domingo, 25 de abril de 2010
A REVOLUÇÃO DE ABRIL
O golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, de que hoje se comemora o 36º aniversário, e que haveria de consubstanciar uma Revolução, mais ou menos pacífica mas profundamente transformadora das estruturas políiticas e sociais vigentes, foi um momento empolgante para a maioria esmagadora dos portugueses, à excepção, óbvia, dos partidários incondicionais do Antigo Regime.
Atrever-me-ia a dizer que os portugueses, todos os portugueses, imaginaram o seu 25 de Abril. de acordo com as suas aspirações, as suas convicções, as circunstâncias em que o mesmo se verificou. E dai as desilusões e frustrações que desde os primeiros dias se acumularam nos seus corações. As injustiças que se cometeram em nome da Justiça, os aproveitamentos políticos e partidários de que muitos beneficiaram em detrimento da maioria, as ambições desmesuradas, os erros, as traições, as ingenuidades, as loucuras, e até o desencanto que progressivamente se apoderou de parte da população não contribuiram para o almejado sucesso. Não pretendo fazer o inventário do pós- 25 de Abril, que ao longo destes anos foi elaborado centenas de vezes por pessoas habilitadas de todos os quadrantes políticos.
Se os desígnios da Providência são insondáveis, também o são os caminhos do Futuro.
Passadas quase quatro décadas, ficou-nos a Democracia (imperfeita, é certo, como são, por natureza, todas as democracias) e a Liberdade (cada vez mais condicionada por razões de toda a ordem). Foi realizada uma Descolonização (que António José Saraiva classificou de "debandada de pé descalço"), mas talvez dificilmente pudesse ter sido de outra forma, tal o apetite das potências estrangeiras pelos nossos territótios africanos. Criaram-se serviços de saúde e sistemas de segurança social que apenas estavam esboçados no tempo do Estado Novo. Para o bem e para o mal ingressámos na União Europeia. Mas não se desenvolveu o País. Salvo excepções, fizeram-se mais obras de fachada do que se assegurou um real incremento do chamado "tecido produtivo". E a educação (ou a instrução, se preferirmos) que era deficiente e tendenciosa no antigamente, desmoronou-se qual castelo de cartas. Basta ver os inenarráveis concursos televisivos para se constatar que a ignorância cultural e a iliteracia triunfaram. Mas o mal não é só português, percorre um pouco toda a Europa e até o Mundo. Julgo eu que intencionalmente. Aumentaram escandalosamente as desigualdades sociais, cavou-se desmedidamente o fosso entre ricos e remediados, já não falo dos pobres, que, com excepções, pobres continuam. Mas no conjunto, teremos de constatar que vivemos globalmente melhor do que há meio século. Em termos comparativos, também seria difícil que assim não fosse.
E vivemos numa sociedade globalizada, com as vantagens (algumas) e os inconvenientes (muitos) que advêm de tal situação. Uma sociedade mais perigosa do que aquela em que vivíamos nos anos da chamada Guerra Fria.
Apesar de todas as reticências, parece que valeu a pena a Revolução de Abril. Afinal, o regime anterior estava esgotado e alguma coisa teria de acontecer, mais tarde ou mais cedo. Poderia ter sido melhor? Talvez! Poderia ter sido pior? Também é possível! A História não permite ensaios laboratoriais.
Nas confusões destes 36 anos, homens houve que se distinguiram pela sua isenção, honestidade, sentido do serviço público, desapego dos bens terrenos, vontade de melhorar a vida dos mais desprotegidos da sorte, confiança num verdadeiro progresso (esta palavra é hoje tão perigosa) espiritual e material. É para eles, já mortos ou ainda vivos, que vão as nossas homenagens.
sexta-feira, 23 de abril de 2010
TRÊS PRESIDENTES
A propósito do 36º aniversário da Revolução de 25 de Abril de 1974, a RTP1 entrevistou os três primeiros presidentes da República eleitos segundo a Constituição de 1976.
