sexta-feira, 22 de setembro de 2023

O EGIPTO É A MÃE DO MUNDO

Foi publicado no mês passado Ce que je sais de toi, primeiro romance de Éric Chacour, natural de Montreal e filho de pais egípcios. O autor é diplomado em economia aplicada e relações internacionais, trabalha hoje no sector financeiro e partilha a sua vida entre o Québec e a França.

Este livro dá-nos o ambiente da sociedade egípcia dos anos 60 do século passado até ao princípio deste século. É um magnífico fresco de um Egipto que eu ainda conheci e que se encontra em vias de extinção. E o autor, ainda que nascido no Canadá, sabe bem do que fala, no caso concreto, do que escreve.

Neste texto, utilizarei os nomes egípcios na transliteração que Chacour usa no livro, que é a usual em francês, mas que não corresponde à transliteração oficial da língua árabe para caracteres latinos, normalmente respeitada pelas versões em inglês.

A estória é simples e comum, os pormenores deliciosos, o desfecho talvez surpreendente. Mas o todo é magnífico.

Resumamos:

Tarek [um nome de que conservo as mais gratas recordações], filho de uma abastada família do Levante, há muito tempo imigrada no Egipto, torna-se médico, a exemplo do seu pai. Como todo o bom egípcio, mesmo que não muçulmano (Tarek é cristão) casa-se com uma mulher, Mira Nakeilian (da comunidade arménia), por quem se julga suficientemente atraído. A família habita na zona elegante de Dokki, numa villa em cujo rés-do-chão o pai possui o consultório, que Tarek herdará por morte deste. A mãe é a grande matriarca, como acontece nas sociedades árabes (cristãs ou muçulmanas), quem verdadeiramente tem a última palavra, ainda que no Ocidente se propague a ideia de que as mulheres são consideradas inferiores nos países orientais. Tarek tem uma irmã, Nesrine, uma espécie de confidente, que só casará muito mais tarde, depois dos "acontecimentos". E há, inevitavelmente, uma criada, Fatheya.

[Deve dizer-se que desde o século XVIII habitavam o Egipto muitas comunidades "estrangeiras": judeus, gregos, italianos, sírios, libaneses, palestinianos, franceses, ingleses, etc., algumas das quais possuíam até jurisdição própria. O Egipto, teoricamente fazendo parte do Império Otomano, era na realidade uma colónia britânica, desde a derrota das tropas francesas aquando da invasão de Napoleão Bonaparte em 1798. Em 1919, Londres concedeu uma independência nominal ao Egipto mas só com a Revolução de 1952 (promovida pelo Movimento dos Oficiais Livres), que depôs o rei Faruq, que abdicou em seu filho Ahmed Fuad II (uma criança) se começou a caminhar para uma verdadeira independência. Em 1953, foi proclamada a República, com o general Naguib como presidente, e em 1954 um golpe de Estado depôs Naguib e instituiu um Conselho da Revolução (presidido por Nasser) que liderou o país entre 1954 e 1956. Em 1956, o coronel Gamal Abdel Nasser foi eleito presidente da República.]

Ainda em vida do pai, a quem já ajudava no consultório, Tarek resolve abrir um dispensário na paupérrima zona de Moqattam [ao lado da Cidade dos Mortos, essa extensão de vários quilómetros quadrados, no leste do Cairo, que abriga uma infinidade de sepulturas, onde vivem mais de seis milhões de pessoas e que tive a oportunidade de visitar, discretamente, uma vez]. Tarek desloca-se semanalmente ao dispensário e é sempre aguardado por uma interminável fila de pacientes a quem atende gratuitamente, ou mediante parco pagamento, nada que se compare com os honorários da sua rica clientela de Dokki.

Um dia, no fim da consulta, um rapaz aguarda-o à saída. Pede-lhe que vá a sua casa ver a mãe que já não se pode deslocar. Tarek acede e constata que a mãe, mulher simples, muito pobre mas inteligente, que o acolhe com entusiasmo (e insiste em estar de boa saúde), é vítima de uma progressiva doença do sistema nervoso. A pedido do filho, Tarek acede continuar a visitá-la e acaba por receber o filho, Ali, um belo rapaz de 19 anos, como auxiliar no dispensário. Esperto e empenhado, o rapaz torna-se imprescindível e os próprios pacientes começam a pedir a Ali, que verifica os casos mais urgentes, precedência no seu atendimento pelo doutor.

A mãe está encantada com a nova ocupação do filho (não sabemos se ela conhece as outras ocupações dele, pois o filho todos os dias se desloca ao centro da cidade, porventura para vender alguns bens recuperados da sucata de que é armazém a zona de Moqattam, o bairro dos zabbaline (em árabe, do lixo) e pede a Tarek que, por sua morte, tome o rapaz sob a sua protecção. 

E, finalmente, a mãe morre. Tarek decide contratar Ali para seu auxiliar na própria clínica de Dokki, sem prejuízo do dispensário que continua a ser objecto da sua actividade benévola. É claro que Tarek, talvez imperceptivelmente (tais ideias nunca lhe tinham ocorrido), começa a ficar seduzido por Ali.

Nestes anos, Nasser é a grande figura do Egipto, as mulheres consideram-no o homem mais belo do país. Pelo meio da estória há a Guerra dos Seis Dias, o assassínio de Sadate, e mil e uma coisas que os conhecedores do Cairo conhecem e adoram. Ruas, lojas, comidas, monumentos, artistas, músicas, locais diversos,etc.

Um dia, Tarek é visitado inesperadamente por Omar, homem já idoso, corpulento e muito rico, um dos grandes comerciantes de algodão do Egipto, uma figura poderosa na vida política e social do país. Chega no fim da consulta e insiste em estar a sós com o médico. Tarek que o conhece, Omar é visita de casa, recebe-o, tendo aquele insistido em saber se estão sós, já que se trata de assunto muito importante. O homem começa por invocar o amor por sua mulher Dahlya, com quem está casado há 32 anos, e tenta explicar-se por meias palavras o seu problema. Como Tarek não o entende bem, Omar acaba por ser mais explícito e o médico fica a saber que o homem se queixa de que desde há algum tempo não consegue excitar-se e ter ejaculação. Tarek vai tentar explicar-lhe mas eis que Ali surge da dependência ao lado. Omar tem um ataque de fúria e sai intempestivamente. Tarek repreende Ali pela sua aparição súbita mas este diz-lhe que não tem importância, que ele conhece o homem e que é um seu cliente. Tarek fica siderado. "Cliente?". Então o rapaz confessa-lhe que Omar é um dos clientes com quem ele habitualmente se prostitui e que o homem não precisa realmente de medicamentos, conforme se recorda da última vez que esteve na cama com ele. E diz a Tarek: «Tu crois que tu fais le seul métier où les gens acceptent qu'on les palpes?». E Tarek interroga-se: » Imaginer Omar avec Ali. Le corps usé du premier se payant la vigueur du second. Quel tarif pouvait justifier d'imposer sa déchéance à un jeune homme tel qu'Ali?».

E a uma pergunta de Tarek sobre a sua prostituição «Ce n'est pas difficile pour toi?», Ali responde: «Qu'est-ce que tu veux dire? Difficile de devoir vendre mon corps? De coucher avec des hommes que je n'ai pas choisis? Avec des vieux, des malpropres? D'obéir à leurs fantasmes? Non, ça va, ce n'est pas difficile. Et toi, ce n'est pas difficile d'examiner les incontinents et de manipuler des plaies gorgées de pus? Tu veux que je te dise? Ce qui est difficile, c'est d'attendre toute une nuit et de rentrer sans avoir trouvé de client...»

O livro está recheado de sábias e oportunas reflexões do autor sobre a vida, a natureza humana, o mundo.

[A homossexualidade, é condenada penal, social e moralmente no Egipto pela religião muçulmana, como, aliás, em toda a parte, pelo judaísmo e pelo cristianismo, uma herança trágica das religiões monoteístas, mas sempre foi largamente praticada nos países árabes (e em todo o mundo) apesar dos mais variados interditos. Supõe-se que as novas organizações designadas LGBTQI+,etc., com os seus programas radicais, contribuirão poderosamente para acentuar a rejeição das ligações do mesmo sexo. Em grande parte do mundo árabe, até há bem pouco tempo, a actividade homófila foi significativamente tolerada, ainda que «sobre a nudez forte da verdade estivesse o pouco diáfano manto da hipocrisia».]

Retomemos o fio condutor.

A mulher de Tarek, que já notou as cada vez mais demoradas permanências do marido no consultório e no dispensário, começa a fazer viagens pelo pais, com o pretexto de passar uns dias nesta ou naquela cidade e, depois, já sem qualquer pretexto. E Tarek resolve instalar Ali em casa durante as ausências da mulher, e tornam-se amantes.

Mas começa a difundir-se na cidade o boato de que Tarek é ajudado na sua prática médica por um rapaz de má vida. Boato sem dúvida propagado por Omar: a melhor defesa é o ataque. Entretanto as marcações de consultas começam a ser anuladas e a clientela elegante da clínica começa a rarear. E há mesmo uma proposta de egípcios regressados da Arábia Saudita e convertidos ao salafismo que pretendem adquirir o dispensário (a caridade sempre foi uma das armas dos Irmãos Muçulmanos) e até de admitir Ali desde que este "renuncie ao pecado".

De repente, aconteceu o impensável. O consultório de Tarek foi vandalizado, mas sem que algum objecto tenha sido roubado. E o médico descobre o seu gato de estimação, Tarbouche, pregado numa parede, ainda com o sangue a escorrer. E esta inscrição na parede: «Il t'attend en enfer.» Quem? O gato, ou Ali?

O rapaz tinha sido dispensado dias antes, para serenar os ânimos, mas não voltará a reaparecer. A mãe anuncia-lhe que Ali morreu, provavelmente afogado. Tarek não acredita. Quer ver os despojos. Esta diz-lhe que ela mesma, quando soube, ordenou que deitassem o cadáver na vala comum, já que era empregado da casa (do consultório) e não tinha família. Tarek, desesperado, tenta encontrar indícios da morte, mas debalde. Vai mesmo ao Mogamma [célebre e gigantesco edifício administrativo que existe na Praça Tahrir e ao pé do qual passei muitas vezes] para descobrir o que sucedeu, que registos existem, mas não obtém qualquer informação. 

