Conferência do Embaixador Fernando Ramos Machado, na Sociedade de Geografia de Lisboa, em 17 de Novembro passado, sobre a notável figura de Manuel Pinto da Fonseca, Grão-Mestre da Ordem de Malta, um dos mais prestigiados soberanos da augusta instituição.
Publica-se por especial deferência e com a permissão do autor.
MANUEL PINTO DA FONSECA
GRÃO-MESTRE DA ORDEM
DE MALTA (1741-1773)
I
Foram, até agora, quatro os Grão-Mestres
portugueses da Ordem de S. João de Jerusalém, mais conhecida, a partir do Séc.
XVI, como Ordem de Malta:
- Afonso de Portugal (1202-1206)
- Luís Mendes de Vasconcelos
(1622-1623)
- António Manoel de Vilhena
(1722-1736)
-
Manuel Pinto da Fonseca (1741-1773)
Em
2022, assinalou-se a passagem de 400 anos sobre a eleição de Vasconcelos e de
300 sobre a de Vilhena. Em 2023, registou-se, novamente, uma dupla efeméride –
os 400 anos da morte de Vasconcelos e os 250 da de Fonseca.
A Vasconcelos (e a Vilhena) dediquei um
trabalho, no ano passado; o presente será sobre Pinto da Fonseca.
II
Podemos
afirmar, sinteticamente, que dos três portugueses que governaram em Malta
(Afonso de Portugal foi Grão-Mestre ainda na Terra Santa) Vasconcelos foi um
Cavaleiro exemplar, Vilhena um ilustre Grão-Mestre, Pinto um Soberano europeu.
Respeitamos o primeiro, admiramos o segundo , o terceiro fascina-nos.
III
Manuel
Pinto da Fonseca nasceu, em Lamego, a 24 de Maio de 1681, filho de Miguel Álvaro Pinto da Fonseca, Alcaide-Mor de
Ranhados, e de sua mulher, Ana Pinto Teixeira. Pertencia, evidentemente, à Aristocracia,
e referem-se ligações da sua Família à Casa das Brolhas, considerada o Solar
mais imponente de Lamego (na sua configuração actual, porém, data de 1777,
posterior já à morte de Pinto).
Entrou na Ordem de Malta, tendo dela sido Juiz
Ordinário e Conservador, no Porto.
Foi Comendador de Oleiros, Fontes e
Sernancelhe.
O
Grão-Mestre Perellós ( 1697-1720) fê-lo Balio de S. João de Acre, em 1719.
Vice-Chanceler,
vários anos, durante o Magistério de Vilhena (1722-1736). Não terá fundamento,
porém, a afirmação, por vezes avançada, de um parentesco próximo (primos
direitos) entre Pinto e Vilhena.
Eleito,
por unanimidade, Grão-Mestre, em 18 de Janeiro de 1741, com 60 anos contados, o
seu Magistério, que durou 32 anos, foi o mais longo da História da Ordem.
Numa
“História de Malta” do Séc XIX, da autoria de Miège (Bruxelas, 1841) lê-se que
Pinto, “logo na infância, tinha vindo para Malta, onde foi admitido entre os
pajens do Grão-Mestre, e nunca mais saíra de lá. A sua eleição foi acolhida com
satisfação pelos malteses, que viam nele mais um compatriota do que um
estrangeiro”.
Aquela
afirmação é fantasiosa, mas interpreto-a como significando que a sua vida anterior
à ida para Malta não é particularmente relevante. E acrescento que, tivesse
ficado em Portugal, Pinto da Fonseca teria sido apenas um fidalgo de província
português, mais ou menos empertigado; em Malta, sem perder a ligação ao seu
País de origem, foi muito mais, tornando-se a personagem que admiramos.
IV
O
cargo de Grão-Mestre dos Hospitalários era de grande complexidade. Eleito
vitaliciamente pelos seus pares, chefiava uma Ordem religiosa, com uma vertente
assistencial e vocacionada para o apoio aos peregrinos e o tratamento dos
doentes, mas que era, sobretudo, militar, forte Potência naval no Mediterrâneo,
com papel de relevo, durante Séculos, na defesa da Europa contra o
expansionismo otomano e no combate aos piratas berberescos. O Grão-Mestre devia
obediência ao Papa, no plano espiritual, sem que a Ordem, em termos práticos,
deixasse de ser reconhecida como Soberana. Tal estatuto não decorria, aliás, nem
decorre do exercício de Poder sobre um território, embora, historicamente,
remontasse à conquista de Rodes pelos Hospitalários, no início do Séc.XIV;
perdida aquela Ilha, fora-lhes cedido, por Carlos V, o Arquipélago Maltês, como
feudo, sendo devido o tributo anual simbólico de um falcão, a entregar, ao
Vice-Rei da Sicília. Como Príncipe de Malta, cabia ao Grão-Mestre administrar e
defender a Ilha, base territorial e baluarte da Ordem. Além dos Cavaleiros,
seus subordinados, eram também seus súbditos os autóctones malteses. A Ordem,
transnacional, era internacional, pela sua composição, agrupando-se os
Cavaleiros por Línguas, em número de 8. Nos vários Países do Mundo Católico, a
Ordem estava implantada, com Comendas, que constituíam a sua principal fonte de
rendimentos.