O primeiro a ser ouvido foi Jorge Sampaio. Tratou-se de uma entrevista redonda, aliás como os seus discursos, embora tenha apreciado a sua opinião quanto às chamadas agências de rating, que classificou de tenebrosas. Já escrevi neste blogue o que penso dessas instituições, que se movem por obscuríssimos interesses, prosseguindo sinistros objectivos. Disse também Sampaio que não está satisfeito com a qualidade da nossa democracia.
Ramalho Eanes, que mantém o seu perfil de militar, retratou a situação do país. Para quem diga que virou "à direita", registo que manifestou a sua oposição a uma possível privatização da RTP, que considerou de imprescindível serviço público, ainda que regida por outras regras, e defendeu que esta deveria abdicar da publicidade e que as televisões privadas, que assumiriam a função, lhe deveriam pagar por essa privação de receitas. E que as promessas do 25 de Abril ficaram muito aquém de serem cumpridas
Mário Soares manifestou-se conta a privatização do que resta de empresas públicas, e criticou os partidos socialistas por não tererem reagido devidamente à onda de neo-liberalismo oriunda dos Estados Unidos no tempo de Bush. (Eu recuaria a Tatcher e Reagan). Mas confirmou a sua confiança no futuro da União Europeia, a qual considera uma garantia para a manutenção das instituições democráticas nos países membros.
Todos manifestaram a sua preocupação pelo fosso abissal que separa as classes ricas das classes pobres, e que é dos maiores da Europa. A classe média, que sempre foi um sustentáculo da democracia, e dos regimes, está, em Portugal, em vias de extinção. É uma verdade indesmentível que os ricos estão cada vez mais ricos, os remediados quase pobres, e os pobres continuam pobres como dantes, à excepção dos que souberam utilizar os mecanismos que o novo regime lhes ofereceu.
Muito mais disseram os ex-presidentes, que não cabe neste comentário. E também não disseram muito do que poderia, e interessaria, ser dito, como, por exemplo, as suas responsabilidades relativamente à situação a que chegámos. Responsabilidades deles, e dos governos que nomearam e que se moveram por interesses particulares e partidários e não pelo interesse nacional.
Claro que todos os governantes foram constrangidos por condicionalismos internacionais, o que, só por si, não justifica o estado em que nos encontramos. Haveria outras vias que não foram exploradas e outras pressões que não foram exercidas. Mas, de tudo isto se falará mais tarde. Este post não passa de um breve apontamento para registar a efeméride.
quinta-feira, 22 de abril de 2010
O GOVERNO MUNDIAL (II)
Na transcrição que ontem efectuei de um texto do livro Império, Nação, Revolução é citado o Clube de Bilderberg. Porque foi publicado em português o livro de Daniel Estulin (original de 2005) sobre aquele grupo (já na 4ª edição), parece indicado citar as "intenções dos Bilderberg para alcançarem a sua visão de Um Só Mundo." Passo a mencioná-las (páginas 61 a 63):
- Uma Identidade Internacional. Ao dar poder a organismos internacionais para destruírem completamente toda a identidade nacional mediante subversão a partir de dentro, eles tencionam estabelecer um único conjunto de valores universais. Não poderá haver outros no futuro.
- Controlo Centralizado do Povo. Mediante controlo da mente, eles tencionam ordenar a toda a humanidade que obedeça à sua vontade. O plano encontra-se descrito de modo arrepiante no livro Between Two Ages: America's Role in the Technotronic Era, de Zbigniew Brzezinski. Doutorado em Harvard em 1953 e fundador da Comissão Trilateral controlada por Rockfeller, Brzezinski tem um currículo impressionante. Foi National Security Advisor de Carter e também membro da Foreign Intelligence Advisory Board de Ronald Reagan, e co-presidente da National Security Advisory Task Force de George H.W. Bush em 1988. Além disso, é sócio de Henry Kissinger e conhecido pelas apresentações que faz em várias conferências Bilderberg. Na Nova Ordem Mundial, não prevê lugar para qualquer classe média, apenas governantes e servos.