Neste momento, Tarek toma a decisão mais importante da sua vida. Abandona o Egipto e emigra para o Canadá, onde reiniciará a vida a partir do zero.

Termino aqui a descrição da narrativa, quando o livro se encontra sensivelmente a meio. Mas não seria correcto da minha parte desvendar os inesperados episódios seguintes e a surpreendente conclusão.

Ce que je sais de toi é um livro notável, pelo que diz e pelo que deixa entrever. Como primeiro romance, constitui uma agradável surpresa. E recorda-nos a coexistência (nem sempre pacífica) entre as diversas comunidades egípcias: muçulmana, copta, ortodoxa grega, melkita, maronita, etc., pelos seus usos e costumes. A comunidade judaica quase desapareceu depois da revolução de Nasser.

Procurei sintetizar da melhor forma a primeira metade do livro. Obviamente com muitas falhas, já que não é condensável a riqueza do texto. Os interessados poderão adquirir a obra e apreciar a sua qualidade.

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

AS ESTRANHAS ESCOLHAS DO PAPA FRANCISCO

Pela Bula Áurea "In supremo apostolatus solio", de Clemente XI (7 de Novembro de 1716), foi criado o Patriarcado de Lisboa, em paralelo com o Arcebispado existente, e que foi depois, naturalmente, absorvido pelo recém-criado Patriarcado.

Pela Bula "Inter praecipuas apostolici ministerii", de Clemente XII (17 de Dezembro de 1737), ficou estabelecido que o Patriarca de Lisboa seria elevado à dignidade cardinalícia no primeiro Consistório a seguir à sua nomeação.

Tudo favores da Santa Sé ao Fidelíssimo Rei o Senhor Dom João V. Estes privilégios, e muitos outros!

O princípio da elevação a Cardeal do Patriarca de Lisboa no primeiro Consistório seguinte manteve-se até data recente. Foi quebrado pelo Papa Francisco, quando o Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, nomeado em 18 de Maio de 2013, foi designado Cardeal apenas no segundo Consistório após a sua nomeação, isto é, em 14 de Fevereiro de 2015. Argumentou-se então que a excepção se devia ao facto de se encontrar ainda vivo o anterior Patriarca de Lisboa (já emérito), o Cardeal D. José Policarpo (ainda possuidor das suas prerrogativas cardinalícias).

Verifica-se, agora, uma segunda excepção, também da responsabilidade do Papa Francisco: a nomeação de D. Rui Valério para Patriarca de Lisboa, em 10 de Agosto de 2023, que não será seguida da sua elevação ao cardinalato no próximo Consistório, que terá lugar no dia 30 de Setembro corrente. Poderá voltar a argumentar-se que tal procedimento se deve ao facto de ainda se encontrar vivo (e no uso das suas prerrogativas cardinalícias) o Patriarca emérito de Lisboa, D. Manuel Clemente, que havia resignado por limite de idade.

Mas surge aqui uma imensa interrogação. Ao anunciar há várias semanas os novos cardeais a empossar no próximo dia 30, o Papa já tinha aceite a resignação de D. Manuel Clemente e certamente já teria decidido quem seria o seu sucessor, que poderia ser criado cardeal no próximo Consistório. Mas isto pode, todavia,  dever-se às razões anteriores mencionadas. O que é mais extraordinário é que o Sumo Pontífice tenha criado cardeal D. Américo Aguiar, Bispo titular de Dagnum e Auxiliar de Lisboa, sem o designar então para outras funções, e o tenha nomeado hoje para Bispo de Setúbal, Diocese que se encontrava vacante há quase dois anos. 

Não constitui escândalo público que o Papa nomeie cardeal um bispo residencial em Portugal, mas não é da história que isso tenha acontecido sem que o Patriarca de Lisboa fosse cardeal. O Bispo emérito de Leiria-Fátima, D. António Marto, foi cardeal, mas havia um cardeal em Lisboa. Mas que o novo Bispo de Setúbal seja elevado a cardeal sem que seja cardeal o Patriarca de Lisboa já parece uma atitude estranha. Tanto mais que a Diocese de Setúbal é sufragânea do Patriarcado de Lisboa e teoricamente na dependência deste.

Já estamos habituados a decisões controversas do Papa Francisco. Contudo, esta atitude significa uma afronta gratuita ao Patriarcado de Lisboa e, lato sensu, a todo o Episcopado Português. É que, com a sua elevação à púrpura cardinalícia, o novo Bispo de Setúbal terá precedência sobre todos os prelados portugueses: sobre o Patriarca de Lisboa, sobre o Arcebispo de Braga e Primaz das Espanhas, sobre o Arcebispo de Évora e sobre todos os Bispos Residenciais.

Não havia necessidade.

Que mais surpresas nos esperam?

É claro que não está em causa a figura de D. Américo Aguiar mas tão só o desrespeito de normas pontifícias com quase trezentos anos ou a sua involuntária ignorância, o que não parece ser o caso.


quarta-feira, 20 de setembro de 2023

O MUSEU NACIONAL DE ARQUEOLOGIA, EM VALETTA

O Museu Nacional de Arqueologia, em Valetta, está instalado num prédio barroco que foi, em tempos, o Albergue da Língua de Provença. Construído para os Cavaleiros provençais, é anterior a 1571 e a sua fachada exibe características maneiristas habitualmente associadas ao ao famoso arquitecto local Gerolamo Cassar, pelo que se presume tenha sido ele o autor, já que subscreveu os mais importantes edifícios de Valetta naquela época.

A divisão mais importante é o Grande Salão, situado no primeiro piso. Era usado para as reuniões dos cavaleiros e também como refeitório e sala de banquetes. As paredes da sala estão admiravelmente pintadas e o tecto possui excelentes painéis.

O edifício teve diversos ocupantes, desde 1798, quando a Ordem foi expulsa de Malta. Em 1826 passou a acolher a Malta Union Club, cujo arrendamento expirou em 2002, mas só foi executado em 12 de Agosto de 1955. Nesta data foi destinado a Museu Nacional de Malta, que foi inaugurado em Janeiro de 1958 por Agatha Barbara, ministra da Educação. Assumiu as funções de director o Capitão Charles G. Zammit (filho de Sir Themistocles Zammit, um médico que foi o promotor da arqueologia maltesa). 

A exposição permanente do período neolítico encontra-se no piso térreo, e as peças provêm das escavações efectuadas em vários templos e locais de Malta e de Gozo. Ocorrem por vezes exposições temporárias, que são apresentadas no Grande Salão, que também é utilizado para conferências e outros eventos. Ainda no piso superior pode ver-se um conjunto de peças da Idade do Bronze e da Arte Fenícia.

A tábua cronológica do Neolítico de Malta é a seguinte:

1) Fase Ghar Dalam - 5 200 - 4500 AC

2) Fase Skorba Cinzento - 4 500 - 4 400 AC

3) Fase Skorba Vermelho - 4 400 - 4 100 AC

4) Fase Zebbug - 4 100 - 3 800 AC 

5) Fase Mgarr - 3 800 - 3 600 AC

6) Fase Ggantija - 3 600 - 3 000 AC (Inclui uma sub-fase Saflieni - 3 300 - 3000 AC)

7) Fase Tarxien - 3 000 - 2 500 AC

As fases Ghar, Skorba e princípio de Zebbug correspondem ao Período Neolítico Inferior.

As fases Zebbug (final), Mgarr, Ggantija e Tarxien correspondem ao Período Templo.

A exposição de peças do neolítico compreende seis salas. 

A sala 1 é dedicada ao neolítico inferior e apresenta várias peças de cerâmica tais como cabeças de animais e figuras humanas, utensílios do quotidiano, lâminas de pedra e de sílex, núcleos de obsidiana, ou objectos encontrados em túmulos, como ossos ou o célebre Círculo de Pedra Xaghra.

Na sala 2 há ruínas do período Templo, que nos ajudam a compreender a arquitectura das estruturas megalíticas, com reconstituições dos monumentos. E indicações de como se procedia à construção dos templos.

A sala 3 é dedicada às representações humanas, com estátuas de diversas divindades. Existe uma estátua colossal de mulher do período Tarxiano e muitas figuras de cerâmica e de alabastro. E ainda um relicário de pedra encerrando dois volumosos pénis. Há aliás muitas representações de símbolos fálicos que se supõe terem sido venerados na época, bem como fragmentos de corpos abraçados , não se distinguindo se pertencem ao mesmo sexo ou a sexos diferentes. 

A sala 4 contém numeroso objectos de cerâmica incomuns, como uma "roda solar" de argila, seixos com incisões, cilindros de pedra com incrustações em ouro, colares, pingentes de pedra verde, etc.

Na sala 5 pode ver-se uma das peças mais famosas do Museu: a "Senhora Adormecida", escultura em barro proveniente do hipogeu de Hal Safieni. E outras peças do mesmo hipogeu.

A sala 6 está adornada com numerosos blocos de pedra e altares provenientes dos templos tarxianos. E também objectos diversos, como chávenas, tigelas, etc.

O Catálogo refere-se apenas ao Período Neolítico, embora o Museu abrigue agora peças da Idade do Bronze e da Arte Fenícia, das quais, passados vários anos sobre a minha visita, já não me recordo.


domingo, 17 de setembro de 2023

O ENGATE DOS VAGABUNDOS

Foi publicado há algumas semanas Prélude à son absence, primeiro romance de Robin Josserand, francês, de 31 anos, bibliotecário em Lyon.

Trata-se de um livro presumivelmente autobiográfico, em que o narrador, suposto alter ego do autor, é um jovem de 30 anos, que trabalha na Bibliothèque de la Part-Dieu, em Lyon. Nos dezassete andares do edifício, o narrador, de que não sabemos o nome, aborrece-se entre as estantes de livros, os ficheiros, as obras de arte e os objectos anacrónicos que ali permanecem desde 1972, data de inauguração da biblioteca. E possui um fascínio especial por Jean Genet, que se revela ao longo da obra e do qual cita, em epígrafe, a citação da tarja da 13ª edição do Journal du voleur: «Il faut d'abord être coupable.»

