segunda-feira, 30 de abril de 2012

O AMANTE RUSSO



Publicado em 2002, L'amant russe, de Gilles Leroy, conheceu já várias edições, a última em fins de 2009. No livro, o autor descreve a grande (e única) paixão da sua vida. Única até 2008, quando Leroy encontrou em Bucareste o jovem romeno evocado no livro Dormir avec ceux qu'on aime, a que fiz referência neste post.

Na obra que hoje se comenta, descreve Leroy  (n. 1958) uma visita à União Soviética, presumivelmente em 1974, já que o escritor refere ter na altura 16 anos. Integrado numa visita de estudo de jovens comunistas franceses (não sendo ele comunista) que percorre durante três semanas o vasto território da União, a viagem termina em Leninegrado, onde acontece o coup de foudre. Instalado durante alguns dias no Hotel Kiev, na Dnepropetrovskaja, Leroy e o seu grupo prosseguem o programa previamente estabelecido, entre visitas a fábricas e a museus, serões musicais e de dança (à moda da época) e assistência à projecção de filmes, sempre acompanhados pelos jovens camaradas komsomols (os membros do Komsomol, a União Comunista da Juventude (Kommunisticheskii Soyuz Molodyozhi)). Mas o imprevisto acontece, e marca o escritor para o resto da sua vida. Numa das muitas sessões oferecidas aos visitantes, para os distrair mas também para enaltecer a superioridade do regime soviético, Gilles Leroy cruza o seu olhar com um jovem russo de 26 anos, Vladimir K., de diminutivo Volodia, e logo se estabelece uma cumplicidade, primeiro feita de pequenos nadas (olhares, palavras, meros toques), depois mais arrojada, embora cuidadosa, por causa da presença dos rapazes e raparigas franceses, mas especialmente dos russos, para os quais intimidades homófilas eram banidas pelo regime então vigente e, segundo o que parece, ainda pelo regime actual, pelas notícias que nos chegam quotidianamente dessas paragens.

Entre esperas e desesperanças, encontros e desencontros, alguns contactos furtivos, Leroy anseia pela sua hora. Que tarda. E é apenas no penúltimo dia, quando tudo parece perdido, que, durante a visita do grupo a uma escola de agronomia (em dia feriado e, por isso, deserta), no salão da qual será projectado um filme, que Volodia ordena ao jovem Leroy que, terminada a sessão, suba as escadas até ao terceiro andar.

Volodia aguarda-o no alto da escadaria, longe dos olhares indiscretos dos colegas, e condu-lo por intermináveis corredores em direcção aos lavabos da instituição. E aí, fechados num dos compartimentos, o jovem russo possui o ainda mais jovem francês. Tudo se passa em escassos minutos, quiçá em escassos segundos, mas o acto fora consumado. Cumprira-se o destino e Leroy conservou até hoje a recordação dos momentos mais inesquecíveis da sua vida. No dia seguinte, despediram-se normalmente na estação de caminho de ferro, e o (futuro) escritor regressou a Paris. Não voltaram a ver-se, mesmo após o fim do regime soviético.

Ao longo de quase meio-século, Leroy conheceu (no sentido bíblico do termo, obviamente) centenas de homens. Mas nenhum o fez esquecer o longínquo Volodia, cujos olhos o fascinaram desde o primeiro momento. Até o dia em que surgiu, em 2008, em Bucareste, outro jovem igualmente fascinante, o romeno Marian Iliescu, com quem mantém uma relação, também efémera, mas mesmo assim menos precipitada que a outrora havida com Volodia.  A este episódio, já não aguardado na sua vida (mas a vida tem sempre surpresas, até o derradeiro instante), se refere Gilles Leroy no romance Dormir avec ceux qu'on aime, que referimos aqui.

Acrescente-se que Gilles Leroy é um dos mais conceituados escritores franceses contemporâneos, tendo sido galardoado em 2007 com o Prémio Goncourt, pelo seu romance Alabama Song. Desde 2010 é cavaleiro da Ordem Nacional do Mérito.

Dispensando-nos de exemplos, deve salientar-se o poder de sedução exercido pelos eslavos (e assimilamos aqui os romenos, embora latinos, aos eslavos, por uma questão geográfica, estética e comportamental) sobre os escritores franceses. Desde há muito tempo. Não só sobre os escritores. E não só sobre os franceses...

1 comentário:

Anónimo disse...

Parece que Leroy despeja a sua vida nos livros que escreve, a exemplo de muitos outros escritores, franceses e não franceses. Possui a característica de "confessar" as suas paixões, mesmo aquelas que se consideram muitas vezes inconfessáveis. Serve assim de exemplo a todos quantos não têm a coragem de passar ao papel episódios da vida que viveram, e que serviriam para "instruir" os que sobre estas matérias alimentam ainda dúvidas.

Felicito o autor do blog por nos fazer a recensão destas últimas obras de Leroy, e espero que possa iluminar-nos com a descrição de tantas outras, recentes ou mais antigas, e tombadas no esquecimento.