- Sociedade Crescimento Zero. Num período pós-industrial, será necessário crescimento zero para destruir quaisquer vestígios de prosperidade. Quando há prosperidade, há progresso. A prosperidade e o progresso impossibilitam a implementação da repressão, e é preciso repressão quando se espera dividir a sociedade em donos e escravos. O final da prosperidade trará o final da produção de energia eléctrica nuclear e de toda a industrialização (excepto para as indústrias informática e de serviços). As restantes indústrias canadianas e americanas serão exportadas para países pobres como, por exemplo, Bolívia, Peru, Equador, Nicarágua, onde o trabalho escravo é barato. Um dos principais objectivos da NAFTA será então concretizado.
- Estado de Desequilíbrio Perpétuo. Ao orquestrarem artificialmente crises que sujeitam as pessoas a dificuldades contínuas - física, mental e emocionalmente -, é possível mantê-las num estado de desequilíbrio perpétuo. Demasiado cansadas e perturbadas para decidirem o seu destino, as populações ficarão confusas e desmoralizadas, a ponto de «confrontadas com demasiadas escolhas, redundarão numa apatia em massa».
- Controlo Centralizado de Toda a Educação. Uma das razões para a União Europeia, a «União Americana» e a futura União Asiática procurarem mais controlo sobre a educação em geral traduz-se em deixar os globalistas do Único Mundo esterilizarem o verdadeiro passado do mundo. Os esforços deles estão a dar frutos fantásticos. A juventude de hoje é praticamente ignorante quanto às lições da história, liberdades individuais e o significado da liberdade. Da perspectiva dos globalistas, este estado de coisas simplifica o programa.
- Controlo Centralizado de Todas as Políticas Externas e Internas. O que os Estados Unidos fazem afecta o mundo inteiro. Agora os Bilderberg parecem ter algum controlo sobre o Presidente Bush e suas políticas. O Canadá, porquanto pareça reter soberania, marcha segundo as exigências dos EUA. A Europa, claro, agora é influenciada pelo consenso da União Europeia.
- Poder para a ONU. Com a estrutura que as Nações Unidas já têm implementada, eles tencionam moldá-la num governo mundial de jure, e depois de facto, e cobrar um imposto directo aos «cidadãos do mundo».
- Bloco de Comércio Ocidental. Ao expandir a NAFTA por todo o Hemisfério Ocidental e até à América do Sul, formar-se-á uma «União Americana», semelhante à União Europeia.
- Expansão da NATO. À medida que a ONU intervém globalmente em mais pontos de conflito, como acontece no Afeganistão agora, a NATO torna-se no exército mundial das Nações Unidas.
- Um Sistema Jurídico. O Tribunal Internacional de Justiça será o único sistema jurídico do mundo.
- Um Estado Providência Socialista. Os Bilderberg prevêem um estado providência socialista, em que os escravos obedientes serão recompensados e os inconformistas isolados para extermínio.
quarta-feira, 21 de abril de 2010
O GOVERNO MUNDIAL
Publicou Riccardo Marchi, no princípio deste ano, uma parte da sua tese de doutoramento, Império, Nação, Revolução, sobre as direitas radicais portuguesas na fase final do Estado Novo.