Aliás, o autor diz ao que vem logo no primeiro parágrafo do livro: «Si je devais réfléchir à ce pour quoi j'ai commencé à écrire, je dirais que la littérature, pour moi, consiste à décrire de beaux jeunes hommes. Des garçons partout, des garçons tout le temps: le project vain d'un voyeur innocent. Mais à force de buter, le désir s'est usé. À ceux croisés régulièrement dans ma rue, je refuse désormais mon regard, regard qui n'est plus ce qu'il était, qui ne s'attarde plus partout, que je peux dès lors laisser aller sans crainte. La jouissance me fait l'effet d'un coup reçu au sommet du crâne et le plaisir vient cogner dans ma tête comme un troupeau de bêtes fuyantes. Dorénavant, ma vie est en surdine et d'aucuns diront que j'ai un peu abandonné la partie. Cette existence est devenue laide, décevante. Je n'écris plus. Je viens d'avoir trente ans.»

Talvez por isso, o narrador manifesta agora uma predilecção especial pelos sem-abrigo e nos intervalos em que abandona o serviço para se passear pelas ruas adjacentes não deixa de perscrutá-los com um atento olhar. Assim, surpreende um dia, sentado em frente de uma farmácia, um jovem vagabundo que, pela sua beleza, lhe desperta particular atenção. E há uma troca de sorrisos. 

Durante alguns dias, o rapaz não se mostra nas redondezas, que o narrador percorre com redobrada atenção. Julga vê-lo ali ou acolá, mas é sempre um outro clochard. Até que finalmente o descobre e se vai estabelecendo um parco relacionamento, através de oferta de cigarros, de uma pequena moeda, da oferta da valiosa 13ª edição do Journal du voleur, que o narrador subtrai da biblioteca e que presume possa interessar ao sem-abrigo.

Os encontros furtivos de rua sucedem-se, até que o narrador o convida para se instalar no seu apartamento. Convite aceite após alguma hesitação do rapaz, que desde o início percebeu o jogo e deixa claro estar fora de questão qualquer relação sexual.

Mas o narrador não perde a esperança de ver aquele corpo sujo, que não despe uma peça de roupa, cujo vestuário miserável instintivamente o excita. E tentará a sua sorte, citando Koltès: «Ce n'est pas toujours celui qui aborde qui est le plus faible.»

Com persistência, consegue saber o nome e a idade do rapaz: Sven, 22 anos. 

A instalação de Sven no apartamento não implica deste a aceitação de quaisquer regras ou a prestação de quaisquer favores sexuais. Entra e sai às horas que lhe apetece, levando uma vida obscura, entre desaparecimentos bruscos, desejos insólitos e telefonemas insistentes que escapam à compreensão do narrador. E há, também, pelo meio álcool e drogas. Nem remexendo nos dois sacos com os seus pertences, que o vagabundo depositou na sua casa, o narrador consegue saber algo da sua vida, salvo que nasceu em Paris, talvez no seio de uma família burguesa e que, por opção, se tornou clochard. E encontra uma pequena fotografia de Sven, que subtrai, já que este recusa terminantemente deixar-se fotografar.

A vida sobressaltada do narrador prossegue, com ausências forçadas ao trabalho, devido ao ritmo alucinante em que se tornou o seu quotidiano. O apartamento é agora um local de imundície e de desassossego. As impertinências, as más vontades, os desejos insólitos e provocadores de Sven sucedem-se. E a paciência do narrador parece ilimitada. Mas para evitar que o rapaz, por quem está apaixonado, desapareça definitivamente (o que já quase aconteceu), resolve convidá-lo para uns dias de repouso na Bretanha, na ilha de Groix, donde lhe será difícil evadir-se. A viagem será um  pesadelo. E as férias também. A recusa a contactos permanece inalterável e a mão na perna ou no pescoço de Sven vale 50 ou 100 euros, mesmo assim regateados, porque este não está normalmente disposto. Por isso, o narrador, continua a saga de se masturbar sozinho no quarto várias vezes ao dia. 

Mas as férias têm um desfecho imprevisível, que não deve ser aqui revelado.

A obra é salpicada amiúde por citações musicais e literárias, como convém no domínio culto dos livros que tratam de homossexualidade. Nunca é demais invocar os grandes espíritos que também apreciaram as carnes dos seus semelhantes sexuais, já que sabemos, desde sempre, que o espírito está pronto mas a carne é fraca.

Até cerca de metade do livro a narrativa de Robin Josserand é muitíssimo interessante, revelando um promissor escritor. Com a continuação, a estória perde ritmo, talvez pela repetição de situações e pela circunstância, que se me afigura inverossímil, do narrador aceitar durante tanto tempo todas as impertinências do rapaz, mesmo tratando-se de uma verdadeira paixão, o que não parece ser o caso. A atracção física por Sven afigura-se relevar mais de um interesse sexual e de uma obsessão fetichista. Sempre houve, no milieu homossexual, um desejo por mendigos, vagabundos, drogados, quiçá criminosos, como existe um interesse, nunca desmentido, por fardas. E o coração tem razões que a razão desconhece.

Com a reserva apontada, Prélude à son absence prenuncia uma estimulante rentrée literária.



quinta-feira, 14 de setembro de 2023

A CASA ROCCA PICCOLA, EM VALETTA

A Casa Rocca Piccola, em Valetta, é a casa da família Piro, de uma antiga linhagem maltesa. A história da Casa Rocca Piccola recua ao século XVI, quando os Cavaleiros de São João, após a luta contra os turcos, em 1565, decidiram construir uma cidade de prestígio que pudesse rivalizar com as outras capitais europeias. Foram então edificados belos palácios nas ruas cuidadosamente planificadas da nova capital. 

O nome da Casa refere-se a Don Pietro La Rocca, almirante da Ordem de São João (da Língua Italiana). Os sucessivos proprietários foram aristocratas italianos, mas na segunda metade do século XVIII foi vendida a nobres malteses, que a detêm há mais duzentos anos. É hoje a casa da família do 9º Marquês de Piro, Nicholas, também 9º Barão de Budach. Abriga notáveis peças de mobiliário, pratas e pinturas, uma grande colecção de vestes antigas e um precioso arquivo de documentos privados. No subsolo foram cavados na rocha abrigos para protecção pessoal durante os bombardeamentos da Segunda Guerra Mundial.

Uma escadaria principal dá acesso ao piano nobile, constituído pelas seguintes divisões: Sala de Jantar de Verão, Sala Azul, Sala de Pórfiro, Biblioteca, Sala Verde, Quarto de Dormir, Arquivo, Sala de Jantar de Inverno, Sala Grande e Capela.

O Cardeal Fabrizio Sceberras Testaferrata (1757-1843), o único cardeal maltês, ofereceu ao proprietário da época, seu irmão Paolo Sceberras Testaferrata, um precioso cálice de ouro que se encontra na Capela.

As decorações pompeianas da Sala de Jantar de Inverno devem-se a Arthur Rose.

O Arquivo compreende uma extensa colecção privada de documentos da família Piro, que terá acompanhado os Cavaleiros de São João de Rhodes para Malta. O Grão Mestre Ramon Perellos enobreceu a família com um baronato em 1716 e Filipe V de Espanha concedeu-lhes um marquesado em 1742. Sobrevivem documentos relatando a venda de muçulmanos que Giovanni Pio de Piro fez ao mercador muçulmano Raïs. E também da administração dos bens da família e dos seus investimentos. 

A Sala de Pórfiro está ornamentada com retratos de Giovanni Pio Piro, 1º Barão de Budach e 1º Marquês de Piro e do Grão-Mestre Perellos. 

A Sala de Jantar de Verão é dominada por uma estátua de Diana em mármore de Carrara. 

Na Sala Azul existe um conjunto de instrumentos cirúrgicos de prata que pertenceram à Ordem Hospitalária de São João. 

Na Biblioteca pode ver-se sobre as portas uma sequência de pinturas de navios realizadas durante o grão-mestrado de Juan de Láscaris bem como dois imponentes retratos dos Grão-Mestres Emmanuel de Rohan e Ferdinand von Hompesch.

No Chamado Gabinete está uma das maiores preciosidades da Casa: a liteira dourada feita para Frà Victor Nicolas de Vachon Belmont, cavaleiro francês de Malta, capitão-general em 1764, e ornamentada com o seu brasão. Foi uma oferta do Grão-Mestre Pinto da Fonseca. O proprietário não abandonou Malta aquando da invasão de Napoleão, apesar das ordens deste. Estando sem dinheiro, para prosseguir as obras de caridade a que se tinha dedicado vendeu o mobiliário da sua casa. Os ingleses, que depois ocuparam a ilha, concederam-lhe uma pequena pensão. Morreu em 1807 e está sepultado na Capela de França da Co-Catedral de São João. 

É esta, em traços largos, a descrição da Casa Rocca Piccola.


quinta-feira, 7 de setembro de 2023

A HOMOSSEXUALIDADE E A CIVILIZAÇÃO

Regresso, para consulta, a essa extraordinária obra, a melhor que conheço no género, sobre a Civilização e a Homossexualidade, ou os homossexuais - ou melhor, os actos homossexuais, porque homossexualidade é coisa que só existe desde o século XIX:  Homosexuality and Civilization, de Louis Crampton, professor emérito da Universidade de Nebraska, editado pela Universidade de Harvard em 2003. Uma obra com mais de 600 páginas e convenientemente ilustrada. Li alguns capítulos, quando a comprei na data da publicação, e a ela regresso para esclarecimento de quaisquer dúvidas.

Informa o autor que decidiu escrever esta obra de referência depois da edição, em 1978, de Greek Homosexuality, de Sir Kenneth Dover, presidente da Academia Britânica, Chanceler da Universidade St. Andrews e presidente do Corpus Christi College, de Oxford. Apesar de publicado há cerca de meio século, o livro de Sir Kenneth Dover é ainda a grande autoridade em matéria de homossexualidade na Grécia Antiga.

Não permite a extensão do livro, nem a sua profundidade e erudição, tecer aqui quaisquer comentários. Limitar-me-ei a indicar os capítulos, cujos títulos despertarão certamente nos interessados o desejo da leitura.

