "La paix de toutes les guerres (1914-1925) - Les trois promesses de l'Empire Britanique" começa por referir o grande embuste feito pelos britânicos aos árabes na Primeira Guerra Mundial. Para obter o apoio dos árabes contra a Sublime Porta, prometeram os ingleses a Hussein Ibn Ali, cherife de Meca, a soberania sobre um reino árabe a criar no Médio Oriente em troca do seu apoio na luta contra os otomanos. Hussein, representante da linha dos Hachemitas, cujo nome provém de Hachem, bisavô do profeta Mohammed, era o representante em Meca do Império Otomano, cujo sultão usava, desde a conquista daquela cidade pelo sultão Selim I, em 1517, o título de Guardião dos Lugares Santos de Meca e de Medina. Após ter estado um período em Constantinopla, em residência vigiada, Hussein fora recolocado pelos Jovens-Turcos na cidade, em 1908, com o título de governador do Hedjaz. O alto-comissário britânico no Egipto, Henry Mac-Mahon, convenceu Hussein a revoltar-se contra a suserania turca, prometendo-lhe um grande reino árabe no Médio Oriente, que eliminaria também as pretensões de Abdelaziz Ibn Saud, que projectava estabelecer um Estado wahhabita na região e se havia já apoderado da cidade de Riyad e de todo o Najd. Hussein acredita e, em 1916, promove a revolta árabe (thawra). Ao mesmo tempo, ingleses e franceses resolvem secretamente, atraiçoando a promessa feita a Hussein, dividir em proveito próprio o Médio Oriente, logo que a Turquia seja derrotada. É o "Acordo Sykes-Picot", do nome dos negociadores, o inglês Mark Sykes e o francês François-Georges Picot, celebrado em 1916. A França atribui-se uma autoridade directa sobre a Cilícia, o Líbano e o litoral sírio, e uma "zona de influência" indo de Damasco e Alepo até Mossul. A Grã-Bretanha assume o controle directo das províncias de Baghdad e de Bassora e uma "zona de influência" indo de Aman e Aqaba até Kirkuk. A Palestina é considerada como zona internacional, devido à França ter invocado os seus "direitos" de protecção dos Lugares santos católicos de Jerusalém, Belém e Nazaré. Cada vez menos decidida a manter as suas promessas, a Grã-Bretanha, devido ao empenhamento do movimento sionista internacional, assume a vontade de estabelecer um "lar nacional para o povo judeu" na Palestina (Declaração Balfour, de 1917). Este documento causa a maior perturbação no mundo árabe, tanto mais que o ministro dos Negócios Estrangeiros do novo governo bolchevique, Léon Trotski, revela os acordos celebrados por Sykes e Picot. Sem outro caminho, Hussein prossegue a ofensiva e seu filho Faisal entra em Damasco em 1918, ainda antes das tropas britânicas. A Conferência de Paz de Paris (1919) confirma na generalidade a partilha de 1916, sendo atribuído aos partidários de Faisal um território de Deraa a Alepo. Enquanto se desenrolam as manobras na Síria, o Egipto entra em ebulição. Saad Zaghlul, próximo de Mohammed Abduh, funda o Partido Wafd (Delegação) para exigir à Conferência de Paris a independência do país. Os seus membros são presos, o que provoca uma sublevação popular no Egipto, reprimida ferozmente pelos britânicos. E a Conferência confirma o protectorado britânico sobre o Egipto. Em 1920, o Congresso Geral Sírio proclama em Damasco a independência do país, tendo Faisal como rei. A Sociedade das Nações, recém-criada cria a figura dos "territórios de mandato". A Conferência de San Remo (1920) atribui mandatos à França (Síria e Líbano) e à Grã-Bretanha (Palestina e Iraque). Esta decisão incendeia o mundo árabe. Em 1920 uma sublevação no Iraque de sunitas e xiitas unidos contra os ingleses desencadeia uma repressão que provoca 10 000 mortos árabes, para lá dos 300 000 que morreram na Síria no confronto com turcos e britânicos. A figura jurídica do mandato, uma "obra-prima do paternalismo colonial", como lhe chama Filiu, leva a que o general Gouraud, alto-comissário da França em Beirute envie um ultimato a Faisal (que foge do país) e esmaga os combatentes sírios (1920) na estrada de Damasco (batalha de Maysalun). Atribui-se-lhe esta frase junto ao túmulo de Saladino, em Damasco: "Desperta, nós regressámos". No rescaldo, a Grã-Bretanha, para compensar Faisal, oferece-lhe o trono do Iraque.
Os franceses repartem a Síria em quatro "Estados": Estado de Damasco, Estado de Alepo, Estado dos Alauítas com a capital em Lattakia) e Estado dos Druzos (com a capital em Suweida). Por seu lado, os britânicos reconstroem o Estado do Iraque, fazendo uma amálgama dirigida a partir de Baghdad pelos antigos oficiais sunitas do exército otomano e incluindo os "governorados" de Bassora (xiita) e de Mossul (curdo), o que viria a provocar graves tensões regionais e confessionais que duram até aos nossos dias. Em 1922 a Declaração Balfour é incorporada no mandato britânico sobre a Palestina, o que leva ao boicote das instituições mandatárias pela população árabe. Londres exclui do mandato o território da Transjordânia, que é confiado a Abdallah, irmão de Faisal.
As decisões de São Remo são ferozmente combatidas pela resistência turca comandada por Mustafa Kemal Pasha (que tomará em 1934 o título de Atatürk, "Pai dos turcos"), vindo as fronteiras da Turquia contemporânea a ser fixadas pelo Tratado de Lausanne (1923). A República turca é proclamada e Mustafa Kemal eleito primeiro presidente.
O cherife Hussein continuou como modesto rei do Hedjaz, com os filhos, Faisal e Abdallah, instalados nos tronos do Iraque e da Transjordânia. Perdida a esperança de se tornar o soberano do grande reino árabe, acalentou o sonho de se tornar califa, enquanto descendente da linhagem do Profeta. Transmitiu o trono do Hedjaz a outro filho, Ali, e reuniu um congresso islâmico em Meca (1924), mas não conseguiu evitar que o eterno rival, Ibn Saud, tomasse Meca, Medina e Djeddah e acabasse com a ideia do califado. O reino agora formado pelo Hedjaz e o Najd iria transformar-se na Arábia Saudita, o único país do mundo cujos cidadãos são designados pelo nome da dinastia reinante. E que foi o mais beneficiado pela negação europeia do direito dos povos árabes à autodeterminação. Mais de um século de Renascimento árabe, longe de ter forjado laços duradouros entre as potências europeias e os árabes da Nahda, conduziria, ao contrário, à consagração de um Estado saudita, fundado precisamente sobre uma ideologia anti-Nahda, o wahhabismo. Um resultado calamitoso, decorrente da recusa persistente dos decisores franceses e britânicos de tratarem os árabes em pé de igualdade, quando os próprios impérios coloniais tinham solicitado a aliança dos árabes contra o inimigo turco-alemão. A imposição por potências exteriores da dominação dos cristãos no Líbano e dos sunitas no Iraque só poderia alimentar interpretações paranoicas, que florescem nos dias de hoje. Para os árabes, serem tratados como inimigos pelos europeus, junto de quem se tinham lealmente empenhado como amigos, deixaria um profundo sentimento de injustiça. Organizar eleições e promover uma constituição não terá sido suficiente aos árabes para travar a máquina infernal dos mandatos. «Un siècle plus tard, nous payons encore, en termes de "retombées" des crises moyen-orientales, le prix de notre décision de soumettre les Arabes plutôt que de nous les associer.»