Porque se trata de um tema recorrente, então como agora, transcrevemos um dos parágrafos, a páginas 160/1:
"Mas é em Outubro de 1967 que Valle de Figueiredo publica, no semanário Agora, um serviço em dois artigos sobre as centrais ocultas do mundialismo. Na base está sempre o complô do sionismo internacional, cujos planos reflectem os famigerados Protocolos dos Sábios de Sião. Nos artigos, coloca-se o acento sobre a nova estratégia do sionismo internacional. Este, empenhado, num primeiro momento, na instrumentalização da Rússia soviética pela instauração de um Governo mundial, teve que mudar radicalmente os seus planos no seguimento da liquidação do agente sionista Trotsky por parte do «nacionalista» Estaline. A necessidade de encontrar uma nova base para a expansão mundialista conduz o sionismo a Nova Iorque, centro do capitalismo norte-americano e sede da ONU (onde Washington e Moscovo convivem de forma amigável), válida trincheira contra a Europa e os valores ocidentais. A estrutura piramidal da internacional judaica estaria controlada no vértice pelos sionistas, adeptos tanto do capitalismo americano como do marxismo soviético, empenhados na construção de um único governo mundial de cariz socialista por eles controlado. Para tal, a pirâmide desenvolveu um complicado enredo de maçonaria e alta finança, uma rede de organismos internacionais e transnacionais (centros de estudo, fundações, gabinetes especiais, etc.) que operam em todos os campos da actividade humana, trazendo água ao moinho do mundialismo. No caso português, os agentes mais perigosos desta rede seriam o Council of Foreign Affaires (sic) (CFA) norte americano, do qual dependem o American Committee on Africa, financiador dos terroristas da UPA no Norte de Angola, o African-American Institute e a Ford Foundation, financiadores do terrorismo em Moçambique. Desde 1954 que o Grupo de Bilderberg, na mesma onda de pensamento do CFA, opera na Europa. Ele é constituído por altos representantes europeus do mundo dos negócios, da maçonaria, da política e das instituições nacionais, unidos pela comum intenção de criar um Super-Estado Europeu (o primeiro degrau é o Mercado Comum Europeu), que dissolva progressivamente as soberanias nacionais rumo à integração no Governo Mundial."
Bem vistas as coisas, e descontando alguns exageros, o texto referido, que tem mais de 40 anos, poderia ter sido escrito hoje. O tempo veio dar razão às «previsões» enunciadas. Afinal, o dito Governo Mundial vai-se constituindo, passo a passo, como todos constatamos. Até quando?
terça-feira, 20 de abril de 2010
A NUVEM
Parece que uma nuvem imensa, provocada pelas cinzas de um vulcão islandês, alastrou por todo o norte e centro da Europa. Como medida de precaução, foram suspensos todos os voos na zona onde se teria instalado e circularia a dita nuvem. Caos nos aeroportos e transtornos de toda a ordem para uma população mundial que se habituou a viajar de avião, já que é mais rápido e a deslocação em carruagem se tornou obsoleta. Que não mais incómoda, já que hoje os aviões se assemelham aos nossos velhos carros eléctricos (em vias de extinção, por causa do progresso) em horas de ponta. E os controlos dos aeroportos começaram a tornar-se insuportáveis para pessoas normais. A juntar a tudo isto, os enormes prejuízos para companhias de aviação, hotéis, turismo em geral, etc.
No entretanto, alguns operadores aéreos começaram a enviar os seus aviões, sem passageiros, para a zona da nuvem, e daí não veio mal algum ao mundo. Assim, os voos vão ser restabelecidos progressivamente em toda a Europa e normalizada a circulação nos céus (no inferno, as regras são outras).
Afinal, as cinzas transportadas pela suposta nuvem, que não se vê porque circula a 10 km de altura, eram ou não perigosas? As afirmações feitas por responsáveis também supostamente idóneos eram verídicas ou tratou-se de uma brincadeira de mau gosto? Existiam reais perigos para a navegação aérea ou tudo não passou de uma manobra ditada por interesses económicos ou políticos?
Vivemos numa época em que é preciso desconfiar de quase tudo.
segunda-feira, 19 de abril de 2010
HHhH
Um interessante romance acabado de publicar, escrito por um jovem professor universitário francês, Laurent Binet, que viveu em Praga.