1 - Early Greece (776-480 BCE)

2 - Judea (900 BCE-600 CE)

3 - Classical Greece (480-323 BCE)

4 - Rome and Greece (323 BCE-138 CE)

5 - Christians and Pagans (1- 565 CE)

6 - Darkness Descends (476-1049)

7 - The Medieval World (1050-1321)

8 - Imperial China (500 BCE-1849)

9 - Italy in the Renaissance (1321-1609)

10 - Spain and the Inquisition (1497-1700)

11 - France from Calvin to Louis XIV (1517-1715)

12 - England from the Reformation to William III (1533-1702)

13 - Pre-Meiji Japan (800-1868)

14 - Patterns of Persecution (1700-1730)

15 - Sapphic Lovers (1700-1793)

16 - The Enlightenment (1730-1810)

No Prefácio e nas Conclusões, o autor responsabiliza as religiões abraâmicas pela abominável interdição dos actos homossexuais, herança funesta  da religião Judaica em nome da qual o Catolicismo e o Protestantismo haveriam de cometer os mais monstruosos crimes. Também o Islão, como religião do Livro, condenou tais práticas, mas elas foram sempre toleradas, salvo períodos excepcionais, pelo poder secular e pelo poder religioso. E o radicalismo islâmico actual é um epifenómeno contemporâneo.

Pena que o prof. Louis Crampton não tenho dedicado um capítulo ao Mundo Árabe-Islâmico, bem como à Índia e à África Sub-Sahariana. E também à esfera Cristã da Ortodoxia.

Menciono, a título de curiosidade, que há no Capítulo 10 um sub-capítulo: The Inquisition in Portugal.

O livro está exaustivamente documentado e as transcrições dos nomes é correctíssima.


segunda-feira, 4 de setembro de 2023

O PALÁCIO DO INQUISIDOR, EM MALTA

O Palácio do Inquisidor, situado na Vittoriosa, nome actual de Birgu, que foi capital de Malta depois de Mdina e antes de Valetta, foi construído, na versão actual, em 1660.

O edifício original, o Palazzo del Sant'Officio, foi erigido cerca de 1530, após a chegada dos Hospitalários a Malta, e foi inicialmente destinado a receber a Magna Curia Castellania e os tribunais civis. Estes transitaram para Valetta em 1571, quando o Grão-Mestre Pietro Del Monte mudou o centro administrativo da Ordem para a nova capital e o edifício ficou vazio durante anos. Em 1574, chegou a Malta, como representante do Papa, Monsenhor Pietro Dusina, com a missão de resolver a disputa entre o Bispo Martino Royas e o Grão-Mestre La Cassière. Foi Dusina o primeiro inquisidor-geral e delegado apostólico na ilha e o Grão-Mestre ofereceu-lhe o palácio como residência oficial do inquisidor pro tempore.

Palácio do Inquisidor

Antes da chegada de Dusina, o Bispo de Malta estava investido nos poderes de inquisidor e a audição dos casos realizava-se no palácio. Como este não estava preparado para as novas funções inquisitoriais, Dusina procurou acomodação alternativa no Forte de Sant'Elmo e depois no convento dominicano da Vittoriosa. Só mais tarde o edifício passou a Palácio do Inquisidor, tendo sido a residência oficial dos 61 sucessores de Dusina até 1798.

Ao longo dos anos os diversos inquisidores introduziram sucessivas modificações no edifício, construindo ou demolindo várias parcelas, razão pela qual o Palácio apresenta hoje uma configuração muito complexa. O mais antigo plano do edifício que é conhecido data de cerca de 1600.

Quando, em 1798, a Inquisição foi abolida em Malta por Napoleão, o palácio já era radicalmente diferente do edifício existente no fim do século XVI.

A Inquisição em Malta debateu-se sempre com problemas financeiros, especialmente no que se refere a obras e modificações no Palazzo Apostolico, tendo de recorrer várias vezes à Santa Sé. Os pontífices mais compreensivos foram Alexande VII (1655-1667) e Inocêncio XII (1691-1700) que tinham sido inquisidores em Malta. O primeiro, enquanto Fabio Chigi (1634-1639) e o segundo, como Antonio Pignatelli (1646-1649). As maiores transformações ocorreram nos anos 30 do século XVII com o Grande Inquisidor Fabio Chigi e, depois, com o seu sucessor Giovanni Battista Gori Pannellini. 

Não cabe aqui a descrição do sucessivo alargamento das instalações e dos melhoramentos introduzidos, mas uma das grandes preocupações foi a construção das celas dos presos, situadas no plano térreo e também no piano nobile, ao lado do tribunal e da sala de audiências. As últimas grandes transformações foram realizadas pelo inquisidor Giovanni Francesco Stoppani na década de 1730. Dotou o Palácio da entrada majestosa e da biblioteca e procurou transmitir, pelo simbolismo do edifício, uma imagem poderosa de si mesmo e da Inquisição em geral. Era uma forma de se distinguir dos outros, fossem iguais (e portanto rivais) ou inferiores. A mensagem destinava-se em primeiro lugar ao bispo de Malta e ao grão-mestre, mais ao último do que ao primeiro. 

Aspecto das celas

O último inquisidor, Giulio Carpegna, abandonou a ilha um mês antes da Inquisição ter sido extinta em Malta, por Napoleão Bonaparte, em Junho de 1798.

Durante a ocupação francesa as propriedades da Inquisição passaram para a governação civil e o Palácio foi utilizado como quartel-general do Comandante Noblet.

Durante a colonização britânica o Palácio foi utilizado inicialmente como hospital militar. Na década de 1830 foi transformado em messe dos oficiais que prestavam serviço na guarnição britânica do Forte de São Miguel, em Senglea. O exército ocupou o palácio a título perpétuo e sem pagamento, enquanto fosse necessário para uso militar. Durante a ocupação as forças britânicas procederam a grandes modificações, donde resultaram numerosos danos no edifício, que foi descaracterizado. O Palácio foi finalmente trocado pelos militares por três outros locais em Valetta. A transferência para o poder civil originou larga controvérsia porque o exército não pretendia abandonar o edifício devoluto pretextando outras utilizações. Houve mesmo planos para demolir o edifício e construir no lugar um bloco de apartamentos governamentais. 

Em 1924, a Comissão de Antiguidades considerou o imóvel de interesse histórico e que devia ser reparado e preservado e que não poderiam ser feitas alterações estruturais sem o seu prévio consentimento. Em 1926, o Palácio passou para o Departamento de Museus, integrado na secção de Belas Artes, sendo o curador Vincenzo Bonello. Este e o seu sucessor Antonio Sciortino procederam a consideráveis obras, que foram interrompidas pela Segunda Guerra Mundial. Sendo a Igreja da Anunciação e o Convento dos Dominicanos destruídos por um bombardeamento em 1941, os frades, para poderem continuar a sua actividade apostólica, foram transferidos para o Palácio em 18 de Dezembro de 1942. Os Dominicanos transformaram os dois grandes espaços do piano nobile em capela e a sala do tribunal em sacristia. Quando o seu Convento foi reconstruído, a ele regressaram em 1954, mas a capela permaneceu em actividade até 1960, altura em que se completou o restauro da Igreja da Anunciação. 

O Palácio reabriu finalmente ao público, em 21 de Fevereiro de 1966 e foi novamente reaberto oficialmente em 5 de Dezembro de 1981 como Museu de Folclore. Em 1992 foi instalado o Museu de Etnografia, procedendo-se à reconstrução do Palácio de acordo com a documentação pertencente aos Arquivos da Ordem de Malta existentes no Vaticano.

domingo, 3 de setembro de 2023

"WANDERWEG" OU NO RASTO DE RICHARD STRAUSS

Li por estes dias Wanderweg (1986), de Jack-Alain Léger (1947-2013), na edição portuguesa de 1991, que então comprara e que permanecera a aguardar oportunidade de leitura, até hoje!

O autor, de seu nome Daniel Théron, usou o pseudónimo de Jack-Alain Léger e também os de Melmoth, Dashiell Hedayat, Eve Saint-Roch e Paul Smaïl. Teve uma infância complicada que haveria de reflectir-se na sua carreira e que o levaria a trocar frequentemente de nome literário. O seu percurso de escritor foi caótico, julgando sempre ser perseguido pelos editores, mas deve-se-lhe um romance que foi um best-seller na época, Monsignore. Lera dele, em tempos, sob o pseudónimo de Paul Smaïl, La Passion selon moi e Ali, le Magnifique, este sobre o famoso caso Rezala, do nome de Sid Ahmed Rezala, o "assassino dos comboios", um rapaz argelino que fora colectivamente violado aos nove anos por jovens na casa dos 20 anos e que assassinaria posteriormente algumas raparigas em comboios, já depois da família ter emigrado para França. A sua primeira condenação deveu-se a ter violado, com 15 anos, um rapaz de 13 anos, num parque subterrâneo, em Marselha.

Entre os 15 e os 20 anos, a sua vida decorreu entre alguns assaltos, violações de rapazes e de raparigas, prostituição e diversas detenções, além das três raparigas mortas, duas em comboios, conforme referido acima. As testemunhas do caso são unânimes em afirmar que Rezala era um rapaz lindo e de cativante simpatia.

Procurado por toda a França, refugiou-se em Portugal, tinha então 20 anos, mas acabou por ser detido em Lisboa pela polícia portuguesa (14 de Janeiro de 2000), quando se preparava para fugir para as Canárias. Vivera alguns dias na margem sul com um homem de 40 anos, que conhecera num bar gay da capital portuguesa.

Tendo a França pedido a sua extradição, a Justiça portuguesa hesitou, pois a nossa Constituição proíbe a extradição quando o réu arrisca prisão perpétua. Em conformidade, Rezala apelou para as instâncias superiores, mas tendo a França garantido oficialmente que a pena máxima possível de ser-lhe aplicada seria de 30 anos, o Supremo Tribunal de Justiça anuiu à extradição (24 de Maio de 2000).  Sid Ahmed Rezala apelou para o Tribunal Constitucional (que dispunha de 80 dias para se pronunciar), mas em 28 de Junho de 2000 suicidou-se por asfixia na prisão portuguesa, sem sequer ter sido julgado ou condenado.

Mas deixemos o Caso Rezala e voltemos a Wanderweg.