O terceiro capítulo, "Un demi-siècle d'indépendances (1922-1971). Soulèvements, négociations et guerres de libération" refere a dominação colonial de todo o mundo árabe, à excepção da Arábia, em breve Saudita, e do Yemen. Será necessário meio século para que os árabes consigam aceder à independência, cujo sonho fora inspirado pela Revolta de 1916. O ciclo começa em 1922 com a independência "formal" do Egipto, com Fuad I como rei. Em 1925, porque a Síria não fora totalmente pacificada, 40 000 soldados ao serviço do mandato francês esmagam a nova revolta síria em Ghuta, nos arredores de Damasco. Em 1924 o nacionalista egípcio Saad Zaghlul, à frente do Wafd, torna-se primeiro-ministro, mantendo, sob o controlo britânico, um via pluralista. Em 1928, Hassan el-Banna funda a confraria dos Irmãos Muçulmanos, também nacionalista mas de pendor salafista, e opõe-se à divisa do Wafd: "A religião é para Deus e a pátria é para todos". Na Tunísia, Abdelaziz Thaalbi funda em 1920 o Partido Liberal Constitucional, mais conhecido como Destur (Constituição). Em 1934, Habib Burguiba, em dissidência no partido, cria o Novo-Destur, de que assume a presidência. Em 1934, Abul Qassem Chebbi publica La volonté de vivre [e não du peuple, Filiu nesta página 74 do livro enganou-se], cujos primeiros versos constituirão mais tarde o hino nacional da Tunísia.
Em 1926 a França outorga uma constituição ao Líbano, país que criou por razões especialmente religiosas, que consagra um escrutínio democrático confessional. Por isso, o Líbano tem hoje, obrigatoriamente, como presidente da República um cristão maronita, como primeiro-ministro um muçulmano sunita e como presidente do parlamento um muçulmano xiita. Na Líbia, Omar al-Mukhtar opõe-se à colonização de Mussolini mas acaba por ser capturado e enforcado em 1931. O fim da Segunda Guerra Mundial cria alguma esperança nos povos colonizados, mas ainda em 1945, os franceses reprimem com extrema violência e milhares de vítimas as manifestações na Argélia, bem como na Síria, onde é bombardeado o parlamento em Damasco e há confrontos sangrentos em Hama, Homs e Alepo.
Em 1947, face ao seu fracasso de potência mandatária na Palestina, a Grã-Bretanha coloca a situação nas mãos da ONU, cuja Assembleia Geral procede à partilha do território, criando um Estado árabe e um estado judaico, com Jerusalém como zona internacional. Os árabes rejeitam o projecto, quer por uma questão de princípio, quer porque ele atribui mais de metade do território (e as melhores terras) aos judeus. O movimento sionista aceita a partilha, à excepção dos movimentos extremistas Irgun e Stern, que incrementarão a actividade terrorista judaica na Palestina. Em 15 de Maio de 1948 a Grã-Bretanha termina o seu mandato e os judeus proclamam o Estado de Israel. Uma coligação árabe ataca as forças judaicas mas é vencida e a guerra termina em 1949 com Israel a controlar 77% da Palestina mandatária. O rei Abadallah I anexa a Cisjordânia e Jerusalém-Leste, nascendo assim o Reino Hachemita da Jordânia. Este desfecho constituiu para os palestinianos a Nakba (Catástrofe) e não teve resolução, pelo contrário tem-se agravado até aos nossos dias.
Em 1956 a Tunísia acede à independência, com Burguiba como primeiro-ministro de Liamine Bey. Na Argélia surge em 1954 a Frente de Libertação Nacional (FLN) que constituirá a grande força na luta pela independência, obtida em 1962, apesar da contra-ofensiva da Organização do Exército Secreto (OAS), que falha uma tentativa de assassinato do general De Gaulle.
O quarto capítulo, "Vingt ans de coups d'État (1949-1969). Le grand détournement", trata da instabilidade nos países que entretanto se tornaram independentes. Em 1952, os "Oficiais Livres" destituem o rei Faruq e, em 1953, proclamam a República, sob a presidência de Mohammed Naguib. Em 1956, Nasser, com Naguib detido, é eleito presidente da República, anunciando logo a seguir a nacionalização do canal de Suez. Uma intervenção conjunta da Grã-Bretanha, França e Israel é devastadora para o exército egípcio, mas os Estados Unidos de Eisenhower obrigam os aliados europeus a evacuar a zona do canal e forçam Israel a retirar-se do Sinai. Em 1958, a Síria, do Partido Baath, constitui uma união com o Egipto de Nasser, a República Árabe Unida (RAU). Também, em 1958, os militares iraquianos eliminam o jovem rei Faisal II e proclamam a república, mas não se encantam com a sedução de Nasser e não aderem à nova "república árabe". Os Irmãos Muçulmanos, perseguidos no Egipto e na Síria, procuram asilo na Arábia Saudita.
Na Tunísia, Burguiba, o "combatente supremo", que proclama a república em 1956, comete um erro em 1961, ao pretender que os franceses evacuem a base naval de Bizerta. A braços com a crise da Argélia, De Gaulle não pode demonstrar fraqueza e envia o exército que inflige uma pesada, e antecipada, derrota aos tunisinos, com mais de 600 mortos. A partir daqui, e depois de uma tentativa de conspiração, Burguiba vai transformando o regime num estado policial e em sucessivas alianças inconsequentes que levarão, como veremos, à sua destituição por Ben Ali.
Na Argélia, Ahmed Ben Bella, primeiro presidente, desde 1963, é derrubado em 1965 pelo seu antigo companheiro e aliado da FLN, Houari Bumedienne, que assume a chefia do Estado. Na Síria, em 1961 um golpe de Estado põe termo à RAU. Em 1963, novo golpe de Estado, coloca no poder Amin al-Hafez, do partido Baath. Nessa mesma altura, um golpe de Estado no Iraque coloca também no poder o partido Baath. É então posta a questão da formação de uma nova união do Egipto, Síria e Iraque, mas o projecto é abandonado. Em 1966, novo golpe coloca Salah Jedid à frente da Síria. Em 1964, Nasser cria uma Organização de Libertação da Palestina (OLP), tendo à frente Ahmed Shuqayri, mas o rei Faisal da Arábia Saudita (filho e segundo sucessor de Ibn Saud) encoraja o Fatah, movimento de Yasser Arafat, que prega a luta dos fedayines (os que estão dispostos a sacrificar-se pela pátria). Começa a rivalidade (provisória) entre OLP e Fatah. O conflito entre Nasser e Faisal atinge um ponto culminante com a proclamação da república em Sana (1962) pelo pró-egípcio Abdallah Sallal, após a morte do imam Ahmed. O filho do imam, Badr, refugia-se na Arábia Saudita e anima uma insurreição monárquica. O Egipto envia um corpo expedicionário mas a república do Yemen controla apenas metade do país. Apesar de ter uma parte do exército no Yemen, Nasser joga, em 1967, uma cartada exigindo a retirada das forças da ONU instaladas na fronteira entre Israel e o Egipto e anuncia o bloqueio do golfo de Aqaba; o rei Hussein da Jordânia apoia-o. Em 5 de Junho de 1967, Israel resolve quebrar o cerco árabe, toma a iniciativa e destrói no solo a aviação egípcia. Durante esta "guerra dos Seis Dias" os israelitas ocupam a faixa de Gaza e o Sinai, expulsam o exército jordano da Cisjordânia e de Jerusalém-Leste e tomam os montes Golan à Síria. Nasser acusa os Estados Unidos de terem participado directamente na ofensiva israelita, o que provoca violências anti-americanas no mundo árabe. Depois da Nakba (Catástrofe) de 1948 é a vez para os palestinianos da Naksa (Revés) [Filiu escreve Naqsa mas é Naksa]. O conjunto da Palestina mandatária é absorvido por Israel e a mesquita de Al-Aqsa de Jerusalém, terceiro lugar santo do islão, fica sob o controlo do Estado judaico. Em 1967, o Conselho de Segurança da ONU adopta uma resolução (nº 242) que obriga Israel a retirar-se dos territórios ocupados, mas que nunca foi cumprida. Em 1968, os palestinianos iniciam uma resistência ao ocupante que se mantém até hoje. Face aos acontecimentos, Nasser inclina-se e Arafat assume o controlo da OLP.
Este ciclo de 20 anos de golpes de Estado é [segundo Filiu] fechado na Líbia em 1969 por Muammar Qaddafi, que destitui o rei Idriss. «Cette candeur putschiste représente bien la fin d'un cycle: de Zaïm à Nasser en passant par Boumediene, la voie des armes était un moyen, certes expéditif, mais non une fin en soi. Il y a une indéniable volonté de revanche sociale dans la liquidation par ces militaires, issus de la petite bourgeoisie ou de la paysannerie déclassée, de l'héritage de l'élite nationaliste. Cette liquidation ne prend qu'un été dans l'Algérie saignée à blanc par la France, elle s'étale sur deux ans dans l'Égypte de 1952-1954, mais il faut une quinzaine d'années (dont trois d'occupation égyptienne) pour éradiquer la tradition parlementaire en Syrie.»