O livro tem por título HHhH, iniciais de Himmlers Hirn heisst Heydrich, ou traduzindo: O cérebro de Himmler chama-se Heydrich. E trata da descrição, romanceada (embora todas as personagens tenham existido ou ainda existam), da preparação do atentado que, em 1942, vitimou Reinhard Heydrich, chefe da Gestapo e Protector-adjunto (em nome do Reich) da Boémia e da Morávia, na verdade o nº 2 de Heinrich Himmler.
Nesse ano, os ingleses planearam a operação "Anthropoïde", enviando a Praga dois paraquedistas checoslovacos com a missão de assassinar Heydrich. O plano resultou e o Protector-adjunto, embora saindo do atentado sem danos maiores, veio a falecer de septicemia, uma semana depois. Assim morreu aquele que foi considerado o homem mais perigoso do III Reich.
Os dois assassinos, que conseguiram fugir, refugiaram-se depois na Igreja de São Cirilo e São Metódio, em Praga, onde vieram a ser descobertos, por uma denúncia, sendo executados, bem como muitos outros checos, devido à fúria de Hitler.
Este primeiro romance de Laurent Binet é uma obra que importa visitar.
domingo, 18 de abril de 2010
WERNER SCHROETER
«Maintenant, je sais ça, la brutalité, la violence sont créés par ceux qui ont peur de la mort. Assassiner les autres, c’est espérer se trouver éternel. L’appropriation propre au capitalisme va dans le même sens. Ça rejoint aussi mon seul sujet, depuis toujours, dans ma vie comme dans mes films, qui est la quête de l’amour. Celui ou celle qui refuse d’être quitté, l’appropriation dont ils font preuve, est, elle aussi, une forme d’assassinat. En 1968, la mère de mon fils était tombée amoureuse de mon amant, un jeune artiste peintre américain. Elle était enceinte de quatre mois, ils se sont mariés et ont eu mon fils. J’étais heureux, vous ne pouvez pas imaginer. J’avais libéré ces deux êtres. Il faut ouvrir les bras, laisser partir, c’est cela la vie. En 1981, j’avais été chez Michel Foucault, qui avait écrit un texte fantastique sur la Mort de Maria Malibran. Chez Foucault, il y avait deux téléphones. Le second était pour la seule personne qui avait ce numéro, un jeune garçon dont il était amoureux et qui n’appelait jamais. Mais il était heureux en attendant ce coup de fil qui ne venait jamais… C’est cela, la liberté.» (transcrição do jornal Libération).
MAHMUD ABBAS
Foi criada na Palestina uma comissão, integrada por personalidades de diversos sectores da vida nacional e por várias ONG's, que apresentou em Oslo a candidatura do Presidente palestiniano Mahmud Abbas ao Prémio Nobel da Paz 2010. Entretanto, decorrem contactos a nível internacional com diversas individualidades com vista à obtenção de um apoio alargado a esta candidatura que visa obter para o actual presidente um galardão já atribuído em 1994 ao seu antecessor Yasser Arafat.
O TEMPO QUE RESTA
O último filme de Elia Suleiman, em exibição no Cinema Monumental, retrata a vida de uma família palestiniana, ao longo de meio século, na sua terra ocupada por Israel. Desde a expulsão dos palestinianos, em 1948, data da criação do Estado judaico, até aos nossos dias. Além de realizador, Suleiman é também, como em outros dos seus filmes, um dos intérpretes desta película de carácter autobiográfico, onde não falta o sentido do humor árabe a temperar as atrocidades israelitas.
sexta-feira, 16 de abril de 2010
O EROTISMO E A GUERRA
Philippe Pétain
Foi recentemente publicado o segundo volume da obra magistral do politólogo francês Patrick Buisson 1940-1945: Années érotiques.