Este livro é construído em torno de uma personagem, o famoso compositor e maestro alemão Bruno Arnhein (nome fictício), inspirado na figura de Richard Strauss. Mas a personagem não é, nem pretende ser, um alter ego do autor de O Cavaleiro da Rosa, apesar das piscadelas de olho à sua vida e obra. A acção decorre essencialmente na Alemanha Nazi, embora aluda recorrentemente ao período anterior, com muitas citações dos tempos de Guilherme II, de Francisco José e da República de Weimar. Ao longo do livro (que é extenso, mais de 400 páginas) permanece a sombra de Adolf Hitler, desde antes do seu acesso ao poder até à sua morte. 

O autor faz surgir muitas figuras históricas e outras inventadas ou maquilhadas. Por exemplo, o famoso libretista de Arnhein, o poeta Egon von Rosenberg, homem cultíssimo mas de aspecto repugnante, obeso e ridículo, pederasta de urinol, sempre envolvido com jovens prostitutos, rico e judeu, não é, nunca poderia ser, Hugo von Hofmannsthal. Judeu e rico, e grande escritor, sim, mas nada mais. E sucede-se o cruzamento entre figuras reais e figuras imaginárias, para satisfazer o objectivo do romance, que se estende desnecessariamente, prejudicando por vezes a economia da obra. É verdade que a análise psicológica das pessoas e das situações é muitas vezes brilhante, porém o excesso de pormenores quebra o ritmo da narração, especialmente quando a cronologia dos acontecimentos navega num vai-vem sucessivo.

Deve reconhecer-se que Jack-Alain Léger conhece muito bem o período que retrata, que conhece a história da Europa, antes e durante a Segunda Guerra Mundial, que está ao par dos lugares emblemáticos da alta sociedade da época, dos seus costumes, das suas grandezas e das suas misérias, que está perfeitamente familiarizado com o mundo da música e sobretudo com o da ópera. 

Assistimos à ascensão do Nazismo, à indiferença dos alemães, indignados com as consequências do Tratado de Versalhes, ao insuportável aumento do custo de vida, à aliança de comunistas e nazis contra o governo de Weimar, à República Soviética da Baviera, à vitória democrática de Hitler, a última vitória democrática, ainda que o Führer dispusesse, até perto do fim, mesmo sem eleições, de um amplo apoio das massas. Mas a perseguição dos judeus e dos homossexuais, mais dos primeiros do que dos últimos, e a arbitrariedade do Poder, tornou-se insustentável nos derradeiros anos do regime. 

A perseguição dos judeus já fora anunciada no Mein Kampf, e os alemães, francamente anti-semitas, não se mostraram preocupados. Os judeus dominavam então a economia alemã. A perseguição dos homossexuais foi mais complexa. À partida, estes não adivinharam os perigos, pois se até Ernst Röhm, chefe das SA e companheiro de luta de Hitler desde a primeira hora, era abertamente homossexual. E o Nazismo exaltava a beleza masculina, era uma estética mais do que uma ideologia, e contou nas suas fileiras, até ao fim, com numerosos homossexuais que não chegaram a ser perseguidos. Sabemos que os últimos tempos do Império (o II Reich) e o período de Weimar foram extraordinariamente abertos à homossexualidade. Sendo o comunismo soviético de Estaline profundamente anti-homossexual, fazendo a União Soviética violentas críticas sobre as complacências sexuais do regime nazi e havendo também no espírito de Hitler uma aversão aos valores burgueses de Weimar, tudo isso terá pesado na perseguição que viria posteriormente a verificar-se. Mas para o Führer o cúmulo da "desgraça" era ser simultaneamente homossexual e judeu. Curiosamente, há muitos testemunhos de que o próprio Hitler era homossexual. Entre os livros mais documentados sobre a matéria conta-se A face oculta de Hitler, de Lothar Machtan, editado pela Bertrand em 2002.

Mas concentremo-nos no livro, cuja riqueza só a sua leitura permitirá revelar. Arnhein tem dois filho, um, Siegfried, que se tornará braço direito do Doutor Goebbels, outro, Friedrich, que será um militante anti-fascista. O compositor Arnhein, que comporá (como Strauss) obras para o regime e foi Director de Música do Reich, sem nunca se filiar no partido, manterá inicialmente uma atitude um pouco ambígua, pelo que será incomodado pelos "Aliados" no fim da Guerra. Todavia, terá sempre considerado ridícula a grandiloquência nacional-socialista. Também nos aparecem muitas vezes no livro Richard Wagner, Cosima, Luís II, Freud, Nietzsche, Mahler, Furtwängler, Bruno Walter, Schönberg, Elisabeth de Áustria ou Francisco José, dizendo (cito de cor) que "nada lhe seria poupado", depois de tumultos, greves, incêndios (o Ringtheater), guerras, o assassinato de seu irmão Maximiliano, o suicídio (?) de seu filho Rodolfo (no livro está irmão: erro do autor ou do tradutor ?), o assassinato de sua mulher Elisabeth e o ataque terrorista contra seu sobrinho Francisco Fernando, acontecimentos verificados nos seus quase 68 anos de reinado.

O livro está construído como uma partitura musical e sendo de qualidade irregular possui trechos absolutamente excepcionais, quer pela concepção, quer pela descrição. Não será exagero dizer que a personalidade do autor está perfeitamente espelhada nesta obra e que ele mesmo se encontra encarnado em muitas das suas personagens. A tradução portuguesa não é exemplar e mostra-se especialmente deficiente no que respeita a nomes próprios e a termos musicais. Algumas imprecisões flagrantes podem dever-se ao próprio autor mas não conheço o original.

As semelhanças de Bruno Arnhein com Richard Strauss são por demasiado evidentes. Uma das óperas mais célebres de Arnhein é La Contessina, escrita em homenagem a sua mulher, a Princesa de Werdenberg, que inclui uma Valsa que se tornou célebre em toda a Alemanha. Ora a Princesa de Werdenberg, a "Marschallin", é a protagonista de O Cavaleiro da Rosa. Também Arnheim foi Reichsmusikkammer, como Strauss, ainda que honorário, e escreveu o Hino para os Jogos Olímpicos de Berlim de 1936, tal como Strauss. E, como este, escreveu as Três Últimas Canções, que são Quatro, no caso de Strauss. Pela "conivência" com o regime nazi foi Richard Strauss também abrangido pelo "Processo de Desnazificação", uma monstruosidade psicológica, que só poderia ter sido inventada pelos "Aliados", suponho que sugerida pelos norte-americanos. Uma coisa é julgar crimes de guerra ou crimes ordinários, outra é julgar ideologias, assunto sempre complexo e perigoso. Segundo esse princípio, os americanos e ingleses poderiam ter sido julgados pela invasão do Iraque, mas não houve para eles um Tribunal de Nuremberga.

Um fio condutor da narrativa do livro é o escritor suíço Jean Schreiber que se avista uma vez com Arnhein e depois, no estrangeiro, algumas vezes, com sua filha Pamina, e que pretende escrever uma biografia, ou romance, sobre Arnhein. E que é por esta considerado um mau escritor. Lembrei-me, mas posso estar errado, de Jean-Jacques Servan-Schreiber (J-J S-S), escritor e jornalista, que foi o fundador e director da revista francesa "L'Express".  O verdadeiro J-J S-S era francês, mas viveu com a jornalista, escritora e mulher política Françoise Giroud, que era suíça.

Autor de algumas dezenas de romances, alguns de enorme sucesso e até adaptados ao cinema, mas de personalidade depressiva desde a infância, Jack-Alain Léger, que era homossexual, suicidou-se em 17 de Julho de 2013 (com 66 anos), defenestrando-se do 8º andar do seu apartamento em Paris.

sábado, 26 de agosto de 2023

AMORES NO CAMPO

Reli, 32 anos depois de o ter comprado, Amores no Campo (1931), de Sarah Beirão. Confesso que mal me recordava do enredo. É um romance simples, um pouco cor-de-rosa, tendo incrustado um breve roteiro turístico de Portugal, França e Itália, onde decorre a estória, e que permite à autora mostrar os seus conhecimentos da vida e da arte desses países. Embora bem escrito, é pretensamente didáctico e está recheado de lugares comuns, sendo o desfecho facilmente previsível. Na vida real, tudo é normalmente - e infelizmente - muito diferente... mas que importa! Ainda assim, não deixa de ter alguma graça. No entanto, o mais curioso é o facto de toda a acção se desenrolar em meios aristocráticos e burgueses, de grande convencionalismo, quando é sabido que Sarah Beirão era uma fervorosa republicana. Mas, no fundo, talvez isso não seja propriamente uma contradição.

Sarah Beirão (1880-1974), além de escritora, foi jornalista, publicista, filantropa e activista dos direitos das mulheres. Na ficção, a sua obra é especialmente dedicada ao público infanto-juvenil. Foi presidente (1935-1941) do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, fundado por Adelaide Cabete, e também presidente (1938) da Liga Nacional de Defesa dos Animais.

Constituiu, nos anos 70 do século passado, uma Fundação, de certo modo precursora da Casa do Artista, destinada a ser casa de repouso e assistência para artistas e intelectuais, com sede num solar do século XVIII, em Tábua, pertença da família, e que ainda hoje se encontra em funcionamento.

Em 1948, foi agraciada com o grau de Oficial da Ordem de Santiago da Espada.

Mas o seu nome não ficou inscrito na história das letras pátrias. Consultando a História da Literatura Portuguesa, de António José Saraiva e Óscar Lopes, por onde todos estudámos, não lhe é dedicada sequer uma linha.

Não conheci pessoalmente Sarah Beirão, mas conheci-a de nome desde sempre. E já explico. Durante dois anos, deveria eu ter uns sete anos, o meu pai alugou na Eugaria (Colares) uma casa ou parte dela, onde passámos os meses de Verão. Era a moradia onde vivera Alfredo Keil, compositor, poeta, pintor, arqueólogo e maçon, autor da música de A Portuguesa (o Hino Nacional) e que, na altura, já tinha passado ao Oriente Eterno. Ainda me recordo, mesmo que vagamente, da forma justa e perfeita como se encontravam dispostos os azulejos azuis que ornamentavam o jardim da residência.