O quinto capítulo, "D'un désastre à l'autre (1980-1991). La génération des abandons", começa com a evocação do conceito popularizado por Arafat de tawrîth [Filiu escreve tawrît, que traduz por "engrenage" mas que é realmente em árabe a apropriação de um legado], tentando implicar os países árabes na causa palestiniana. Mas Georges Habache, chefe da Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP), antecipa-se e, em Setembro de 1970, desvia um avião de carreira num aeroporto jordano, proclamando que "a Resistência está pronta a fazer do Próximo-Oriente um inferno".Entre 1970 e 1971 teremos o "Setembro Negro". A FPLP e a OLP entram em confrontação com o exército jordano. Arafat pretende o apoio da Síria, o presidente Jedid ordena aos seus blindados que atravessem a fronteira mas Hafez al-Assad, ministro da Defesa, recusa garantir a cobertura aérea. Os caças jordanos aniquilam os tanques sírios. Nasser impõe um cessar fogo a Arafat e Hussein mas entretanto morre (em circunstâncias nunca totalmente esclarecidas). O seu sucessor Anwar al-Sadat estabelece conversações com os Estados Unidos e os fedayines palestinianos fogem da Jordânia, onde deixam milhares de mortos e refugiam-se no Líbano. Na Síria, Assad depõe Jedid e assume a presidência da república. Os novos senhores do Egipto e da Síria iniciam aquilo a que chamam um "movimento de rectificação", na linha do "movimento de recuperação" inaugurado por Bumedienne quando afastou Ben Bella. Sadat reconcilia o Egipto com a Arábia Saudita de Faisal e expulsa os cooperantes soviéticos. Sadat e Assad sabem que a consolidação dos seus regimes passa por apagar a humilhação de 1967. Em 6 de Outubro de1973, dia de Yom Kippur em Israel e Ramadão no islão, os exércitos egípcio e sírio atravessam as linhas israelitas, provocando uma enorme emoção no Estado judaico. Sadat, cujas forças tinham atravessado o canal de Suez, impede o seu avanço o que deixa Assad sozinho frente a Israel. Nixon estabelece uma ponte militar com Israel a quem concede uma ajuda excepcional. Em 16 de Outubro, numa contra-ofensiva, o exército israelita estabelece uma ponte sobre a margem ocidental do canal de Suez e prepara-se para entrar em Damasco. O rei Faisal entende que é demasiado e usa pela primeira vez a arma dos hidrocarbonetos, provocando um "choque petrolífero". Em breve a Arábia Saudita é imitada pelos outros países árabes, decidindo o embargo de fornecimento de petróleo aos Estados Unidos. Em algumas semanas o preço do petróleo quadriplica. Em 22 de Outubro o Conselho de Segurança exige um cessar-fogo imediato. Israel, como é seu costume, ignora a decisão e prepara-se para esmagar o Terceiro Exército egípcio cercado no Sinai. É então que a URSS agita a ameaça nuclear e Israel cede. A guerra durou 18 dias e dividiu profundamente o mundo ocidental entre os Estados Unidos, cada vez mais identificados com Israel e a Europa, muito mais dependente do petróleo árabe. Kissinger consegue uma paz separada entre Israel e o Egipto de um lado e Israel e a Síria do outro. E estabelece um princípio: no Médio Oriente nenhuma guerra pode ser ganha com o armamento soviético e nenhuma paz pode ser obtida sem o patrocínio americano. A OLP mede os riscos de marginalização e Arafat estabelece o princípio de uma Autoridade palestiniana sobre qualquer parcela de território palestiniano libertado. Apesar da oposição da Jordânia, a OLP, em nome da Palestina, é admitida à Cimeira Árabe de Outubro de 1974 e no mês seguinte Arafat é convidado a discursar na Assembleia Geral da ONU, onde conclui: "Je suis venu porteur d'un rameau d'olivier et d'un fusil de combattant de la liberté. Ne laissez pas le rameau d'olivier tomber de ma main. La guerra embrase la Palestine, mais c'est aussi en Palestine que la paix renaîtra." Entretanto, os palestinianos instalados no Líbano constituem um "Estado dentro do Estado", que entra em confronto com as Falanges libaneses, eclodindo a guerra civil em 1975. O massacre falangista dos palestinianos do campo de Quarantaine [Karantina] leva a OLP a destruir a aldeia cristã de Damur. A pedido do presidente maronita do Líbano, Assad intervém contra a coligação "palestino-progressista" e liquida o campo palestiniano de Tell al-Zaatar. Uma derrota da OLP, mas que paradoxalmente serve para reforçar o Fatah no sul do Líbano, fora do alcance das tropas de Assad.
O choque petrolífero de 1973-1974 altera profundamente as sociedades árabes. Consolida-se na Arábia Saudita uma ideologia anti-Nahda, favorecida pela instalação de muitos Irmãos Muçulmanos fugidos da Síria e do Egipto, doutrinados por Sayyed Qutb, cujo pensamento é muito mais sectário do que o de Hassan al-Banna, e que foi enforcado por ordem de Nasser em 1966. O Qatar, onde a família reinante segue também o credo wahhabita, convida o "irmão" Yussef Qaradawi para fundar, em 1973, o departamento de estudos islâmicos da universidade de Doha. Na Líbia, em 1977, Qaddafi cria a Jamahiriyya [Estado das Massas, palavra em árabe semelhante a República], baseada nas teorias do seu Livro Verde. No Iraque regista-se um período de modernização do país, conduzido pelo presidente Ahmed Hassan al-Bakr e pelo seu adjunto Saddam Hussein. É o Baath iraquiano a tentar ultrapassar o Baath sírio. Em Marrocos Hassan II escapa a dois atentados, em 1971 e 1972 e em 1975 lança a marcha Verde para ocupação pacífica do Sahara espanhol, pondo em xeque o apoio de Bumedienne à guerrilha sahraui da Frente Polisario. Na Tunísia, Burguiba, nomeado em 1975 presidente vitalício, mas já senil e desgovernando o país, depois dos "motins do pão" (1984), é destituído em 1987 pelo seu primeiro-ministro Ben Ali, golpe de Estado acolhido pela população com um sentimento de alívio, que haveria mais tarde de transformar-se em desilusão.
Em 1979, uma revolução depõe o Xá do Irão, funda a República Islâmica e eleva a Guia Supremo o ayatollah Khomeiny, o que constitui um golpe para Israel, que mantinha com Mohammed Reza Pahlevy relações cordiais. Uma geração de militantes iranianos comunistas converte-se agora ao islamismo. Em 1980, Anwar al-Sadat e o ex-terrorista do Irgun Menahem Begin, reconvertido em primeiro-ministro de Israel, assinam na Casa Branca, sob a égide de Jimmy Carter, um tratado de paz entre o Egipto e Israel, sem a mínima concessão aos palestinianos, deixando as mãos livres a Israel para continuar a colonização da Cisjordânia e de Gaza. Sadat obtém a restituição progressiva do Sinai, e uma considerável ajuda financeira anual que dura até aos nossos dias. O presidente egípcio, que já discursara no Knesset em Jerusalém em 1977, o que levara a Liga Árabe a transferir a sede do Cairo para Tunis em 1979, é assassinado em 1981, durante uma parada, por Khalid Islambuli, membro da Gama'a Islamiyya, sendo substituído por Hosni Mubarak. Em 1980, Saddam Hussein, presidente desde 1979 após a deposição de al-Bakr, decide invadir o Irão. O conflito durará oito anos e fará centenas de milhares de mortos. A Síria solidariza-se com o Irão e a Arábia Saudita e as petromonarquias com Saddam. O desequilíbrio de 1979 consolida as tendências despóticas dos regimes árabes que haviam tremido nas suas fundações. Saddam Hussein é o primeiro a empreender uma via autenticamente totalitária, o que o dispensa dos plebiscitos a que recorrem ainda os seus pares árabes. Este desequilíbrio leva a uma polarização comunitária em torno da República Islâmica
do Irão "xiita" por um lado, e do Baath iraquiano "sunita", por outro. Nesta confrontação, o Baath sírio é aliado da primeira e inimigo do segundo. De facto, o discurso supostamente laico do Baath mascara a hegemonia de uma minoria dirigente no seio de uma minoria confessional (sunita no Iraque, alauíta na Síria). Esta minoria da minoria, controla os serviços de repressão e o partido-Estado. Os sunitas do Iraque e os alauítas da Síria ficaram assim reféns do "bando" no poder e tornados objecto da vindicta da maioria da população, quando eles mesmos, tal como os seus compatriotas, eram excluídos da redistribuição dos privilégios do regime. Os textos do Baath são os mesmos em Baghdad e em Damasco, mas conforme o local justificam estratégias diametralmente opostas. Saddam apoia os islamistas sírios contra Assad, enquanto se entrega a uma guerra total contra a República Islâmica do Irão. Por seu lado, Assad apoia os islamistas iraquianos contra Saddam, devido à aliança estratégica entre Damasco e Teherão.