Mas
muito mudara, entre os tempos de Vasconcelos e os de Pinto. O Império Otomano
já não representava uma ameaça tão grave para a segurança da Europa cristã,
além de que a França, que se tornara o principal suporte da Ordem, procurava
manter bom relacionamento com o Sultão, a bem do seu comércio com o Levante, desencorajando
as hostilidades para com os turcos.
Assim,
a actividade militar dos Hospitalários concentrava-se no combate aos piratas
berberescos , utilíssimo mas, mesmo assim, levantando interrogações; o
contra-corso, legitimo na sua origem, aparecia, cada vez mais, como uma actividade
visando, simplesmente, significativos proventos.
A austeridade do modo de vida dos Cavaleiros
fora sendo, gradualmente, substituída pelo gosto do conforto e do luxo. E a
castidade nunca havia sido o seu ponto forte..
A
própria Fé fora perdendo o seu vigor, com as novas ideias a seduzirem os
espíritos de muitos Hospitalários, em particular dos franceses (de longe, de
resto, os mais numerosos).
Perante
este panorama, muitos questionavam-se sobre a utilidade e a relevância da Ordem
de Malta.
V
Assumindo
o Magistério nessas circunstâncias, de decadência certa, ainda que não
evidente, Pinto conseguiu proporcionar, à Ordem de Malta, um longo período de
notável brilho.
O seu Magistério (1741-1773) foi contemporâneo
dos últimos 9 anos do Reinado de D. João V e dos 23 primeiros da governação do Marquês
de Pombal; com ambos, terá partilhado não só traços de carácter, como modalidades
de actuação. Admito haja alguma superficialidade nesta observação, mas os três,
cada um à sua maneira, foram destacados representantes do Despotismo
Esclarecido, o sistema ideológico e político então vigente na Europa.
Tal
como o Monarca português, Pinto viveu no esplendor (ainda que os Cavaleiros de
S. João fizessem voto de pobreza...) e na sua Corte seguia-se o mesmo aparato
que nas grandes Capitais europeias. As formas espelhavam o Poder e eram,
também, instrumento de Poder.
Veja-se
a questão da fórmula de tratamento. Em 1607, o Imperador Rodolfo II fizera de
Alof de Wignacourt Príncipe do Império e, em 1620, Fernando II tornara esse
estatuto permanente, para os Grão-Mestres de Malta; a fórmula de tratamento
correspondente era Alteza Sereníssima. Além de Wignacourt, também foi assim
chamado o seu sucessor, Vasconcelos, e o sucessor deste, Antoine de Paule nos
seus primeiros anos, ao fim dos quais, como escreve, com alguma ironia, António
Pereira de Lima, “resolveu a Santidade do Papa Urbano VIII que aos Grão-Mestres
de S. João se lhes falasse por Eminência, como aos Cardeais do Sacro Colégio em
Roma, e aos Arcebispos Eleitores de Mogúncia, Tréveres e Colónia, com que se
acomodaram os Grão-Mestres, por serem pessoas Eclesiásticas e filhos muito
obedientes à Igreja Romana”. (A capa da tradução portuguesa, de 1731, da
biografia de Vasconcelos, que Pereira de Lima escrevera, em espanhol, ilustra a
disparidade: “Vida e Acções de Sua Alteza Sereníssima Fr. Luís Mendes de
Vasconcelos, Grão-Mestre da Sagrada Religião de Malta (…) agora novamente
traduzida do Castelhano em Português e oferecida ao Eminentíssimo Senhor D.
António Manoel de Vilhena, Grão Mestre etc”).
Pinto
exigiu ser tratado por Alteza Eminentíssima, fórmula correspondente ao seu
duplo estatuto, equiparado tanto a Príncipe como a Cardeal, e os Grão-Mestres
assim são chamados, desde 1741 até aos dias de hoje. (Vi, com estranheza, na
correspondência dos Czares e Imperatrizes da Rússia, eles se dirigirem aos
Grão-Mestres anteriores a Pinto, utilizando já a fórmula Alteza Eminentíssima;
como explicar este, pelo menos aparente, anacronismo?).
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D. João V
|
Pela
mesma altura (1748) D. João V recebeu, da Santa Sé, o título de Rei
Fidelíssimo.
Mas
um símbolo havia que, mais claramente, afirmava o Poder do Grão-Mestre e a
Soberania da Ordem.
Em 1581, no termo
de uma grave crise que abalara a Ordem, o Papa determinou que os Grão-Mestres
passassem a encimar as suas armas com uma coroa ducal.
No
quadro do processo, que alguns autores referem como a monarquização da Ordem,
foi pensado, durante o Magistério de António Manoel de Vilhena, procurar obter,
do Papa e dos Príncipes cristãos, a autorização de o Grão-Mestre usar um boné
escarlate, fechado com dois círculos de ouro, enriquecidos de pedrarias e
pérolas, formando uma Cruz de Malta; seria algo parecido com o gorro do Doge de
Veneza? Não vi nenhuma representação e, de qualquer modo, a morte de Vilhena
pôs termo a esse projecto.
Pinto
não se absteve de subir a um patamar superior e passou a fazer-se representar, designadamente
no célebre retrato por Favray, com a Coroa fechada, como as dos Reis, não com
ela na cabeça, mas ao lado, apontando para ela ostensivamente ou, mesmo, com a
mão sobre ela pousada.