Trata-se de um fresco admirável sobre a vida sexual em França durante os tempos da ocupação alemã. O autor, também jornalista, investigador, director do canal "História", descreve com uma minúcia, suportada por exaustiva bibliografia, e um humor, que refresca a leitura,a euforia sexual vivida durante o regime do Marechal, na França ocupada e na França "livre", apesar (ou por causa) das privações da época. Refere-se Buisson à "colaboração horizontal" e à convivência mantida entre as populações e o exército nazi, composto na sua maioria por jovens, fisicamente bem constituídos, louros, atraentes e (talvez) felizes por se encontrarem no país que era ainda então considerado a pátria do amor e do sexo.
Não é possível sintetizar as 570 páginas do volume I - Vichy ou les infortunes de la vertu, nem as 521 do volume II - De la Grande Prostituée à la revanche des mâles. Por isso, apenas uma breve referência à situação de carência (não só sexual mas também material) das mulheres franceses, com os maridos prisioneiros na Alemanha, que as levou a deitar-se progressivamente com o invasor. Não deixa também o autor de referir com detalhe o notável desenvolvimento das relações homossexuais, uma verdadeira idade de ouro, já que os jovens, alguns mesmo muito jovens, soldados alemães, apesar da "doutrina" do Führer, não hesitavam em dormir com franceses, especialmente quando estes eram figuras gradas das letras e das artes, como André Gide, Henry de Montherlant, Jean Cocteau, Jean Genet, Abel Hermant, Jean Marais, Maurice Rostand, Marcel Jouhandeau, Roger Peyrefitte, Jacques Bénoist-Méchin ou o próprio ministro da Eduacação do governo de Pétain, o académico Abel Bonnard. Também as relações homossexuais entre franceses tiveram um apreciável incremento, nomeadamente devido às deslocações populacionais.
Por outro lado, verificou-se um aumento da prostituição feminina,
não só por vício ou necessidades materiais, mas também pelo gosto do novo. Poderá dizer-se, talvez sem exagero, que todos os
homens do exército de ocupação alemão tinham ou uma amante, ou um amante francês.
Verificou-se, também, um fenómeno equivalente na Alemanha. As
mulheres alemãs, cujos maridos se encontravam em combate, passaram a dormir, não todas, evidentemente, com os soldados franceses prisioneiros na Alemanha ou com os franceses que durante os primeiros anos da guerra foram aliciados para trabalhar no Reich.
Tudo isto, no que respeita à França, envolve profundas contradições. A "Revolução Nacional", liderada pelo Marechal Pétain, e cujo tríptico era "Trabalho, Família, Pátria", encontra-se, pela força das circunstâncias, face à maior libertinagem jamais vista em solo gaulês. Até ao fim, confrontar-se-ão em Vichy duas correntes: a direita conservadora e clerical, desejosa de acabar com a democracia republicana e uma corrente fascista fascinada pelo modelo alemão, muitas vezes enquadrada por personalidades vindas da esquerda socialista e comunista. A ordem moral dos primeiros não chega a coabitar com a ordem viril dos segundos. Salienta ainda Buisson que o laço secreto que une Vichy à Resistência é a "ordem moral". Depois da direita reaccionária é a esquerda republicana que apela à purificação dos costumes.
Uma última nota para registar como o Marechal Pétain constituiu um símbolo para a França, que entusisticamente o aclamava por onde passava, como se pode ver no filme-documentário de Claude Chabrol L'Oeil de Vichy. E também como o general De Gaulle foi aclamado, possivelmente pelos mesmos, após a Libertação.