Na Argélia, a morte súbita de Bumedienne em 1978 leva Bendjedid ao poder. Verifica-se alguma liberalização económica mas o controlo militaro-policial permanece intacto. Abrem-se processos de corrupção cuja principal finalidade é eliminar adversários políticos. O próprio Abdelazziz Buteflika, eterno ministro dos Negócios Estrangeiros, e que é actualmente, desde 1999, presidente da república, teve de exilar-se em Abu Dhabi. François Mitterrand, eleito presidente em 1981, entende tornar a relação franco-argelina um modelo de cooperação Norte-Sul. Os resultados não serão famosos. De Gaulle tinha reequilibrado a diplomacia francesa à custa de Israel, Pompidou tentara conceptualizar uma "política árabe" e Giscard d'Estaing criticara a paz separada entre Israel e o Egipto, em nome do direita do povo palestiniano à autodeterminação. Será, contudo, Mitterrand o presidente da V República a ser mais activo no Médio Oriente: amigo fiel dos judeus mas sempre exigente em relação a eles. Em Março de 1982, em visita a Israel, no Knesset, quebrará um duplo tabu, falando ao mesmo tempo da OLP e do direito dos palestinianos a um Estado. Quando Begin e Ariel Sharon, seu ministro da Defesa, decidem em Junho (1982) a invasão do Líbano a fim de destruir os "terroristas" da OLP, Mitterrand consegue evitar uma feroz batalha em Beirute e obtém, em Agosto, a retirada "digna" de Arafat e dos seus milhares de partidários armados. A sua partida da capital libanesa far-se-á por mar sob a protecção francesa, o que provocará a fúria de Sharon, que havia jurado matar Arafat. O desmantelamento do "Estado dentro do Estado" palestiniano no Líbano entrega a si mesmos os milhares de milicianos xiitas até então empregados pela OLP. Não tardarão a constituir uma organização, o Partido de Deus (Hezbollah) com a contribuição activa dos serviços de informação sírios e dos Guardas da Revolução iranianos. O Hezbollah só aparecerá publicamente em 1985, actuando durante os três anos precedentes sob outras designações, entre as quais, a Jihad Islâmica. [É durante o ataque israelita de 1982 - Filiu omitirá esse facto no livro - que se verificará, em Setembro, o tristemente célebre massacre dos campos palestinianos de Sabra e Chatila, por falangistas libaneses, com o apoio do exército israelita. Este episódio foi imortalizado por Jean Genet no seu inolvidável texto "Quatre heures à Chatila"].
A guerra com o Irão, que durou oito anos e não teve vencedores nem vencidos, arruinou o Iraque que resolveu exigir compensações aos Estados do Golfo, afirmando que a sua luta tinha protegido as petromonarquias da expansão iraniana. Assim, em Agosto de 1990, Saddam resolveu invadir e anexar o Kuwait. Uma vaga de apoio percorre o mundo árabe e Saddam é associado à figura mítica de Saladino (ambos nascidos na cidade iraquiana de Tikrit, ainda que Saladino fosse curdo e Saddam árabe). Por razões diversas Ben Ali, da Tunísia, Saleh, do Yemen, Hussein, da Jordânia e Arafat tomam o partido de Saddam. Ao contrário, o Egipto de Mubarak e a Síria de Assad, vendo na crise do Kuwait uma oportunidade inesperada de regressar ao centro do jogo no Médio Oriente, para o primeiro, e a forma de validar o seu "protectorado" no Líbano, para o segundo, tomam o partido da Arábia Saudita, que apela a centenas de milhares de militares americanos para proteger o seu território, onde se haviam refugiado o emir al-Sabah e a família. É a operação "Tempestade do Deserto", que incluirá em breve tropas egípcias e sírias. Mesmo na Arábia, o recurso a forças "infiéis" provoca um choque imenso. Osama Bin Laden tem uma entrevista tempestuosa com o ministro da Defesa que se recusa a aceitar como voluntários os seus "veteranos" da guerra do Afeganistão, omitindo que eles lhe deviam obediência absoluta enquanto comandante da secretíssima Al-Qaida. A ruptura de Bin Laden com a família Saud é agora total. Os Irmãos Muçulmanos esforçam-se por adoptar uma posição intermédia, entalados entre a sua base (pró-Saddam) e os seus poderosos padrinhos do Golfo. Por isso, condenam ao mesmo tempo a anexação do Kuwait pelo Iraque e o recurso saudita a tropas americanas. A Arábia fica furiosa e expulsa do reino wahhabita os Irmãos, que são substituídos, nas instituições de ensino, por salafistas, adeptos de uma interpretação literal, portanto estritamente apolítica, dos textos sagrados. O seu chefe, um sheikh de origem síria, Nasiruddin el-Albani, proclama que "a melhor política é o abandono da política". [observo que as suas opiniões nem sempre foram bem acolhidas pelas instâncias sauditas]. Pela sua parte, Assad nem espera pelo início das hostilidades contra o Iraque. As tropas sírias esmagam as últimas bolsas de resistência em Beirute-Leste e os acordos celebrados na Arábia Saudita põem fim à "guerra civil" no Líbano, mas na verdade trata-se de consagrar o "protectorado" sírio sobre o país, conforme o "tratado de fraternidade" entre Damasco e Beirute. Em 16 de Janeiro de 1991 [e não 15 como escreve o autor], a coligação sob a égide dos Estados Unidos começa a bombardear o Iraque, um ataque que se prolongará até ao fim de Fevereiro, quando é anunciado um cessar-fogo por parte dos americanos, uma vez derrotados os iraquianos e regressado o emir al-Sabah ao Kuwait. São aplicadas pela ONU sanções internacionais contra o Iraque, cujas consequências, como de costume, apenas afectarão o povo.