A
Coroa simbolizava a Soberania, isto é, a independência no plano internacional e
o Poder supremo no plano interno. A busca do Poder, e o seu exercício com firme
autoridade, foi preocupação de Pinto, durante todo o seu Magistério.
Tendo-lhe
sido sugerido que convocasse um Capítulo Geral, já que o último tivera lugar em
1631, durante o Magistério de Antoine de Paule, ficou célebre a resposta que se lhe atribui: “que se fosse
Rei de França, jamais reuniria os Estados Gerais, se fosse Papa, não suportaria
Concílios e, Chefe dos Hospitalários de S. João de Jerusalém, não desejava
Capítulos Gerais, porque sabia que essas assembleias terminavam quase sempre
por prejudicar os direitos daqueles que permitiam a sua reunião”.
VI
Cioso
do seu Poder absoluto, Pinto tinha, simultaneamente, plena consciência dos
deveres que o seu alto cargo lhe impunha e aproveitou a quase trégua, não
declarada, com os Otomanos, para reforçar a segurança do Arquipélago, reparar e
construir, com magnificência, diversos edifícios públicos, promover a economia
e as condições de vida da população.
Assim,
ordenou notáveis melhoramentos nas fortificações, tanto em Malta como em Gozo
(completando o Forte Chambray); junto ao Forte de Sant’Elmo, criou um local, onde
as mulheres se pudessem abrigar, em caso de cerco ou de ataque pelos Turcos;
armou, à sua custa, três grandes galés e uma fragata; começou a construção de
uma doca, para reparação das embarcações da Ordem.
Na
Década de 1740, fez importantes obras no Palácio dos Grão-Mestres, dando-lhe a
sua configuração actual; ali se encontra instalada a Presidência da República
de Malta. Concluiu o Albergue de Castela, em cuja fachada figuram o seu busto e
as suas armas, e as de Portugal, e que, actualmente, acolhe o Gabinete do
Primeiro Ministro. Erigiu o Palácio de Justiça, para alojar o Tribunal e a
prisão, substituindo uma construção do Séc. XVI.
Encomendou
os icónicos edifícios à beira-mar, ainda hoje conhecidos como “Pinto’s Stores”,
19 espaçosos armazéns, que se juntaram aos 2 devidos a Vilhena, destinados a
incrementar a actividade portuária.
Ainda
no domínio da Economia, fez plantar amoreiras, em várias partes da Ilha, com
vista a encorajar a produção de seda, como o Marquês de Pombal, em Portugal, em
ambos os casos parece que sem grande sucesso.
(Não se acrescenta, porém, à sua glória,
atribuir-se-lhe a construção de edifícios que, na verdade, não lhe são devidos,
como o do Almirantado, o da Alfândega e o da Biblioteca).
VII
Como
outros Soberanos católicos de então, Pinto entrou em conflito com os Jesuítas,
mas só dez anos após Pombal ter iniciado esse movimento, muito depois de Países
como França e Espanha e apenas alinhou em 1768, cedendo às fortes pressões de
Nápoles.
Quaisquer
que fossem as suas simpatias pessoais neste domínio, era certamente embaraçoso,
para Pinto, Chefe de uma Ordem religiosa, adoptar medidas hostis para com uma
outra. Pediu autorização ao Papa Clemente XIII que, relutantemente, a concedeu,
desde que tudo fosse feito com "toda a devida decência”.
Os
Jesuítas foram expulsos, sendo-lhes, porém, concedidas indemnizações – eram 13
Padres, 5 Irmãos e 2 estudantes, além de três, idosos, dos quais 2 malteses, que
foram autorizados a permanecer. Os haveres da Companhia foram confiscados e,
não surpreendentemente, destinados a financiar a Universidade (Pubblica
Università di Studi Generali) instituída pelo Grão-Mestre, no ano seguinte.
Deve-se,
também, a Pinto a introdução definitiva de uma oficina de impressão em Malta.
Esforços nesse domínio haviam sido feitos, em meados do Séc. XVII, mas
haviam-se gorado, dadas as disputas entre Bispo, Inquisidor e Grão-Mestre,
relativamente ao direito de censura das publicações. Foi o Embaixador da Ordem
em Roma, Balio Guérin de Tencin, que, em 1746, conseguiu fosse alcançada uma
solução. Acordou-se em que o Imprimatur deveria conter as assinaturas,
alinhadas à mesma altura, do Bispo, do Inquisidor e do Grão-Mestre. A
tipografia foi instalada no Palácio Magistral (Stamperia del Palazzo), sob
estrito controle da Ordem, pois. Começou a funcionar em 1756, a única em Malta,
até aos anos 1820.
Foi,
igualmente, durante o Magistério de Pinto que se deram passos decisivos, no
tocante a um relevante projecto cultural, a Biblioteca Pública.
Um
Decreto do Grão-Mestre, de 1555, reiterado em 1612, ordenara que os livros dos
Cavaleiros fossem legados ao Tesouro da Ordem, mas essa disposição terá ficado,
em larga medida, letra morta. De qualquer modo, o acesso à denominada
Biblioteca de S. João estava limitado aos Cavaleiros. Agora, em conformidade
com o espírito do Século das Luzes, o já referido Balio Tencin concebeu o plano
de criar uma grande Biblioteca, aberta ao público em geral. Com vista àquele
fim, juntou, à sua importante colecção pessoal de livros, a notável biblioteca
que o Cardeal Portocarrero legara à Ordem de Malta, e também a própria
Biblioteca de S. João, cuja guarda e conservação lhe foram confiadas.