Pelo que disse e por tudo o que não escrevi, considero indispensável a leitura destes volumes por quantos se interessem, quer pela época, quer pelo tema proposto.
domingo, 11 de abril de 2010
ANTÓNIO DE SPÍNOLA
Completam-se hoje cem anos sobre o nascimento de António Sebastião Ribeiro de Spínola. Regista-se apenas a efeméride, pois outros escreverão habilitadamente sobre o Marechal, homem controverso, verdadeira figura trágica no sentido teatral do termo. Luís Nuno Rodrigues publicou uma biografia e a Câmara Municipal de Lisboa atribuiu o seu nome a uma rua, em cerimónia presidida pelo Chefe do Estado.
sábado, 10 de abril de 2010
CARAVAGGIO EM ROMA
Após uma semana em Florença, detive-me dois dias em Roma para apreciar, nas Scuderie do Palácio do Quirinal (que foi residência dos papas e dos reis de Itália e é hoje a sede da Presidência da República), a exposição dedicada a Caravaggio, no quarto centenário da sua morte.
Esta mostra, que inclui 24 das cerca de 50 pinturas seguramente atribuídas a Caravaggio, constitui um acontecimento artístico da maior relevância a nível mundial. Inaugurada em 20 de Fevereiro, estará patente até 13 de Junho e tem sido visitada por dezenas de milhar de pessoas, estimando-se que o seu número, à data do encerramento, se eleve a um milhão. A multidão aguarda horas na fila, que se estende rua abaixo até à Via Nazionale e a única solução para uma entrada rápida é uma visita com marcação antecipada da hora (o que se pode fazer, e eu fiz, via internet).
I Bari - Fort Worth (Texas), Kimbell Art Museum
Michelangelo Merisi nasceu em Caravaggio, próximo de Milão, a 29 de Setembro de 1571 e foi encontrado morto na praia de Porto Ercole, perto de Roma, a 18 de Julho de 1610, com 38 anos. Levou uma vida marginal, mesmo para os padrões da época, e terá sido muito provavelmente assassinado. Aliás, Michelangelo da Caravaggio, nome que passou a usar, era ele mesmo autor de pelo menos um homicídio, tendo sido diversas vezes preso e encarcerado por rixas, burlas e outros delitos. E também por uma vida sexual desregrada, apesar da sociedade do tempo, caracterizada por profundas contradições "morais", ser simultaneamente conservadora e libertina em matéria de costumes. Frequentador ocasional de prostitutas, era especialmente um amador (aquele que ama) de rapazes, com quem se deitava e que utilizava também como modelos na maior parte das suas pinturas. Certamente que nos nossos dias seria considerado um perigoso pedófilo, mas esse conceito não existia então, em pleno Renascimento, quando se prestava homenagem à herança helénica onde a efebofilia era de tradição.
Suonatore di liuto - São Petersburgo, Museu do Ermitage
Rebelde por natureza, foi contudo protegido em Roma por duques e marqueses, cardeais e bispos, burgueses e artistas e até pelo próprio papa. Vivendo ora em tugúrios, ora em palácios, quando não em calabouços, onde passou parte da vida e donde os seus protectores o arrancavam cada vez com mais dificuldade, acabou por fugir para Nápoles, sob a ameaça de uma condenação à morte. Daí seguiu para Malta, onde aspirou, e conseguiu, o grau de cavaleiro da Ordem Soberana e Militar. Por razões não completamente claras viu-se constrangido a fugir novamente, agora para a Sicília, donde regressou a Nápoles, e veio a encontrar a morte quando tentava voltar mais uma vez a Roma.
I Musici - New York, The Metropolitan Museum of Art
Escreveu Gilles Lambert: «Caravaggio é o pintor mais misterioso e, sem dúvida, o mais revolucionário da história da arte. Em Roma, trinta e quatro anos após a morte de Miguel Ângelo, ele esteve na origem de uma reacção violenta contra "o Maneirismo", ou seja, a forma de pintar dos mais velhos, que ele considerava limitados, afectados e académicos. Impôs uma nova linguagem, realista, teatral, escolhendo em cada tema o instante mais dramático, recrutando os modelos na rua, mesmo para as cenas mais sagradas como A Morte da Virgem, não hesitando em pintá-los de noite, o que poucos artistas, antes dele, tinham ousado, Ele proclamou o primado da natureza e da verdade.»