O sexto capítulo, "Du bon usage de la terreur (1991-2011). L'ère des pompiers pyromanes", começa por evocar a expulsão por Israel de centenas de islamistas do sul do Líbano. Esta atitude permite ao Hamas assimilar as técnicas do Hezbollah e estabelecer uma colaboração entre os dois grupos, apesar do Hamas ser sunita e o Hezbollah ser xiita. O Hamas cria um ramo militar, as Brigadas Ezzedine al-Qassem, do nome do precursor da revolta palestiniana de 1936, a fim de reivindicar uma herança nacionalista anterior à OLP. E chegamos ao "bom uso do terror". «D'une manière générale, le stigmate du "terrorisme" a toujours été brandi par les différentes puissances occupantes pour s'abstraire des contraintes du droit de la guerre et flétrir la légitimité de la résistance locale. Les Britanniques ont qualifié les Arabes, puis les Juifs, de "terroristes" en Palestine, terme également employé à satiété par les Français en Algérie, puis par Israël envers les Palestiniens et les Libanais (ainsi que De Gaulle l'avait anticipé dès 1967)» O desmoronamento do império soviético e o fim da guerra fria levam a hiperpotência americana a lançar os fundamentos de uma "nova ordem mundial" no Médio Oriente. Saddam Hussein apertado pelas sanções da ONU não pode representar um inimigo à medida desta "nova ordem". É então que a ameaça difusa do "terrorismo islâmico"se impõe no discurso estratégico e na planificação militar. Os dirigentes árabes não tardarão a compreender o benefício que podem tirar de uma tal deriva ideológica. Os primeiros a agitar o espantalho do "terrorismo islâmico" para recusar o veredito das urnas serão os generais argelinos. Mas será no longínquo Afeganistão que se desenvolverá a primeira organização terroristas com vocação planetária. À globalização deste terror responderá a globalização da campanha conduzida pelos Estados Unidos para o erradicar. Os povos árabes serão, mais uma vez, as primeiras vítimas. Na Argélia, as manifestações de Outubro de 1988 serão reprimidas com ferocidade. A FLN designa Bendjedid como candidato à sua própria sucessão, mas surge o Front Islamique du Salut (FIS), que capitaliza o descontentamento nacional face à corrupção generalizada. Em 1990 o FIS ganha as eleições municipais e em Maio de 1991, protestando contra a reorganização eleitoral, ocupa os lugares públicos. É proclamado o estado de sítio. Na primeira volta das legislativas, em Dezembro de 1991, o FIS obtém 47,5% dos votos. Não haverá segunda volta. Os militares forçam Bendjedid a demitir-se e é convidado Mohammed Budiaf para presidir ao novo Haut Comité d'État (HCE). O FIS e as municípios islamistas são dissolvidos. Milhares de militantes são encarcerados. Em vão, Budiaf tenta travar a repressão militar mas é assassinado em Annaba [cidade onde morreu Santo Agostinho] por um dos seus guarda-costas. O FIS é rapidamente desmantelado, o que é facilitado devido à sua actividade legal, mas surgem núcleos jihadistas que propõem a luta armada, seja na clandestinidade, seja na guerrilha e que formam o GIA (Groupe Islamique Armé). A violência agrava-se com dezenas de milhares de mortos. O FIS, radicalizado pelo fracasso da via eleitoral, dota-se, além do GIA, de uma outra milícia, a Armée Islamique du Salut (AIS), segundo um modelo que lembra os "harkis" do exército francês durante a guerra de libertação. Em 1995, Liamine Zerual é eleito presidente da república, mas a intranquilidade é total. Minado por lutas intestinas o GIA entrega-se a uma guerra em todas as frentes e surge uma minoria dissidente, o Groupe Salafiste pour la Prédication et le Combat" (GSPC), que se compromete a atacar apenas as forças de segurança. O exército acaba por reconhecer a sua incapacidade para erradicar a insurreição e a necessidade de coabitar com um "terrorismo residual". Zerual abandona a cena e os "decisores" recorrem ao antigo ministro Buteflika, exilado no Golfo desde 1980, que vence as eleições de 1999, e faz validar por referendo plebiscitário a sua política de "concórdia civil". Esta década negra salda-se por 150 000 mortos, no mínimo, e muitos milhares de "desaparecidos". Uma guerra que teve um único vencido, o povo argelino, e diversos vencedores, os senhores da guerra de todas as tendências.
Na sequência da libertação do Kuwait, George Bush (pai) pretende lançar as bases de uma "nova ordem mundial" e os Estados Unidos e a URSS (que desaparecerá pouco depois) convocam ma conferência em Madrid (1991). Desenrolam-se quatro séries de negociações bilaterais, sob a exclusiva égide dos americanos: de uma parte Israel e da outra a Síria, o Líbano e a Jordânia. A OLP é excluída mas é convidada uma delegação palestiniana dirigida por Haydar Abdel Shafi, personalidade nacionalista de Gaza. Entretanto a intifada prossegue na Cisjordânia e em Gaza. Com um novo governo trabalhista em Israel (1992), iniciam-se conversações secretas na Noruega que se concluem pelos Acordos de Oslo, assinados na Casa Branca por Itzhak Rabin e Yasser Arafat, sob o patrocínio de Bill Clinton (1993). Há um reconhecimento mútuo entre Israel e a OLP e o compromisso de ser estabelecida uma "Autoridade Palestiniana" (AP) sobre os territórios evacuados por Israel. A AP instala-se em 1994 na Faixa de Gaza e na cidade de Jericó, o único enclave da Cisjordânia que Israel aceitou evacuar. Em 1995 Rabin e Arafat assinam em Washington o acordo "Oslo II" que divide a Cisjordânia em três zonas: Zona A, de competência palestiniana, Zona B, de competência exclusivamente israelita, Zona C, de competência partilhada. Contestado pela extrema-direita israelita de Benyamin Netanyahu, Rabin é assassinado em 1995. O Hamas multiplica os atentados suicidas e em 1996, numa conferência em Sharm el-Sheikh, por iniciativa de Clinton, não se alcançam resultados palpáveis. Ainda nesse ano, "Bibi" Netanyahu derrota os trabalhistas, e como feroz opositor dos acordos de Oslo esvazia-os de conteúdo, intensificando a colonização. E, em 1997, manda assassinar Khaled Mechaal, dirigente do Hamas, que se encontrava exilado na Jordânia. Os serviços secretos jordanos interceptam os espiões e o rei Hussein tem uma fúria e ameaça Clinton de denunciar os acordos de paz com Israel. Netanyahu é obrigado a enviar o antídoto do veneno capaz de salvar Mechaal. E é mesmo constrangido a libertar o sheikh Ahmed Yassin, fundador do Hamas. Começa entretanto a declinar o pretígio da OLP e do seu presidente, em relação ao Hamas. O nepotismo de Arafat, a corrupção dos seus confidentes alimentam um clima deletério na Cisjordânia e em Gaza. O novo governo israelita de Barak (trabalhista), com o qual Arafat conta, está todavia longe da política de Rabin e mais próximo de "Bibi". Em 2000, Barak ordena a retirada unilateral do Líbano o que leva o Hezbollah a clamar vitória. Ainda em 2000 (Julho), Clinton reúne em Camp David Barak e Arafat. Uma cimeira mal preparada que resulta em nada. A questão de Jerusalém divide em absoluto os dois líderes. Em Setembro, Ariel Sharon, que pretende arrebatar a Netanyahu a direcção do partido Likud, visita dois dias seguidos a Esplanada das Mesquitas em Jerusalém (terceiro lugar santo do islão, depois de Meca e Medina), reivindicado pelos judeus como o Monte do Templo. Esta visita, sob poderosa escolta policial, desencadeia incidentes sangrentos que se estendem a todo o território palestiniano. É a segunda intifada. Face às brigadas al-Qassem, do Hamas, o Fatah cria as brigadas dos Mártires de al-Aqsa [Al-Aqsa é o nome da grande mesquita da Esplanada, onde se encontra também a Cúpula do Rochedo, tudo isto conhecido em árabe com Haram al-Sharif]. Em Fevereiro de 2001, Sharon é eleito primeiro-ministro.
Regressando a Bin Laden, expulso da Arábia Saudita instala-se no Paquistão e depois no Sudão, onde cria a rede Al-Qaida, à qual comete uma missão revolucionária contra o inimigo longínquo, ontem a URSS, hoje os EUA, e o inimigo próximo, os regimes falsamente muçulmanos. No Afeganistão, os taliban vão derrotando progressivamente os senhores da guerra que haviam partilhado o território depois da retirada soviética e é lá que Bin Laden se instala, sob a protecção do mollah Omar.Também o Qatar, que partilha com os Saud as mesmas convicções wahhabitas mas quer afirmar-se face à Arábia Saudita, decide criar em Novembro de 1996 uma cadeia de televisão por satélite, a Al-Jazira (cujo nome em árabe significa "ilha" mas também "península", como referência à Península Arábica, um desafio à Arábia Saudita). A multiplicação das cadeias por satélite quebra o monopólio das propagandas de Estado no mundo árabe e a difusão das parabólicas transforma as práticas culturais no conjunto do Maghreb.