Em
1761, Tencin alugou uma casa, onde os livros foram instalados e se tornou,
assim, a primeira Biblioteca aberta ao público, em Malta, da qual ele se ocupou
até à sua morte, em 1766, e que, em sua honra, foi chamada Biblioteca Tanseana.
Mas foi já durante o Magistério de
Rohan, em 1776, que o Capítulo Geral decretou solenemente a fundação da
Biblioteca Pública. As actuais instalações datam de 1796.
Mas
Pinto da Fonseca não deixava de ser um dirigente religioso e um Soberano
católico. Datam do seu Magistério a reconstrução da Igreja de Santo Agostinho,
em Valeta, e o termo da construção da de S. Públio. Foi particularmente
generoso para com a Igreja Conventual de S. João, à qual doou dois enormes
lampadários de prata, bem como dois sinos, idênticos aos mais fortes que, então,
havia em Itália, tendo, para o efeito, mandado fundir dois basiliscos,
abandonados pelos Otomanos, aquando do Grande Cerco de 1565; estão ainda hoje
em uso.
VIII
Durante
o Magistério de Pinto, não se registaram feitos de armas, contra os Otomanos.
Houve, porém, alguns incidentes dignos de nota.
O
primeiro, em 1748-49, revestiu-se de extrema gravidade, e pôs em risco a
própria existência da Ordem. Impressionou vivamente os contemporâneos,
tendo-nos chegado extensos relatos, nem sempre concordantes. Como escreve um
autor inglês do Séc.XIX, “the story is a strange one, bordering closely on the
romantic”.
Os
escravos cristãos (malteses e gregos) em serviço numa embarcação turca,
assenhorearam-se dela e trouxeram-na para Malta, onde foram recebidos como heróis.
A bordo, vinha, sob prisão, Mustafá, Governador de Rodes. Inicialmente detido
no Forte Sant’Elmo, foi autorizado, pela intercessão do Embaixador francês, a
beneficiar de residência própria, com total liberdade de movimentos, que ele
aproveitou, para organizar uma conspiração, entre os cerca de 1500 escravos
muçulmanos presentes na Ilha. O objectivo era assassinar o Grão-Mestre, levar a
cabo o massacre dos Cavaleiros e da população cristã em geral, conseguir
dominar Malta e abri-la à invasão e ocupação por forças muçulmanas.
A
revolta, que contava com o apoio de Constantinopla, deveria eclodir a 29 de Junho,
Festa de S. Pedro e S. Paulo.
Por
mero acaso, uma rixa num café, alguns dias antes, fez descarrilar o plano. Dois
conjurados tentaram aliciar um jovem maltês, soldado da Guarda. Perante a sua
recusa, preparavam-se para o assassinar, quando foram surpreendidos pelo
proprietário do estabelecimento, que se apressou a prevenir, pessoalmente, o
próprio Grão-Mestre. Dos 153 implicados na conspiração, rapidamente detidos e
julgados, 3 salvaram a vida, 4 pereceram sob as torturas, 34 foram executados
com grande crueldade (como os Távoras, em Portugal, alguns anos depois). Mas o
Paxá Mustafá escapou a qualquer punição, mais uma vez graças às autoridades
francesas, que enviaram uma embarcação, na qual, de noite, foi retirado da
Ilha.
O
jovem soldado, de nome Qassar, foi promovido e assumiu o comando da Guarda,
agora designada Guardia Urbana, que passou a ser composta, exclusivamente, por
malteses.
O
dono do Café, José Cohen, chegado, poucos anos antes de Esmirna e convertido ao
Catolicismo, foi generosamente premiado; não deixa de ser irónico que um provável
descendente de sefarditas, obrigados, no Séc. XVI, a deixar Portugal, tenha
salvado um Grão-Mestre português, e uma Ordem não particularmente generosa para
com os judeus).
Cito
ainda um disparate que li e cujo único interesse é ser um exemplo do muito de
lendário que envolve este Grão-Mestre. Em 1743, a povoação de Qurmi foi
denominada Cittá Pinto. Adoptou, no seu brasão, cinco crescentes, armas
tradicionais dos Pinto mas que aqui, afirma-se, evocariam cinco otomanos que,
durante a revolta, ele teria vencido, com a sua própria espada, de uma só vez…
A
descoberta da conspiração passou a ser celebrada, a 29 de Junho, com um ofício
na Igreja Conventual.
Em
1760, teve lugar outro episódio, com algumas parecenças. Os 71 escravos
cristãos, tripulantes do navio-almirante da esquadra turca, que cobrava o
tributo anual no Arquipélago, apoderaram-se dele, quando estava ancorado em
Stancio, fizeram prisioneiros os oficiais e conduziram-no para Malta, onde o
ofereceram à Ordem. Furioso, o Sultão preparava-se para tirar vingança da perda
de um dos seus melhores navios, o que foi evitado, por a embarcação ter sido
adquirida por Luís XV e levada para Constantinopla.
De carácter mais propriamente bélico, teve
lugar uma ocorrência, quase no final do Magistério de Pinto, em 1770.