Ragazzo con canestra di frutta - Roma, Galleria Borghese
Os seus temas preferidos são de natureza profana, mas na Roma Papal não hesita (até porque tem de sobreviver) aceitar encomendas de temas de carácter religioso, pinturas aliás muitas vezes recusadas pela ousadia na escolha dos modelos ou no posicionamento das personagens. Também em Nápoles, em Malta, na Sicília, deixa marcas indeléveis do seu génio artístico.
Bacco - Florença, Galleria degli Uffizi
Caravaggio sempre preferiu o povo, e de preferência as suas franjas marginais, às classes mais elevadas da hierarquia social, com quem era obrigado a conviver por causa do seu trabalho. Por isso, é natural que surjam rostos e corpos pouco ortodoxos em figuras religiosas que era suposto serem objecto da maior veneração. Isso lhe valeu as censuras e rejeições que o seu génio sempre ultrapassou.
Conversione di Saulo - Roma, Colecção particular
Não sendo intenção traçar aqui uma, mesma que magríssima, epítome da biografia do Caravaggio, importa dizer que as suas obras provocaram tal indignação e escândalo, que o artista acabou por ser esquecido durante três séculos. Só a partir dos anos vinte do século passado, devido aos trabalhos de Roberto Longhi, é que foi verdadeiramente redescoberto e reconhecido na sua verdadeira dimensão. Muitas das suas obras foram então atribuídas a rivais e só hoje foi devidamente comprovada a sua autenticidade, problema sempre complexo em relação a autores do período em questão. Disse o eminente crítico Bernard Berenson: «Depois de Miguel Ângelo, nenhum pintor italiano teve tanta influência.»
Cena in Emmaus - Londres, The National Gallery
A exposição ora realizada, que apresenta apenas (e já é muito) as principais telas emprestáveis e transportáveis, demonstra plenamente a colecção de obras-primas saídas das mãos de Caravaggio. Tivera ele uma vida ordeira, académica, bem-comportada, e jamais veríamos as inigualáveis pinturas hoje expostas nas Scuderie do Quirinale. Ainda bem que, apesar da desordem da sua vida, alguns dos grandes da época o protegeram e apoiaram quanto puderam, compreendendo que não era possível aprisionar o génio.
San Giovanni Battista - Roma, Pinacoteca Capitolina
San Giovanni Battista - Kansas City (MO), The Nelson-Atkins Museum of Art
San Giovanni Battista - Roma, Galleria Nazionale d'Arte Antica di Palazzo Corsini
Entre as telas expostas, destacam-se I Bari, Suonatore di liuto, I Musici, Ragazzo con canestra di frutta, Bacco, Canestra di frutta, Conversione di Saulo, Cena in Emmaus (2), San Giovanni Battista (3), Cattura di Cristo nell'Orto, Amore Vincitore, Flagellazione di Cristo, Davide com la testa di Golia.
Amore vincitore - Berlim, Staatliche Museen, Gemäldegalerie
Os quadros expostos são provenientes de colecções italianas e estrangeiras. Em Roma, podem ver-se ainda (porque não figuram na exposição) pinturas de Caravaggio na Galleria Borghese, no "Casino" Ludovisi, no Palazzo Barberini, na Igreja de Santa Maria del Popolo, no Museu Capitolino, na Galleria Doria Pamphilj, na Igreja de San Luigi dei Francesi, na Galleria Corsini e na Pinacoteca do Vaticano.
Cattura di Cristo nell'Orto - Dublin, National Gallery of Ireland
Sobre Caravaggio, podem consultar-se, além do catálogo da Exposição, de Claudio Strinati, as obras de Roberto Longhi, Gilles Lambert, Andrew Graham-Dixon, Sebastian Schutze, Helen Langdon, Timothy Wilson-Smith, Neil Griffiths, Rossella Vodret e Francesco Buranelli, Francine Prose, Stefano Zuffi, etc.
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