Havia na vizinhança a Quinta da Palma, então da família Ludovice (a que pertencera a primeira mulher do meu pai) e onde eu ia brincar quase diariamente com os "primos" da minha idade e a Quinta da Piedade, propriedade da Marquesa de Cadaval, lugar que viria a ficar célebre. E havia ainda uma mansão, não sei se na altura habitada, conhecida como a Casa de Sarah Beirão, figura muito conhecida e muito popular no povoado. O nome da escritora tornou-se familiar para mim desde a infância.

Ao reler agora o livro, recordei essas longínquas memórias.


AINDA D. AFONSO VI

Visitando vários caixotes de livros, encontrei outra obra sobre D. Afonso VI, neste caso D. Afonso VI, de António de Sousa de Macedo, com introdução do Embaixador Eduardo Brazão (1940).

Tem este livro a particularidade de ter pertencido ao erudito Castelo Branco Chaves (1900-1992), ensaísta, jornalista, crítico e tradutor, possuidor de vastíssima biblioteca que, por sua morte, foi total ou parcialmente vendida ao alfarrabista Tarcísio Trindade, proprietário da Livraria Campos Trindade, sita na Rua do Alecrim, 44, hoje encerrada pelo filho, em consequência da Lei da Rendas, e onde, durante anos, comprei dezenas de obras.

Recordo-me da aquisição. Quando comprava uma biblioteca com interesse, Tarcísio Trindade guardava os livros em grandes sacos, e abria-os progressivamente, durante dias consecutivos, em especial à tarde, e alguns clientes habituais deslocavam-se lá a essas horas e pacientemente aguardavam a abertura dos ditos sacos de plástico preto para serem os primeiros a obter as obras que lhes interessavam. E às vezes até havia disputas. Entre esse clientes, nos quais me incluía, estavam o Prof. Soares Martinez (catedrático de Direito e ex-ministro), um médico (cujo nome agora não me ocorre), que era sobrinho do Doutor Azeredo Perdigão e um embaixador jubilado (também não me recordo do nome), que fora nosso representante na Hungria, que morava na Linha de Cascais e que, contra a vontade da mulher, tinha instalado uma parte da sua biblioteca na garagem da casa. Sono tutti  morti! salvo eu, por enquanto. Foi numa dessas tardes que comprei este livro.

Sei que o livro pertencera a Castelo Branco Chaves porque está assinado e comentado por ele, a exemplo de todos os que da sua biblioteca adquiri. Era um homem de notável erudição e proprietário de valiosas e diversificadas obras. Espantei-me que o filho, Fernando de Castelo Branco, membro da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Portuguesa da História, que suponho ainda vivo, tivesse vendido no total ou em parte a biblioteca do pai, mas, ao que julgo supor, ele é também possuidor de vastíssima biblioteca e já não existem casas onde arrumar tantos livros.

Vem isto a propósito de uma anotação, a lápis como era seu hábito, de Castelo Branco Chaves na Introdução do livro. Lá chegarei.

Este D. Afonso VI é apresentado e tem introdução, como escrevi acima, do Embaixador Eduardo Brazão, que refere tratar-se de um manuscrito que encontrou na Biblioteca do Palácio da Ajuda e em cuja folha de rosto se lê: «Contem este papel hua sumaria rellação dos susessos, de Portugal desda menorid.e em the o falec.to  del Rey D. Affº o 6º q Deos descança escripta, e composta por Antonio de Souza de Macedo». Para já, há uma incongruência, pois o conteúdo do livro termina em 1664 e D. Afonso foi proclamado rei em 1656, assumiu efectivamente o poder em 1662, afastando a regente e sua mãe, D. Luísa de Gusmão, e foi deposto da governação pelo irmão, o infante D. Pedro (mais tarde D. Pedro II), em 1667, conservando todavia o título de rei, tendo morrido em 1683. Ora o livro apenas relata factos de 1662 a 1664.

António de Sousa de Macedo (1606-1682) foi um notável escritor e diplomata que D. Afonso VI nomeou secretário de Estado quando subiu ao trono (1662). Afastado do governo e desterrado em 1666, foi definitivamente afastado da Coroa em 1667, por pressão da rainha e do infante, futuro D. Pedro II.

Voltemos à anotação a lápis de Castelo Branco Chaves. Escreve ele: «Eduardo Brazão atribui a autoria desta obra a António de Sousa de Macedo - Afonso Pena Jor, no Brasil [ilegível] que foi escrita por Pedro Severim de Noronha, secretário das Mercês de D. Afonso VI e filho de Gaspar Severim de Noronha, secretário de D. João IV. Morreu assassinado em 1664, e por isso a narrativa fica no começo do 4º trimestre deste ano.» 

Não conheço as razões que levaram Afonso Pena Jor (filho de Afonso Pena, 6º presidente do Brasil) a esta conclusão, mas, atendendo ao período reportado na obra, parece verosímil. Já agora, uma correcção minha: Gaspar Severim de Noronha chamava-se Gaspar Severim de Faria, um pequeno lapso de Castelo Branco Chaves.

E Pedro Severim de Noronha morreu realmente em 1664, assassinado perto do Paço Real, quando regressava de liteira a sua casa, por um grupo de facínoras dos bandos que sempre acompanhavam D. Afonso VI.

Sobre o livro propriamente dito, falarei mais tarde.

 

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

A ANULAÇÃO DO MATRIMÓNIO DE D. AFONSO VI

Trata este livro, D. Afonso VI (1937), de J.A. Pires de Lima e A.A. Pires de Lima, da anulação do matrimónio de D. Afonso VI com D. Maria Francisca Isabel de Saboia. É uma publicação breve e, segundo os autores, «trata-se apenas da reedição, embora bastante ampliada, de uma conferência pronunciada na Associação Médica Lusitana em 1927 e depois publicada numa revista médica.»

O trabalho reclama-se de intuitos modestos: procurar esclarecer o diagnóstico da moléstia de que sofreu D. Afonso VI e estudar juridicamente a causa da anulação do casamento.

Muito se tem escrito sobre este monarca, do seu reinado em geral e das circunstâncias em que veio a ficar separado da mulher e prisioneiro do irmão. Não julgo que este opúsculo seja uma contribuição decisiva para iluminar definitivamente o caso, mas, já que o encontrei entre velhos livros, tecerei alguns comentários.

Os autores estabelecem um quadro geral e passam depois à matéria mais delicada. Segundo testemunhos da época, D. Afonso teria comportamentos estranhos, por vezes violentos, na sequência de uma enfermidade contraída por volta dos dois ou três anos (meningite ?) e que o teria deixado semi-paralisado do lado direito. Mas não perdera propriamente o tino. O seu casamento com D. Maria Francisca, que lhe fora imposto, foi desde o início um fracasso. O Rei não gostava dela. 

O Processo de Anulação do Matrimónio implicava que D. Maria Francisca estivesse virgem (não consumação do casamento) e que o rei fosse impotente. E assim se fez. D. Afonso VI acamaradava com gente do povo, da qual muitos eram rufiões envolvidos em brigas, que acoitava no Paço. Lembremo-nos da família Conti. Tal gente levava rameiras para satisfação do soberano, que tentava manter com elas, quase sempre infrutiferamente, relações sexuais. Essas mulheres fizeram depoimentos bastante crus para constarem dos autos, uns coincidentes, outros não, mas o essencial ficou escrito. É pacífico afirmar que os órgãos sexuais do rei eram disformes, pénis minúsculo em repouso e de forma estranha quando erecto, testículos de volumes extraordinariamente desiguais; mas enquanto umas negam a existência de qualquer ejaculação, outras afirmam que o rei as teve, embora nem sempre o fizesse no vaso apropriado, por impossibilidade ou por precocidade. Inclinam-se os autores para hidrocele, também em consequência de um golpe que recebera uma vez nas partes genitais. Também é referido que o rei não conseguia desflorar as donzelas que os ditos lhe procuravam, e tinha de pedir a amigos ou criados para realizarem esse serviço para ele depois tentar penetrá-las. 

É evidente que o Processo se encontra enviesado, já que, como seria canónico, devia ter-se procedido ao exame físico dos cônjuges (inspectio corporis), para se concluir da impotência do rei e da virgindade da rainha. O promotor, nas razões finais, alegou que os autos satisfaziam «a quase todos os meios de prova», excepto «os da evidência certa», mas não se atreveu a requerer o exame, invocando o decoro régio e contentando-se com o juramento.

A rainha retirou-se para o convento da Esperança em 21 de Novembro de 1667. Em 23 de Novembro, o infante D. Pedro obteve a proclamação (assinada pelo rei ?) de que fazia desistência do Governo a favor do irmão.

A sentença que decretou a nulidade do matrimónio tem a data de 24 de Março de 1668. No dia 28 a rainha casava com o infante, sendo abençoados pelo bispo de Targa. 

«Ora para a celebração desse casamento, era necessária, além da anulação do matrimónio anterior, a dispensa chamada publicae honestatis, concedida pelo papa, por o novo marido ser irmão do anterior. E claro é que não devia ser pedida a dispensa sem que o casamento estivesse dissolvido, porque ninguém pode, estando ainda preso por um vínculo matrimonial, solicitar dispensa para casar de novo.» (p. 66)

Disse D. Afonso VI que fingiram os breves pontifícios, o que não é verdade porque ninguém teve coragem de falsificar um documento papal. Mas foi forjado um breve pelo cardeal duque de Vendôme, tio e protector da rainha, em 15 de Março de 1667, quando ainda não havia sentença de anulação. 

Os autores explicam a pressa na realização do casamento devido ao facto de D. Maria Francisca se encontrar grávida do infante D. Pedro e do escândalo público que decorreria da exibição dessa gravidez, tendo a rainha feito um juramento de virgindade. E concluem: «As três pessoas reais de quem nos ocupamos têm sido julgadas de maneiras muito diversas. Para nós, todas elas são bem repugnantes; ou digno de piedade só achamos D. Afonso, vítima desgraçada da doença, e da hipocrisia e traição dos políticos.» (p. 73)

Importa ainda dizer que o original do processo desapareceu, bem como a cópia autêntica que dele requereu o Duque de Cadaval, procurador da rainha. Só é possível estudar esta curiosa peça pelas cópias extraídas por alguns coevos.