O
Bei de Tunis recusava libertar os escravos corsos, capturados antes da então
recente aquisição da Córsega pela França. Uma frota, comandada pelo Conde de
Broves, bombardeou Tunis e outras Cidades daquela Regência, tendo recebido o apoio
da Ordem, aliada da França e inimiga dos Barbarescos, para mais estando em jogo
a situação de cristãos.
Um
visitante britânico descreve, como um espectáculo e sem dramatismo, a partida
de Malta dos enormes navios, três galés, a maior das quais com 900 homens e as
outras com 700 cada, três galeotas e três “scampavia” - as naves movendo-se a remos e com grande
regularidade, o mar repleto de embarcações, a assistência enchendo as muralhas
e fortificações, o porto ressoando com as descargas de artilharia pesada, às
quais respondiam as galés e galeotas, produzindo o eco um muito nobre efeito e,
em cada galé, uns 30 Cavaleiros fazendo sinais, a todo o tempo, às amantes, que
choravam nos bastiões…Muitas embarcações seguiram a esquadra e não voltaram
antes do Sol posto. O viajante comenta: “ O espectáculo estava agora terminado e
proporcionou-nos grande entretenimento”.
Aqueles
já não eram os tempos heróicos da Ordem de Malta ...
IX
Embora
Malta tivesse sido cedida aos Hospitalários como um Feudo, Pinto insistiu em
que, aos seus Embaixadores em Cortes estrangeiras, fosse reconhecido o mesmo
estatuto que aos representantes dos Monarcas. Conseguiu-o mesmo em Roma, em 1747,
apesar de o Grão-Mestre, como chefe de uma Ordem Religiosa, dever obediência ao
Sumo Pontífice (no plano espiritual). Aliás, as relações bilaterais com a Santa
Sé foram boas, tendo Pinto da Fonseca recebido a raras vezes concedida
distinção do Estoque (espada de prata) e do Casco ( barrete de veludo) benzidos
solenemente pelo Papa ( Vilhena havia sido o primeiro Grão-Mestre galardoado).
As
dificuldades vieram do lado de Nápoles. O Imperador Carlos V impusera aos
Cavaleiros o tributo de um falcão, a ser entregue anualmente ao Vice-Rei da
Sicília. Ora, em 1734, Carlos de Bourbon tornou-se Rei de Nápoles (como Carlos
VII) e da Sicília (como Carlos V). Era o primeiro Soberano que ali residia,
depois de Séculos de Vice-Reinados, e estaria desejoso de se impor, incluindo no
que tocava aos direitos de Suserania da Sicília sobre Malta.
Assim,
em 1753, pretendeu que se deslocasse a Malta um Visitador Apostólico, como
sucedera até 1530, antes da Instalação dos Cavaleiros na Ilha. Pinto não o
consentiu, mesmo tendo o Rei recorrido à arma tradicionalmente utilizada, i.e.
o bloqueio à exportação de trigo para Malta. A questão foi levada ao Papa, a disputa
acabou por ser resolvida a contento do Grão-Mestre e a Visitação Apostólica
nunca teve lugar.
X
As ambições de Pinto foram mais longe.
A
Córsega revoltou-se contra o domínio que a República de Génova exercia sobre a
Ilha, desde finais do Séc. XIII. Emissários dos rebeldes terão sido recebidos
pelo Grão-Mestre e sugerido a união da Córsega a Malta. Essa hipótese foi
apresentada, em Versailles, em 1748, pelo representante da Ordem, Balio de Froulay.
No ano seguinte, Pinto escrevia que “ seria vantajoso para Génova abandonar a
Córsega, mediante uma boa indemnização em numerário, que eu pagaria, e assim se
satisfaziam os gostos de todos”.
Em
1752, preparou um plano de união da Córsega ao Arquipélago Maltês, sob
soberania da Ordem, mas Choiseul fez saber que Luís XV pretendia aquela Ilha
para a França.
Outras
ambições haviam surgido entretanto, como a do Papa Bento XIV, a favor do
Pretendente Stuart no exílio, e a de Isabel Farnésio, para seu filho Filipe.
Sobretudo,
a revolta dotara-se de um dirigente, o General Paoli, muito respeitado em
largos sectores da opinião, na Europa e na América do Norte, que se opunha à
união com Malta e fizera fracassar, em 1754, um projecto nesse sentido.
Não
obstante, as relações entre as duas Ilhas mantiveram-se muito boas. Um dos
primeiros navios da frota corsa, se não mesmo o primeiro, um xaveco , navegando
sob bandeira corsa, conhecido como a “Galeotta”, teria sido oferecido por Pinto
a Paoli.
Mas
Pinto, em 1763, ainda não renunciara às suas ambições, alegando as vantagens
que a união traria ao Catolicismo, nas duas Ilhas; em vão.
Em
1768, a França anexou a Córsega. No ano seguinte, nasceria lá Napoleão
Bonaparte. Em 1798, em rota para o Egipto, o General Bonaparte ocupou Malta, expulsou
os Cavaleiros e privou a Ordem da sua base territorial. Tem-se especulado sobre
qual teria sido o curso da História, se a França não tivesse anexado a Córsega;
e se as ambições de Pinto tivessem ido avante? Para começar, ter-se-ia Napoleão
feito Cavaleiro, caso os corsos fossem admitidos na Ordem (o que não era o caso
dos malteses) ele que, uma vez, terá descrito a Ordem como “ uma instituição
para sustentar, na ociosidade, os filhos mais jovens das famílias
privilegiadas”?