Na prossecução da sua luta contra os "dois" inimigos, Bin Laden e o seu adjunto Ayman Al-Zawahiri decidem atacar o território americano a fim de desencadear como represália uma intervenção que desequilibraria o Médio Oriente. São os atentados de 11 de Setembro de 2001 em New York e Washington, que provocam mais de 3 000 mortos. [A afirmação de Jean-Pierre Filiu de que os ataques contra os EUA foram desencadeados pela Al-Qaida não é unanimemente perfilhada e importa que se diga que muita coisa até hoje não foi devidamente esclarecida. O investigador francês Thierry Meyssan, entre muita gente, publicou interessantes livros sobre o assunto]. De qualquer forma, os atentados permitem a George W. Bush lançar, em Outubro de 2001, uma "guerra global contra o terror", entendendo-se que este terror é, por definição, "islâmico". As ditaduras árabes compreendem a vantagem de se associar à "guerra global" de Washington. Qaddafi, Ben Ali e Mubarak denunciam a mão da Al-Qaida nas oposições aos seus regimes. Uma "coligação" invade o Afeganistão, supostamente sede da Al-Qaida e os taliban são afastados do poder. Os EUA impõem Hamid Karzai como presidente, apesar da maioria da população preferir o restabelecimento da velha monarquia na pessoa de Zahir Shah. Bin Laden e Zawahiri fogem para o Paquistão, onde uma larga camada da população os apoia.
Mas os americanos têm uma estratégia mais abrangente. Estes atentados dão-lhes a possibilidade de derrubar Saddam Hussein, aproveitando até o perigo da permanência no norte do Iraque do jihadista jordano Abu Mussab al-Zarqaui. Em Março de 2003 os Estados Unidos encabeçam uma coligação que invade o Iraque, sob o falso pretexto da existência de armas de destruição maciça. Participam, nomeadamente, a Grã.Bretanha, a Espanha, a Itália e a Polónia. Esta decisão divide profundamente a União Europeia, já que a França e a Alemanha se recusam categoricamente a apoiar esta iniciativa. É evidente que face ao potencial do atacante o regime de Saddam se desmorona em pouco tempo. Os Estados Unidos cometem então todos os erros possíveis: dissolvem o exército iraquiano e banem da administração todos os membros do partido Baath, isto é, procedem ao desmantelamento do Estado iraquiano. Porque a elite do poder era fundamentalmente sunita, acentua-se o conflito com xiitas e curdos. Em breve é desencadeada uma insurreição no país, e uma jihad anti-americana atrai voluntários do mundo inteiro. Na Argélia, desaparecido o GIA, a sua dissidência GSPC consagra-se ao recrutamento em toda a África do Norte de militantes dispostos a combater no Iraque. Esta "globalização" conduz o GSPC a transformar-se em Al-Qaida do Maghreb Islâmico (AQMI). Os comandos da Al-Qaida na Península Arábica (AQPA) vão iniciar na Arábia Saudita uma campanha terrorista de grande fôlego. Após a morte de Zarqaui, em Junho de 2006, o ramo local da Al-Qaida transforma-se em Estado Islâmico do Iraque. A segurança no continente europeu é também desestabilizada: 191 mortos no atentado jihadista de Madrid, em Março de 2004; 56 mortos nos atentados de Londres, em Julho de 2005. Em Israel, o primeiro-ministro Sharon aproveita a situação para reprimir a intifada e declara: "cada um tem o seu próprio Bin Laden, Arafat é o nosso Bin Laden". O exército israelita reocupa a Cisjordânia em Março de 2002 e Arafat fica sitiado no seu quartel-general de Ramallah, donde só sairá, gravemente doente, em Outubro de 2004. Evacuado para França, morre pouco depois num hospital militar [nunca foram divulgadas as causas da morte] e Mahmud Abbas sucede-lhe à frente da Autoridade Palestiniana. Na lógica seguida por Barak no Líbano em 2000, Sharon evacua os militares e os colonos israelitas da Faixa de Gaza em Setembro de 2005.
Eleito presidente em 1995, Chirac pretende refundar uma "grande política árabe". Mantendo uma relação privilegiada com o primeiro-ministro libanês Rafic Hariri, Chirac considera essencial estabelecer uma cooperação com o presidente Hafez al-Assad, a fim de aliviar a tutela síria sobre o Líbano. Contudo, o assassinato de Hariri no centro de Beirute em Fevereiro de 2005 é um dos grandes choques da vida do presidente francês. Este atentado, comanditado por Damasco, torna Chirac obcecado pela vontade de punir Assad (filho). Apoia a "revolução do Cedro" libanesa que obriga o exército sírio a abandonar o país após 29 anos de ocupação e tenta obrigar o Hamas (cujos laços com Assad são conhecidos) a reconhecer explicitamente os acordos de Oslo, sob pena de sanções da União Europeia. O Hamas recusa categoricamente, cresce a tensão em Gaza entre o Fatah e o Hamas, e em Junho de 2007 as Brigadas al-Qassem expulsam os partidários do presidente Abbas, cuja Autoridade fica desde então confinada à Cisjordânia.
No Iraque, Bush (pai) tinha permitido o extermínio da resistência iraquiana com medo que ela se aliasse ao Irão. Bush (filho), ao demolir o Estado Saddam no Iraque, abriu literalmente as portas ao Irão, tanto mais que o futuro primeiro-ministro iraquiano Nuri al-Maliki (xiita) era desde a primeira hora um aliado do Irão. A invasão americana do Iraque implantou a Al-Qaida no coração do Médio-Oriente e galvanizou as redes jihadistas em toda a região. Com o pretexto de lhes fazer frente, e com a complacência do Mundo (que prefere a "estabilidade"), os ditadores árabes aumentam a repressão dos regimes. A exemplo de Assad, na Síria, Mubarak, no Egipto, Qaddafi, na Líbia e Saleh, no Yemen, preparam os seus filhos para subirem ao trono presidencial. É então que os povos árabes vão retomar a dinâmica do seu Renascimento, e para espanto generalizado, sublevar-se em defesa dos seus direitos.
O sétimo e último capítulo, "Révolution et contre-révolution (2011-2015). Dictateurs et jihadistes, même combat", encerra esta análise do conturbado relacionamento entre o Mundo Ocidental e o Mundo Árabe e entre os árabes entre si.