Concluo, considerando que este opúsculo é confuso, desorganizado, omitindo elementos essenciais e apresentando outros desordenadamente. Não é através dele que se poderá esclarecer quem deseje aprofundar este caso, a todos os títulos lamentável na história do país.


terça-feira, 22 de agosto de 2023

A CO-CATEDRAL DE SÃO JOÃO, EM VALETTA (GUIA DE VISITA)

Aqui se estampa o mapa do interior da Co-Catedral, já referida em post anterior.




O BALIO DE LEÇA E A ORDEM DE SÃO JOÃO DO HOSPITAL

Arnaldo Gama (1828-1869) foi um escritor portuense que se dedicou especialmente ao romance histórico e cujas obras foram muito populares na segunda metade do século XIX e na primeira metade do século XX.

Recordo-me de ter ouvido, muito jovem, um folhetim radiofónico da antiga Emissora Nacional, de saudosa memória, adaptado de um dos seus romances, creio que Um Motim há Cem Anos ou O Sargento-Mor de Vilar. Isto era no tempo em que havia, com frequência, teatro radiofónico e peças de teatro na televisão. Mas tudo acabou! A Cultura tem desaparecido progressivamente dos jornais, rádios e televisões "generalistas", para se confinar - e só alguns aspectos cuidadosamente escolhidos para não atentarem contra o politicamente correcto - a órgãos específicos, que privilegiam o que "está na moda"!

Vem isto a propósito da leitura de O Balio de Leça (1872), publicado em edição póstuma.

Resumindo:

D. Frei Estêvão Vasques Pimentel (c.1260-1336), Balio de Leça e Grão-Prior do Hospital, regressa incógnito da Terra Santa, em 1324, depois de ter passado por Avinhão e Roma, acompanhado por seu sobrinho [ou sobrinho-neto ???], o jovem D. Frei Álvaro Gonçalves Pereira (c.1300-c.1375).

Ao chegar perto de Leça, toma conhecimento dos graves acontecimentos ocorridos no Baliado durante a sua ausência, onde deixara como Lugar-Tenente o valoroso Frei Nuno Mendes, que não conseguira travar os excessos de soberba, riqueza e luxúria de alguns frades. Um dos cavaleiros, D. Frei Rui de Alpoem, chega mesmo a raptar uma donzela, encerrando-a no Mosteiro.

[O regresso destes dois frades, de chapéus de abas largas, vieiras nas murças das esclavinas e bordões ferrados nas pontas, evoca o célebre regresso da Terra Santa do Romeiro do Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett.]

Sem se dar a conhecer, Frei Estêvão Pimentel convoca para um encontro no exterior Frei Nuno Mendes, a quem avisa de que existe uma conspiração na Ordem para o depor, ou até assassinar. O Lugar-Tenente, que já tinha mandado encarcerar os frades revoltosos, julga não haver motivo para alarme, mas acaba por ser traído e foge do castelo.

Por convocação de um dos frades, reúne-se o Capítulo para eleger um novo Balio, mas surge subitamente Frei Pimentel. Frei Alpoem, que Pimentel considerava como um filho, faz-lhe frente, mas os frades reconhecem a autoridade do venerando Balio regressado, apoiado por Frei Nuno Mendes e pelo sobrinho D. Frei Álvaro Gonçalves Pereira. E nos termos da Lei, e por muito que lhe custe, manda enforcar os revoltosos. Frei Rui de Alpoem, que se deixara encabeçar pelos verdadeiros revoltosos, por ser o mais valoroso dos militares, apesar de ainda muito jovem e bem parecido, deveria ser castigado de outra forma, mas roído pela desgraças dos companheiros, acaba por "enlouquecer" e rasgar as vestes de hospitalário, caindo morto aos pés de Frei Pimentel. Por isso, será sepultado na vala comum. 

Há pelo meio, entre os cerimoniais da Ordem, a vexata quaestio, o caso da donzela raptada e do presumível adultério de sua mãe com um dos frades. E a ira do marido supostamente enganado. Mas tudo se resolve com a graça de Deus e o milagre do falecido irmão D. Frei Garcia Martins (m. 1306), que fora Grão-Comendador dos Cinco Reinos de Espanha (e cujo nome foi dado a uma rua em Leça do Balio).

«Judica me domine quoniam ego in innocentia mea ingressus sum.» (Ezequeil, XVIII, 18)

O enredo do romance é muito interessante mas a linguagem é, por vezes, rebuscada, com arroubos medievalistas, como convém ao bem urdido argumento. Não me foi dado confirmar todas as datas, mas no essencial a cronologia afigura-se correcta.

Para ilustração dos leitores, acrescente-se que o jovem D. Frei Álvaro Gonçalves Pereira, bonito e valente moço, foi, apesar dos três votos dos cavaleiros professos de pobreza, obediência e castidade, muito dado aos negócios da carne. Assim, teve 32 filhos, entre os quais D. Pedro Álvares Pereira, que lhe sucedeu como Prior do Hospital e Mestre da Ordem de Calatrava e D. Nuno Álvares Pereira, que foi Condestável de Portugal.

D. Frei Álvaro Gonçalves Pereira, que era filho sacrílego de D. Frei Gonçalo Gonçalves Pereira, Arcebispo de Braga e Primaz das Espanhas, e de Teresa Peres Vilarinho, foi o último Balio de Leça e obteve do Grão-Mestre da Ordem dos Hospitalários, em 1341, o Grão-Priorado de Portugal, sendo designado Prior do Crato, que passou a ser a sede da Ordem no nosso país.

domingo, 20 de agosto de 2023

O PALÁCIO DOS GRÃO-MESTRES, EM VALETTA

O Palácio dos Grão-Mestres da Ordem de Malta, em Valetta, foi construído em finais do século XVI, depois do Grão-Mestre Pietro Del Monte ter transferido oficialmente a sede da Ordem de Birgu para Valetta. Foi projectado pelo arquitecto Girolamo Cassar e possui dois pisos e duas entradas principais, a segunda mandada edificar pelo Grão-Mestre Manuel Pinto da Fonseca. É hoje a Residência Oficial do Presidente da República de Malta, cujo gabinete está situado no andar superior, onde se encontram também a Câmara do Conselho e a Câmara do Grande Conselho, o Parlamento, a Sala de Jantar e a Sala dos Embaixadores. Ao lado desta última encontra-se a Sala Amarela (que hoje é verde) e que era a antiga Sala dos Pajens e que serve agora de antecâmara da Sala dos Embaixadores. Há dois grandes pátios no interior, o do Príncipe de Gales e o do Príncipe Alfredo. No pátio do Príncipe de Gales encontra-se uma estátua de Neptuno. No piso térreo estão os serviços oficiais e o Museu do Arsenal (armaduras e armas de guerra).

Na fachada do andar térreo existem algumas lápides com inscrições, nomeadamente com a data da independência (1964), com a data da proclamação da República (1974) e com a data da retirada da guarnição britânica (1979). A Torre Moura do Relógio foi instalada pelo Grão-Mestre Manuel Pinto da Fonseca, em 1745, e a Torre de Vigia foi construída pelo Grão-Mestre Emmanuel de Rohan-Pulduc (1775-1797). Esse Relógio, de bronze, exibe quatro figuras em trajes turcos e possui quatro mostradores, que indicam as horas, os dias, os meses e as fases da lua. 

Palácio do Grão-Mestre, hoje Residência Oficial do Presidente da República

Na parede em frente da entrada principal pode ver-se a lista dos 28 Grão-Mestres que governaram a ilha e no cimo da escada encontra-se a lista dos Comissários, Governadores e Governadores-Gerais. Uma placa no corredor principal refere que o Grão-Mestre Hugues Loubenx de Verdalle foi elevado a Cardeal pelo Papa Sixto V, em 1587. Muitas das pinturas do Palácio (e também da Co-Catedral) devem-se a Niccolò Nasoni, artista bem conhecido dos portugueses (a Igreja dos Clérigos, no Porto, por exemplo). No lado esquerdo do corredor estão os retratos dos Grão-Mestres António Manoel de Vilhena, Manuel Pinto da Fonseca, Francisco Ximenes de Texada e Ferdinand von Hompesch.

O Grão-Mestre Philippe Villiers de L'Isle Adam resistiu ao ataque turco de Suleiman I a Rhodes, em 1522, mas foi obrigado a render-se (honrosamente) à Sublime Porta, tendo obtido do Imperador Carlos Quinto a ilha de Malta para sede da Ordem. Tendo uma Comissão das diversas Línguas visitado a ilha para verificar as condições, foi decidido aceitar a doação num Capítulo Geral reunido em Viterbo, em 1530. Em 13 de Novembro o Grão-Mestre fez a sua entrada solene em Mdina, tendo prometido respeitar os direitos dos malteses e obtendo destes a vassalagem ao Grão-Mestre.

O Grão-Mestre Jean Parisot de La Valette distinguiu-se durante o épico cerco de Malta em 1565 e mandou construir a nova cidade de Valetta. Está sepultado na cripta da Catedral de São João.

O Grão-Mestre António Manoel de Vilhena reforçou os bastiões de Valetta e de Mdina, construiu o Seminário e a Residência Episcopal de Mdina e o Teatro Manoel. Deve-se-lhe também a construção do subúrbio de Floriana. É um dos nomes muito ilustres do Grão-Mestrado.

O Grão-Mestre Manuel Pinto da Fonseca, por muitos considerado um governante despótico, teve o mais longo reinado da Ordem: 32 anos! Reconstruiu o Albergue de Castela, hoje a sede do Governo e Residência Oficial do Primeiro-Ministro, acrescentou o Palácio Magistral, construiu o Tribunal de Justiça e a já citada Torre do Relógio. A sua acção estendeu-se a todos os aspectos da vida de Malta. A aldeia de Qormi (onde vive a maioria dos padeiros ao serviço da Ordem) chama-se hoje Città Pinto em sua homenagem. Fundou também a Universidade de Malta e fez numerosas doações à igreja de São João, como paramentos e dois grandes sinos cuja composição, diz-se, contém prata e ouro.