(Para
concluir esta secção, tenha-se presente que a área da Sicília é de 25.711 km2,
a de Chipre 9.251, a da Córsega 8.722, a de Rodes 1.401, a de Malta de, apenas,
316).
XI
Com
Frederico II, o círculo de interlocutores de Pinto alarga-se, para além dos
Soberanos católicos.
|
Frederico II
|
Recorde-se
que a Prússia assentava os seus alicerces na Ordem Teutónica, e que esta
surgira, na Terra Santa, como as do Hospital e do Templo, no Séc.XII. Com o fim
dos Estados cruzados, estabelecera-se, não na região do Mediterrâneo, mas na do
Báltico, onde criara um Estado de grandes dimensões. Não combatia os
muçulmanos, mas povos ditos bárbaros e pagãos. Tanto Hospitalários como
Teutónicos eram Ordens Religiosas e Militares, dotadas de poderes soberanos.
No
Séc. XVI, a Ordem Teutónica foi tocada pelo movimento da Reforma, o Grão-Mestre
Alberto de Brandeburgo, da Casa de Hohenzollern, converteu-se ao Luteranismo, passando
a governar os territórios ocidentais da Ordem, como Ducado da Prússia; este, em
1701, ascendeu a Reino da Prússia. Terá sido a memória das afinidades, no
passado, entre Teutónicos e Hospitalários, que predispôs Frederico II a uma atitude positiva para com a Ordem de
Malta?
De
1740 a 1763, Frederico II moveu três guerras contra Maria Teresa de Áustria,
que terminaram com a anexação da Silésia, pela Prússia, que se tornou o
principal Estado protestante germânico. Consentiu, contudo, que o Grão-Priorado
da Boémia, da Língua Alemã da Ordem de Malta, conservasse as Comendas que detinha
na Silésia.
A
outra questão tem a ver com a Grão-Baliado de Brandeburgo, constituído em 1318,
no Nordeste do Sacro-Império, agregando Comendas da Ordem de Malta. Gozava de
grande autonomia e, no Séc. XIV, foi-lhe reconhecido o direito de eleger o seu
próprio Balio, o Herrenmeister. A Reforma tocou também o Grão-Baliado, tendo 7
das suas 13 Comendas aderido ao Luteranismo. Com os Tratados de Vestefália de
1648, o Grão-Baliado luterano obteve plena independência, relativamente à Ordem
de Malta, e foi colocado sob a protecção do Eleitor de Brandeburgo, da Casa de
Hohenzollern, mais tarde Rei da Prússia. Adoptou a designação de Johanniter
Orden, ou Ordem Evangélica de S. João.
Ao
longo desse tempo, as eleições dos sucessivos Herrenmeister foram sendo
comunicadas à Ordem de Malta, mas os responsões deixaram de ser remetidos,
privando o Tesouro da Ordem de importantes rendimentos. Frederico II e o
Grão-Mestre Pinto chegaram a um acordo, em 1764, com vista à reunificação, mas
a oposição do Papa Clemente XIII impediu que fosse concretizado. Segundo uma versão um pouco diferente
(Desmond Seward) em 1763, o Balio, Príncipe Fernando da Prússia, tio de
Frederico II, enviou responsões, que foram aceites por Pinto, acrescentando-se
que, ainda que nunca reconhecidos como Cavaleiros de Malta, os Comendadores de
Brandeburgo continuaram a remeter responsões e, em 1793, passaram a usar o
uniforme vermelho da Ordem.
XII
Nada
faria prever um relacionamento entre, por um lado, a Rússia, um dos maiores Impérios
que o Mundo já conheceu, Potência ortodoxa euro-asiática, com uma janela sobre
o Báltico, e, por outro, Malta, minúscula Ilha no Mediterrâneo, ou melhor, a
Ordem Religiosa e Militar católica, que, nela, tinha a sua base territorial.
Foi
Pedro o Grande quem, em 1697, fez a primeira aproximação, por carta ao
Grão-Mestre Raymond Perellós, convidando a Ordem a juntar-se a uma aliança, com
o Sacro Império, a Polónia/Lituânia e Veneza, contra os Otomanos.
Seguiu-se,
durante Décadas, correspondência, essencialmente de natureza protocolar, entre
os Czares e Imperatrizes da Rússia e os Grão-Mestres de Malta. Mas ambas as Partes
viram vantagens no aprofundamento de tais relações.
Pinto
compreendeu que a influência russa poderia revestir-se de grande utilidade,
para a salvaguarda dos interesses da Ordem na Europa Central e Oriental. Aqui,
assume papel de destaque a figura do Balio Michele Enrico Sagramoso, ilustre
viajante e membro reconhecido e apreciado da “intelligentsia” europeia.
Já
em 1748, por instruções de Pinto, Sagramoso procurara, em S. Petersburgo, obter
que a Imperatriz Isabel apoiasse o pedido dirigido pela Ordem a Frederico II,
no sentido de concessão de um tratamento fiscal favorável às Comendas situadas
na Silésia, que passara para o domínio prussiano, como atrás se referiu.