Um conhecimento mais aprofundado da situação mundial, graças às novas tecnologias, e uma melhoria, anda que relativa, do nível de vida, levam as populações árabes a tomarem consciência da situação de bloqueio em que se encontram, governadas por regimes corruptos. Estão criadas as condições para que seja retomada uma dinâmica de efervescência cultural como na Nahda do século XIX. Tudo se desmorona [a crer nas versões oficiais] com o episódio de Sidi Buzid (na Tunísia) onde, em 17 de Dezembro de 2010, Mohammed Buazizi, um vendedor ambulante de 26 anos, tendo-lhe sido apreendida a padiola onde vendia sem licença, se imola em frente à prefeitura. Este acto provoca uma sublevação geral no país, e em 14 de Janeiro de 2011, o presidente Ben Ali, sem o apoio do exército, é constrangido a fugir para a Arábia Saudita. No Egipto, em 25 de Janeiro, a população ocupa a célebre praça At-Tahrir, no centro do Cairo. Tentando acalmar os manifestantes, Mubarak nomeia o general Omar Suleiman, chefe dos serviços secretos, como vice-presidente da República. As manifestações prosseguem um pouco por todo o país, e em 11 de Fevereiro, Mubarak demite-se da presidência e voa para Sharm el-Sheikh. Um Conselho Superior das Forças Armadas (CSFA) [presidido pelo marechal Tantawi] assume o poder. Mas ao contrário da Argélia de 1992, em que os "decisores" que derrubaram Bendjedid enterraram o veredicto das urnas, aqui os generais egípcios anunciam eleições rápidas. No Bahreïn, em 14 de Fevereiro de 2011, os manifestantes ocupam a praça da Pérola, no centro da capital, Manama, para exigir uma constituição democrática, não pondo em causa a família reinante dos Khalifa (sunitas, num país maioritariamente xiita). Também em Sana, os contestatários yemenitas ocupam a prça Tahrir, mas são expulsos pelos partidários de Saleh. Na Argélia, o Regime tenta apaziguar os protestos, levantando o estado de emergência, embora as manifestações sejam brutalmente dispersadas na capital. Em 17 de Fevereiro, é a vez dos protestos eclodirem em Benghazi, degenerando em violentas confrontações. Em 20 de Fevereiro, manifestações em Marrocos pedem a "reforma" do regime, sem pôr em causa Mohammed VI, que promete uma nova constituição. Por seu lado, o rei Abadallah da Arábia Saudita anuncia um "pacote social" de 36 mil milhões de dólares, seguido de um "programa" de 93 mil milhões de dólares, que tem o mérito de cortar o mal pela raiz. O "Dia da Cólera" previsto para 11 de Março não terá lugar. Em 14 de Março de 2011, um milhar de soldados sauditas e 500 polícias dos Emirados penetram no Bahreïn e expulsam os manifestantes da praça da Pérola. É uma contra-revolução do tipo clássico. Em 15 de Março começam as manifestações em Deraa, cidade síria próxima da fronteira jordana, que são violentamente reprimidas. É o início da insurreição na Síria. Sarkozy, que tentou segurar Ben Ali, acede ao telefonema de Bernard-Henri Lévy (autoproclamado enviado à Líbia) que lhe anuncia por telefone a constituição em Benghazi do Conselho Nacional de Transição (CNT), chefiado por Mustafa Abdeljelil. De imediato, o presidente francês recebe Abdeljelil no Eliseu e anuncia que a França retira o seu reconhecimento diplomático ao regime de Qaddafi para o conceder ao CNT (Março de 2011). Obtida a intervenção da NATO, a pedido de Paris (já que Sarkozy pensa que arvorar-se em chefe de guerra lhe trará prestígio para as eleições presidenciais seguintes), com o pretexto de evitar um banho de sangue em Benghazi, em breve a campanha "ocidental" ficará atolada no pântano que ainda hoje se verifica. Em 20 de Agosto, os insurrectos líbios ultrapassam as "instruções" da NATO e lançam o assalto a Tripoli que cairá rapidamente. Em 15 de Setembro, Sarkozy e David Cameron vão Tripoli celebrar a libertação, enquanto os combates dos fiéis a Qaddafi prosseguem nos bastiões de Beni Walid e de Syrta. Qaddafi será assassinado um mês mais tarde. Na Síria, surge entretanto o Conselho Nacional Sírio (CNS), mas dada a composição do mesmo, a França e os seus parceiros ocidentais colocam problemas ao seu reconhecimento. O CNS procura então apoio dos seus padrinhos estrangeiros, a Turquia e o Qatar (que favorecem os Irmãos Muçulmanos) e a Arábia Saudita (que sustenta os seus fiéis salafistas). Na Líbia, surge também a confrontação entre as milícias apoiadas, umas pelo Qatar, outras pelos Emirados. Nas eleições para a assembleia constituinte tunisina (2011), os islamistas do Ennahda obtêm 36% dos votos; nas eleições marroquinas de 2012, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (PJD) obtém 29%. Em ambos os casos os islamistas constituem um governo de coligação. Nas eleições egípcias, os Irmãos Muçulmanos obtêm 37% dos votos contra 25% dos salafistas (que por pressão da Arábia, contrariamente à sua doutrina, tinham aceite participar na luta política). Contudo, o CSFA continua a monopolizar o poder executivo. «Il n'en faut pas plus pour que les commentateurs, qui n'avaient salué que du bout des lèvres le "printemps arabe", se répandent en considérations sur l' "automne islamiste" et l' "hiver intégriste".»
No Yemen, a Arábia Saudita consegue uma solução de transição, com a transferência do poder do presidente Saleh para o vice-presidente Abd Rabbo Mansur Hadi. Esta fórmula é recusada pelo coligação revolucionária mas aceite pelos partidos da oposição, dos quais o Islah (Reforma). Os incidentes continuam e Hadi consegue convocar um Diálogo Nacional que se conclui em Janeiro de 2014 por um pacto comprometendo todas as forças políticas. Mas a guerrilha dos Huthistas, activa no extremo-norte do país, recusa aceitar as conclusões do diálogo em que havia participado. Os huthistas representam uma forma extrema de afirmação da identidade zaydita, uma dissidência do xiismo que marcou o imamato do Yemen durante um milénio. O Irão, já desde 2012, apoiava maciçamente os huthistas, que reconstituiram a sua milícia, denominada Ansarullah, como equivalente do Hezbollah libanês. Saleh, cuja aposta sobre os jihadistas da AQPA fracassara em sabotar a transição democrática, vira-se para os seus antigos inimigos de Ansarullah, a quem os seus próximos vão abrir as portas de Sana, em Setembro de 2014. Hadi, inicialmente detido foge em Fevereiro de 2015 para Aden, onde instala o seu governo legítimo, o único reconhecido pela comunidade internacional. A Arábia concede-lhe apoio activo, enquanto o Irão apoia Ansarullah (que logicamente apoia Bashar al-Assad). Num país que nunca conhecera conflitos entre sunitas e xiitas, estão criadas as condições pra um confronto entre huthistas e jihadistas, de que Saleh, jogando em dois tabuleiros, conta sair vencedor. O Ansarullah lança uma ofensiva contra Taez em Março de 2015 e aproxima-se perigosamente de Aden. O presidente Hadi refugia-se na Arábia Saudita, que vai encabeçar uma coligação (Emirados, Qatar, Kuwait, Bahreïn, Egipto e Jordânia) que lança uma campanha de bombardeamentos aéreos no Yemen, que infligem pesadas perdas na população civil. Ali Abdallah Saleh, que foi senhor do Yemen de 1978 a 2012, apresenta-se então como solução de recurso, pois estando solidamente implantado no campo huthista, preservou as suas cumplicidades jihadistas. E surgem em Sana manifestações a favor da sua candidatura às eleições presidenciais antecipadas. As tribos do Yemen do Norte, qualificadas como monárquicas, e sustentadas pela Arábia Saudita durante a guerra 1962-1970, são daqui em diante assimiladas ao Irão "xiita" e combatidas pela mesma Arábia. «Ce rappel historique démontre l'incapacité de la grille d'interprétation confessionelle (sunite/chiite) à rendre compte de la dynamique contre-révolutionnaire à l'oeuvre dans tout le monde arabe.»