Albergue de Castela, hoje Residência Oficial do Primeiro-Ministro

O Grão-Mestre Ferdinand von Hompesch, que aos 16 anos fora pajem do Grão-Mestre Manuel Pinto da Fonseca, foi o último soberano da Ordem a residir em Malta. Nos finais do século XVIII, a maioria dos Cavaleiros era francesa e nutria simpatias pela República e por Napoleão Bonaparte. Quando em 1798 a frota francesa (a caminho do Egipto) se aproximou da ilha e pediu permissão para se reabastecer de água, o Grão-Mestre autorizou, mas permitindo apenas a entrada de dois navios, nos termos do Tratado de Neutralidade. Napoleão considerou a atitude um insulto e mandou avançar as suas tropas sobre a ilha. Para evitar o derramamento de sangue, o Grão-Mestre assinou uma trégua: Malta e as propriedades dos Cavaleiros passavam para a França; o Grão-Mestre podia abandonar a ilha; os Cavaleiros poderiam permanecer na ilha ou abandonarem-na regressando aos seus países; aos habitantes malteses, que naturalmente os havia, era permitido conservarem os seus direitos e privilégios e praticarem a sua religião. Em 1800, os ingleses conquistaram Malta e expulsaram os franceses. Hompesch e alguns cavaleiros embarcaram em 1798 rumo a Trieste.

A ala Perellos do Palácio (do nome do Grão Mestre Ramon Perellos y Roccaful), era a esquina do Palácio onde se encontravam os aposentos de Verão do Grão-Mestre: compreende hoje três divisões: a Sala de Espera, a Sala dos Ajudantes de Campo e o Gabinete do Presidente da República. No lado esquerdo do actual Gabinete existia uma alcova com um leito que era usado pelo Grão-Mestre. Existem muitas pinturas, entre as quais uma "Crucificação", de José de Ribera. 

O tecto da Sala do Grande Conselho foi pintado por Matteo Perez d'Aleccio, havendo no fundo um trono que era usado pelo Grão-Mestre em cerimónias oficiais. Foi nesta sala que, em 1818, durante a ocupação britânica, o rei Jorge III instituiu a Ordem de São Miguel e São Jorge, investindo como Grão-Mestre o então Governador de Malta, Sir Thomas Maitland.

A Câmara do Conselho é também conhecida por Câmara das Tapeçarias. Entre 1921 e 1976 alojou o Parlamento Maltês. Possui dez maravilhosos tapetes Gobelin, conhecidos por Tapeçarias das Índias e que foram doados pelo Grão- Mestre Perellos. 

A Sala dos Pajens, que foi chamada Sala Amarela, contígua à Sala dos Embaixadores, é utilizada hoje para os embaixadores assinarem o Livro de Honra por ocasião da apresentação de credenciais. Os Pajens faziam parte da entourage do Grão-Mestre. Ingressavam na adolescência e quando atingiam os 18 anos eram admitidos como Cavaleiros. Em Rhodes, o Grão-Mestre tinha oito pajens à disposição mas o seu número foi elevado para dezasseis quando a Ordem se mudou para Malta. Na decoração inclui-se uma miniatura de prata do  Castelo de Verdala (no Buskett Gardens) mandado construir pelo Grão-Mestre Verdalle e hoje residência de Verão do Presidente da República.

Em todo o Palácio existem quadros representando os principais Grão-Mestres, soberanos estrangeiros, personalidades notáveis e também ricas tapeçarias, louças preciosas, armaduras novas e usadas, pinturas dos grandes mestres, constituindo o conjunto um museu de inestimável valor.


sexta-feira, 18 de agosto de 2023

A CO-CATEDRAL DE SÃO JOÃO, EM VALETTA

A Igreja Conventual de São João, em Valetta, hoje Co-Catedral, foi mandada edificar pelo Grão-Mestre Jean de La Cassière (1572-1581), em substituição da velha Igreja de São Lourenço, em Birgu. Foi consagrada em 20 de Fevereiro de 1578, por Ludovico de Torres de Monreal.

No altar-mor figura um conjunto escultórico de mármore representado o Baptismo de Cristo, da autoria de Melchior Gafà que, devido à morte prematura deste, foi concluído pelo seu discípulo Giuseppe Mazzuoli.

As capelas laterais são dedicadas a cada uma das Línguas (ou Grupos nacionais).

Do lado esquerdo:

- Capela da Língua Anglo-bávara

- Capela da Língua de Provence

- Capela da Língua de França

- Capela da Língua de Itália

- Capela da Língua da Alemanha

Do lado direito:

- Capela do Santíssimo Sacramento (antiga Capela de Nossa Senhora de Philermos, onde se encontrava um ícone bizantino assim conhecido e que os Cavaleiros trouxeram desta cidade de Rhodes em 1530). Quando o último Grão-Mestre reinante abandonou a ilha, levou consigo o ícone para Trieste, o qual foi entregue ao tsar Paulo I, quando este foi eleito Grão-Mestre. Depois da revolução de 1917, o ícone terá sido confiado à família real da Sérvia.

- Capela da Língua de Auvergne

- Capela da Língua de Aragão, Catalunha e Navarra

- Capela da Língua de Castela e de Portugal

No Oratório, do lado direito de quem entra, figura a célebre pintura "A decapitação de São João Baptista", do Caravaggio.

Na Sacristia, do lado esquerdo, encontra-se o célebre retrato do Grão-Mestre Manuel Pinto da Fonseca, por Antoine Favray. 

Mausoléu do Grão-Mestre António Manoel de Vilhena

Na Capela de Portugal existem dois extraordinários mausoléus: o do Grão-Mestre António Manoel de Vilhena, de Massimiliano Soldani Benzi e o do Grão-Mestre Manuel Pinto da Fonseca, de Vincenzo Pacetti. 

As outras capelas abrigam mausoléus de grão-mestres das respectivas línguas.

O pavimento da catedral serviu de lugar de sepultura de alguns dos mais distintos cavaleiros, sendo representadas, no mármore, as suas armas. 

A decoração barroca da Catedral deve-se ao pintor Mattia Preti. 

Na Cripta, encontram-se os mausoléus de alguns dos principais Grão-Mestres: Philippe Villiers de L'Isle Adam, Jean Parisot de La Valette, Alof de Wignacourt, Luís Mendes de Vasconcellos.

Existe também um Museu e um Cemitério exterior. 

Muito mais haveria a escrever, mas fiquemos por estas notas.


quarta-feira, 16 de agosto de 2023

ALGUMAS DATAS-CHAVE DA ORDEM DOS HOSPITALÁRIOS

 

"Decapitação de São João Baptista", por Caravaggio (Co-Catedral de São João - Valetta)

Aqui se anotam algumas datas fundamentais na vida da Ordem Soberana, Militar e Hospitalária de São João de Jerusalém, de Rhodes e de Malta:

1113 - Aprovação da Ordem Hospitalária de São João de Jerusalém pela bula Pie Postulatio Voluntatis, do Papa Pascoal II.

1203-1206 - Infante D. Afonso, Grão-Mestre (português).

1291 - São João de Acre é conquistada pelos Mamelucos. Os Hospitalários abandonam a Terra Santa.

1292-1306 - Permanência dos Hospitalários em Chipre.

1306 - Os Hospitalários conquistam Philermos, capital de Rhodes, instalando-se na ilha.

1376-1396 - Juan Fernández de Heredia, Grão-Mestre (espanhol).

1440 - Primeiro ataque do Sultão egípcio Jakmak a Rhodes. 

1444 - Segundo ataque do Sultão Jakmak a Rhodes.

1476-1503 - Pierre d'Aubusson, Grão-Mestre e Cardeal (francês).

1480 - Ataque do Sultão otomano Mehmet II a Rhodes.

1521-1534 - Philippe Villiers de L'Isle-Adam, Grão-Mestre (francês).

1522 - Novo e decisivo ataque otomano a Rhodes, conduzido pelo Sultão Suleiman I.

1523 - Os Hospitalários abandonam Rhodes, após uma rendição honrosa a Suleiman I.

1523-1530 - Os Hospitalários permanecem oito anos nos seus navios, em comendas nos países católicos e em cidades como Messina, Cuma (Nápoles), Civitavecchia, Viterbo ou Nice.

1530 - Os Hospitalários instalam-se em Malta, por cedência do Imperador Carlos-Quinto, tendo por obrigação enviar anualmente um falcão ao Vice-Rei da Sicília. Não tendo a velha cidade de Mdina, no centro da ilha, as condições mínimas, a capital é instalada em Birgu (a Città Vittoriosa).

1557-1568 - Jean Parisot de La Valette, Grão-Mestre (francês), cuja juventude foi sexualmente turbulenta.

1565 - Cerco de Malta pelo Sultão Suleiman I.

1566 - O Grão-Mestre La Valette manda construir uma nova capital, Valetta (em frente a Birgau).

1568 - O Grão-Mestre Pietro Del Monte (italiano) instala a capital em Valetta, mesmo com a oposição de muitos cavaleiros, por não existirem ainda alojamentos dignos.

1601-1622 - Alof de Wignacourt, Grão-Mestre (francês). Encomendou o seu retrato a Caravaggio.

1622-1623 - Luís Mendes de Vasconcellos, Grão-Mestre (português).

1623-1636 - Antoine de Paule, Grão-Mestre (francês), a propósito do qual o escritor Ferreira de Castro estabeleceu um propositado equívoco histórico.

1722-1736 - António Manoel de Vilhena, Grão-Mestre (português).

1741-1773 - Luís Pinto da Fonseca, Grão-Mestre (português).

1797-1798 - Ferdinand von Hompesch zu Bolheim, Grão-Mestre (alemão). Renunciou por força das circunstâncias.

1798 - Napoleão Bonaparte conquista Malta. Os Cavaleiros são constrangidos a abandonar a ilha. Uma facção reúne-se na Rússia sob a égide do Tsar. Outros partem para Messina com von Hompesch.

1798-1801 - Tsar Paulo I, Grão-Mestre (russo).

1803-1805 - Giovanni Battista Tommasi, Grão-Mestre (italiano). 

1834 - A Ordem estabelece-se em Roma.

1879-1905 - Giovanni Battista a Santa Croce, Grão-Mestre (italiano).

2008-2017 - Matthew Festing, Grão-Mestre (inglês). Renunciou, a pedido do Papa Francisco, devido a um conflito com este.

2018-2020 - Giacomo Dalla Torre, Grão-Mestre (italiano).

Desde 2023 - John Dunlap, Grão-Mestre (canadiano).