De uma relevância superior, no entanto, era a chamada
“Questão de Ostrog”, que se arrastava desde o princípio do Séc. XVII. Ostrog
era um gigantesco domínio na Polónia, hoje em território ucraniano, com cerca de
14 mil km2 (quase três vezes maior que o Algarve), que incluía,
designadamente, 24 Cidades. Nos textos em francês, é designado, geralmente, por
“Ordination”, por vezes como “Duché”, em inglês por “Ordination”, por “Entail”
ou por “Duchy”; não vi nenhum texto em português sobre o assunto e, em vez que
utilizar a palavra Ordenação, aqui não aplicável, preferirei “Ordination”, como
o fazia ,aliás, Pinto, pois escrevia em francês.
O
testamento do Duque de Ostrog, de 1609, estabelecia que, a extinguir-se toda a
descendência masculina, as terras passariam para a Ordem de Malta, para ali
instituir Comendas; porém, membros poderosos da Aristocracia polaca foram
partilhando a “Ordination”, tornando vãs as pretensões da Ordem, que parecia
ter-se acabado por resignar com tal situação.
O
Grão-Mestre Pinto, porém, viria a reactivar a questão, passado já quase Século
e meio, desde a redacção do testamento. Por carta de Agosto de 1767, pede a
protecção da Imperatriz Catarina II para a reclamação e outros actos e
instâncias que o Balio de Fleury, Embaixador da Ordem em França, pudesse ter de
efectuar na Polónia, no tocante à ”Ordination” de Ostrog. A diligência do
Grão-Mestre tinha razão de ser, dado o peso da Rússia, na política polaca. Ainda
poucos anos antes, Estanislau Poniatowski, ex-amante de Catarina II, subira ao
trono da Polónia, com o apoio russo. E a Czarina, efectivamente, ainda em 1767,
escreveu ao seu Embaixador em Varsóvia, no sentido de recomendar a Ordem “ à
justiça da Nação Polaca”.
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Catarina II
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Nos
princípios de 1770, Pinto recorreu, uma vez mais, aos serviços de Sagramoso,
que há muito estabelecera laços de amizade com Catarina II, instruindo-o,
agora, no sentido de tentar recuperar as terras da “Ordination” ou, pelo menos,
os rendimentos correspondentes. Também deveria procurar fossem liquidados os
pagamentos, em atraso, de duas Comendas polacas.
Agravavam-se,
então, as tensões que levariam à Primeira Partilha da Polónia, pela Rússia,
Áustria e Prússia, formalizada no Verão de 1772.
Sagramoso
foi manobrando, com notável habilidade, num quadro da maior complexidade. Como
meio de pressão sobre os Deputados polacos, chegou a recorrer ao artifício de
fazer constar que a Ordem o autorizara a ceder os direitos sobre Ostrog ao Herrenmeister do
Baliado de Brandeburgo, irmão de Frederico II, o que abriria a uma Potência
protestante larga porção de território polaco e incluiria a “Ordination” nas
negociações sobre a partilha da Polónia.
Contudo,
a balança tinha outro prato.
Quando
Pedro o Grande fizera o contacto inicial, a Rússia estava sobretudo interessada
em obter apoio técnico, para a organização das suas forças navais e, com esse
objectivo, foi enviado a Malta Boris Cheremetiev, confidente do Czar.
Mas,
na perspectiva da Rússia, outro interesse surgiu, que se tornou bem mais destacado
- os portos de águas profundas de Malta, que poderiam servir de base a uma
frota russa, para atacar o Império Otomano, pelo Mediterrâneo.
Em
1764, ano em que fizera subir Estanislau Poniatowski ao Trono da Polónia, Catarina II, preparando-se para a eventualidade
de uma guerra , contra os Otomanos, solicitou
a Pinto, através de contactos diplomáticos em Viena, Roma e Paris, que fossem
destacados dois Cavaleiros, para prestar serviço nas galeras russas; para não
desagradar a Luís XV, o Grão-Mestre respondeu de forma dilatória.
A
Czarina sonhava restaurar o Império Bizantino, a favor de seu segundo neto,
Constantino, e via a importância de que os portos malteses se poderiam revestir
nesse quadro. Em carta ao Grão-Mestre Pinto, de 18 de Julho de 1769, menciona a
luta contra o inimigo perpétuo da Santa Cruz, anuncia o envio de uma das suas
esquadras para os mares de Malta, dizendo esperar que os navios possam ter acesso
livre aos portos malteses.
Pinto,
que não aceitou o portador da carta, Marquês de Cavalcabo, na qualidade de
Embaixador, mas, apenas, como Enviado, respondeu à Czarina, em 31 de Janeiro de
1770, invocando os constrangimentos a que estava sujeito pelas Potências
Protectoras, que limitavam a quatro o número de navios russos que podiam ser
recebidos em Malta.
Gerou-se
alguma tensão e a Ordem receou a reacção russa. Três navios russos, velhos mas
“recheados de gente”, surgiram em frente de Malta. Tendo recusado submeter-se à
quarentena, foi-lhes impedida a entrada e afastaram-se.
