quinta-feira, 12 de abril de 2012
AS DIFICULDADES DE JULGAR UM REGIME
Li agora, por fortuitas circunstâncias (e numa tradução francesa, Le porc-épic), o romance The Porcupine (1992), de Julian Barnes, um dos mais famosos escritores ingleses contemporâneos, autor do célebre Flaubert's Parrot (1984) e de The Sense of an Ending, que ganhou em 2011 o Man Booker Prize, que foi recentemente traduzido para português com o título O Sentido do Fim, e a que fiz referência neste post.
Neste livro, Barnes põe em confronto o deposto líder (durante 30 anos) de uma república do leste europeu (cujo nome nunca é mencionado), que ascendeu à "democracia" após a desintegração da União Soviética, e o procurador-geral encarregado de formular a acusação, procurador que fora um elemento preponderante do anterior regime comunista. Na essência, o texto evidencia a dificuldade de julgar um homem de quem toda (ou quase toda) a nação foi cúmplice, e principalmente de julgar um regime a que a maioria dos cidadãos esteve associada. Tanto mais quando o novo poder, dito democrático, não trouxe ao povo as benesses esperadas mas sim uma maior carência dos próprios bens essenciais antigamente assegurados, ainda que de forma escassa.
Verbera Barnes a "venda" a Kohl dos 16 milhões de cidadãos da RDA por 41 mil milhões de marcos alemães, a que chama o preço da traição de Gorbachev, os trinta dinheiros do socialismo. E por aí fora...
É importante recordar que o muro de Berlim, derrubado em 1989, fora construído para evitar a passagem para Ocidente dos alemães de leste. E que os governos das democracias populares mantinham as maiores restrições às viagens dos seus cidadãos para o "mundo livre". Precaução inútil (como diria Beaumarchais). Pergunto-me quantos milhões de pessoas dos países do antigo Pacto de Varsóvia passaram para o mundo ocidental depois de levantadas as barreiras, quando finalmente viviam em democracia? Não custa perceber a razão: a democracia formal, capitalista, não substituiu as regalias, ainda que limitadas, que usufruíam no passado. Agora, é o Ocidente que não quer recebê-las e coloca os maiores entraves à imigração. Uma ironia da história.
Sendo The Porcupine um romance, não deixa de ser uma séria reflexão sobre as contradições do mundo contemporâneo. Por isso, e por ser o livro de um grande escritor, vale a pena lê-lo.
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