Os Estados Unidos e a União Europeia tentaram validar na Síria a "fórmula yemenita" que sabemos hoje não obteve sucesso. Assim, publicaram em 2012 um "Plano Árabe de Paz", na sequência de uma missão de observadores da Liga Árabe terem procedido a uma análise no terreno sobre a repressão governamental. O plano previa a devolução do poder ao vice-presidente Faruq Sharaa, que seria obrigado a abrir um diálogo com a oposição com vista à constituição de um governo de unidade nacional e à consequente marcação de eleições livres. Mas uma intervenção militar da ONU ficou excluída, depois do veto da Rússia e da China no Conselho de Segurança, escaldados que estavam com o caminho que fora seguido na Líbia. O plano foi aceite pela Assembleia Geral da ONU que mandatou o antigo secretário-geral, Kofi Annan para o implementar. Todavia, Annan, contrariamente ao estabelecido, resolveu dirigir-se a Damasco em Março de 2012 para se encontrar previamente com Assad. Os 300 obsevadores da ONU no terreno também não lograram obter um cessar-fogo. A escalada levou os Estados Unidos e a França a expulsarem os embaixadores da Síria e a encerrarem as representações em Damasco mas os restantes países continuaram a reconhecer o regime de Assad. Além da indulgência da ONU, Assad podia contar com a ameaça do terror jihadista junto das opiniões públicas árabes e ocidentais, como o caso da Frente Al-Nusra (Apoio), ramo sírio do Estado Islâmico do Iraque, cujos atentados-suicidas devastadores foram condenados pela oposição síria mas saudados por Ayman al-Zawahiri, que sucedera à frente da Al-Qaida a Bin Laden, morto em Maio de 2011 no Paquistão. Com a continuação dos massacres, o CNS deixou de poder impor-se ao Exército Sírio Livre (ASL), que ficou transformado em diversos grupos armados que prosseguiram a guerrilha. Tudo se agravou coma intervenção descoordenada dos mecenas privados do Golfo, sauditas ou qataris [Filiu escreve "koweïtiens" em vez de qataris mas é um lapso]. Em Julho de 2012 a insurreição síria lança uma grande ofensiva comtra Damasco e Alepo. O regime aguenta a capital mas Alepo fica partida entre o Oeste (leal ao regime) e o Leste (revolucionário). Em Agosto de 2012 Obama coloca linhas vermelhas a Assad: a utilização de armas químicas, levando-o a pensar que respeitando esta condição tudo o resto lhe será permitido. E intensifica a luta. É evidente que os serviços americanos e europeus fornecem discretamente apoio à rebelião síria. Entretanto, os Guardas da Revolução Iranianos e o Hezbollah libanês apoiam Assad nas operações de contra-guerrilha. Em Março de 2013, Raqqa, cidade síria do vale do Eufrates que fora considerada como "cidade aberta" é ocupada pela Frente Al-Nusra e um mês mais tarde, num golpe de teatro, é proclamado o Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ou do Levante) designado pelo acrónimo árabe de Daesh. Abu Bakr al_Baghdadi, chefe do movimento, não consegue submeter os seus antigos aliados de Nusra, que se apresentam agora como ramo sírio da Al-Qaida. A oposição síria é uma das primeiras vítimas desta polarização confessional entre xiitas e sunitas (estes mesmo divididos entre Daesh e Nusra). Por outro lado, no Iraque o sectarismo brutal do primeiro-ministro xiita Nuri al-Maliki provoca uma verdadeira sublevação sunita, da qual Daesh se aproveita para ocupar terreno no oeste e no norte do país. Pensando dar o golpe de misericódia à coligação revolucionária, Assad ordena o bombardeamento dos arredores de Damasco, em 21 de Outubro de 2013, por obuses carregados com uma mistura de químicos e de explosivos convencionais, mas não é o suficiente para destruir a resistência. [Há quem afirme que este bombardeamento químico não foi efectuado pelas tropas governamentais, um assunto não completamente esclarecido]. Washington, Paris e Londres resolvem atacar militarmente a Síria por ter ultrapasado as linhas vermelhas, mas, no último momento, Obama recua e, com a concordância da Rússia, é estabelecido um acordo sobre o total desarmamento químico da Síria. A guerrilha síria decide efectuar em Janeiro de 2014 a sua "segunda revolução" e consegue expulsar Daesh das províncias de Alepo e de Idlib. O regime de Assad intensifica os bombardeamentos, especialmente na zona rebelde de Alepo, e a coligação revolucionária, obrigada a lutar em duas frentes, contra Assad e contra Daesh, é abandonada pelos Estados Unidos que desejam outro acordo com a Rússia, menos sobre a crise síria do que sobre o nuclear iraniano. Em Junho de 2014, Daesh apodera-se da cidade iraquiana de Mossul, a terceira do país, e recupera armamento americano no valor de milhões de dólares que as tropas iraquianas deixam ficar na debandada. Em Julho, al-Baghdadi proclama-se "califa Ibrahim" e começa a reunir apoios na galáxia jihadista, apesar dos protestos de Zawahiri. Em Agosto, Obama decide-se a lançar uma campanha de bombardeamentos contra Daesh no Iraque, alargada à Síria em Setembro. Durante os primeiros anos da crise síria foram mortas cerca de 250 000 pessoas e metade da população teve de abandonar os seus lares, deslocando-se no país ou fugindo para o estrangeiro. As devastações infligidas ao património cultural como às infraestruturas de base são terríveis. A coligação revolucionária persiste na sua determinação de derrotar Daesh e Assad, mas a situação tende a modificar-se, conforme se pode constatar pelos desenvolvimentos posteriores à publicação deste livro e que, por isso, não analisaremos.
Na Tunisia, após vários acidentes de percurso que Filiu não descreve, foi adoptada uma constituição em Janeiro de 2014, que funda a Segunda República. No Egipto, em Junho de 2012, o candidato islamista Mohammed Morsi ganha as elieções presidenciais por 51,7 % dos votos. Julgando poder submeter o CSFA, afasta dois meses mais tarde o marechal Tantawi, mas a nomeação de Abdelfattah al-Sisi como ministro da Defesa marca a chegada ao poder de uma nova geração de generais, mais políticos do que os anteriores da época Mubarak. A política muito partidarizada de Morsi leva Sisi a restabelecer os canais com a juventude revolucionária, que lança em Abril de 2013 o movimento Tamarud (Rebelião, em árabe). Manifestações imensas são desencadeadas contra Morsi, que é finalmente derrubado por um golpe militar em Julho de 2013. Em meados de Agosto, um milhar de pessoas recusando as ordens de abandonar os locais que ocupava em protesto contra a nova tutela miltar é aniquilado pelos militares. «La coïncidence entre ce bain de sang et le carnage chimique de Damas n'est pas fortuite. Sissi et Assad misent en effet sur le retournement contre-révolutionnaire de l'opinion occidentale, tout en étant habités, comme les "décideurs" algériens avant eux, par le fantasme d'une "éradication" de la contestation islamiste.» Em 2014, o marechal al-Sisi é eleito presidente com 97% dos votos, e conta com o apoio financeiro da Arábia e dos Emirados que temem sempre uma desestabilização do Egipto. Na Tunísia, depois da vitória dos nacionalistas nas presidenciais e nas legislativas do Outono de 2014, os islamistas aceitam uma participação ultra-minoritária num governo de recuperação nacional.
* * * * *
O livro, embora publicado recentemente, ocupa-se apenas dos acontecimentos até 2014. Inclui, todavia, em apêndice, algumas considerações sobre o ataque de Janeiro de 2015 à revista francesa "Charlie Hebdo" (Paris) e sobre o massacre de turistas no Museu do Bardo, em Tunis, em Março do mesmo ano. Os posteriores atentados na praia de Port el-Qantaui (Sousse), na Tunísia, em Junho e do dia 13 deste mês, em Paris, além de outros pelo mundo, não constam naturalmente desta obra.
Tentei resumir, tanto quanto pude, o texto, que é já de si um resumo da acidentada vida política do Mundo Árabe e das relações entre este e o Mundo Ocidental. Tarefa difícil. Não só pelo complicado inter-relacionamento entre todos os actores em presença como pela forma como o prof. Jean-Pierre Filiu (J-PF) arruma os eventos no seu livro. As próprias datas que servem de baliza aos capitulos não são sequenciais e por força dessa arrumação muitos acontecimentos ocorridos num país são interrompidos para serem retomadas mais tarde. Também a divisão em capítulos obedece a um critério naturalmente subjectivo, e nem poderia ser de outra forma.
Apesar do esforço para sintetizar acontecimentos e ideias, estou convencido que muitas vezes não logrei o objectivo pretendido. Mesmo assim, este post é dos mais longos que até hoje publiquei. Se a sua leitura se revestir de alguma utilidade para aqueles que se interessam pela complexa relação entre nós, europeus, e os árabes, isso constituirá recompensa bastante para tão árduo trabalho.
Não comungo de todas as opiniões de J-PF, não partilho todas as suas análises, nem subscrevo todas as suas conclusões. Mas reconheço que é um trabalho meritório - e necessário - pôr à disposição do público, em pouco mais de 200 páginas, dois séculos da vida atribulada dos países árabes, especialmente num momento em que o terrorismo dito "islâmico" não só perturba esses países como se repercute no Velho Continente e no Novo Mundo.
Notei algumas imprecisões no livro, que procurei esclarecer emitindo, entre parênteses rectos, a minha opinião, bem como certas transliterações imperfeitas, o que é tanto mais de admirar sendo J-PF um consagrado arabista. Eu sei que a transliteração francesa é diferente da inglesa, a única verdadeiramente correcta, mas não é isso que está em causa. De resto, J-PF utiliza preferencialmente a transliteração francesa, embora em certos casos utilize a inglesa. Eu mesmo alterei algumas transliterações do livro. Dou como exemplo os franceses usarem normalmente "k" para ك e ق, quando no segundo caso deverá escrever-se "q".
Numa obra como esta, considero também uma falta a não inserção de um glossário e de um quadro cronológico, por países e comparado, que ajudaria a compreender a sequência dos acontecimentos e o percurso dos regimes.
Em qualquer caso, Les Arabes, leur destin et le nôtre é um livro de inegável utilidade cuja leitura se recomenda.
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