Quase
três anos mais tarde, o Grão-Mestre, em carta de Setembro de 1772, a Catarina, alude
à presença de oficiais russos em navios da Ordem e sublinha que tem procurado
conciliar os interesses da Rússia com os deveres absolutos para com os
Príncipes, dos quais a Ordem de Malta depende. Insiste na necessidade de a
Ordem observar a mais estrita neutralidade. Diz que, se a Imperatriz pudesse
contribuir para a prosperidade da Ordem, os interesses da Rússia passariam a
ser, para a Ordem, como se fossem interesses seus, como eram os de todos os
seus outros benfeitores.
Assim,
recorria novamente à poderosa protecção imperial, para a recuperação da
“Ordination” de Ostrog, anunciava que o Cavaleiro Sagramoso fora nomeado
Ministro Plenipotenciário para o efeito e pedia à Imperatriz que apoiasse a sua
missão, junto do Rei da Polónia e dos seus aliados.
Finalmente,
em Dezembro de 1774, um acordo foi alcançado – a Ordem de Malta renunciava à
“Ordination” mas, em contrapartida, as autoridades polacas permitiam a fundação
de oito Comendas e erigiam um Grão-Priorado , com o rendimento de 150 mil
florins.
Pinto
já não viu este sucesso para os interesses da Ordem, tendo morrido em Janeiro
de 1773.
Entretanto,
levantaram-se suspeitas de que o representante diplomático russo em Malta,
Marquês de Cavalcabo, estaria a desenvolver actividades subversivas, com vista
a levar a população maltesa a revoltar-se contra a Ordem e a favorecer a
posição da Rússia. Foi ordenada a sua saída da Ilha, no início de 1775, já no
tempo do sucessor de Pinto, Ximenes.
Com
Pinto, as questões relativas à Europa Central e Oriental assumiram, para a
Ordem, uma importância que não tinham tido anteriormente. Tal ir-se-ia
acentuando, nas Décadas finais do Século, e culminar com a eleição, como
Grão-Mestre, de Paulo I, filho de Catarina II, com a transferência episódica da
Sede para S. Petersburgo, trocando-se, pela primeira e única vez, na História
milenar da Ordem de Malta, as margens do Mediterrâneo, pelas do Báltico.
Por
seu lado, Paulo I sempre tivera uma verdadeira paixão pela Ordem de Malta, o
que não fora o caso de sua mãe, cujo interesse não era pela Ordem, mas pela
posição estratégica de Malta. O “Episódio Russo” da Ordem de Malta terminou,
pouco depois do assassinato de Paulo I, mas os russos nunca se haveriam de
desinteressar do Mediterrâneo, até aos dias de hoje.
(É
ao “Episódio Russo” que numerosas “ Ordens de fantasia”, auto-denominadas “de
Malta”, pretendem remontar a sua origem. Abordei um dos casos mais
extraordinários, em Conferência, a 10 de Abril de 2014, na Sociedade de
Geografia de Lisboa, intitulada “A Ordem Ecuménica de Malta em S. Tomé e
Príncipe”, podendo aceder-se ao respectivo texto neste Blog.
XIII
Segundo
Martim de Albuquerque, ainda que Pinto cumprisse as suas obrigações religiosas
meticulosamente, estava muito longe de ser um puritano. Quatro dias depois de
ser eleito, assistiu no Teatro Manoel (fundado por Vilhena) à peça “L’Arminio”;
a representação terminou às 20 H e foi seguida de um concerto, com copiosos
refrescos nos intervalos, até perto da meia-noite. Pinto permaneceu até ao fim
e, depois, voltou a pé para o Palácio; o seu predecessor imediato, Despuig ,
nunca fora ao Teatro. Uma semana depois, deu o seu primeiro banquete, após o
que foi novamente ao Teatro, ver a ópera “La Salustre”.
Por
seu lado, o viajante britânico Brydone, anteriormente citado, faz-nos um pitoresco
retrato de Pinto, em 1770, já com mais de 90 anos, mantendo toda a sua energia
e lucidez. O Grão-Mestre, “mostrou grande satisfação, por saber que alguns de
nós tínhamos estado em Portugal e mencionou as estreitas relações comerciais
que se mantinham há tanto tempo entre as nossas Nações.”. Brydone sublinha que
o estilo de vida de Pinto era muito principesco e que ele era mais absoluto e
possuía mais poder que a maioria dos Príncipes Soberanos.
Pinto da Fonseca teve, pelo menos, um filho, José
António Pinto da Fonseca e Vilhena, o que não terá sido motivo de escândalo, já
que era muito habitual que Cavaleiros de Malta tivessem filhos, não obstante os
votos de castidade.
Mais
extraordinário é que Cagliostro, geralmente considerado o grande impostor do
Séc. XVIII, tenha afirmado ser filho do Grão-Mestre e de uma Princesa de
Trebizonda. Na verdade, é mesmo duvidoso que alguma vez tenha estado em Malta. É
certo que o Grão-Mestre e Cagliostro tinham, em comum, o gosto pela alquimia,
sendo voz corrente que Pinto fizera instalar, no Palácio, um laboratório, onde
eram efectuadas experiências; largas somas teriam sido gastas, na busca da
Pedra Filosofal.
Já
quanto à Maçonaria, da qual Cagliostro foi um grande difusor, criador, mesmo,
do Rito Egípcio, o mais provável é que Pinto não lhe tenha pertencido, o que
não impede que figure, em certa literatura, como presidindo a misteriosas
cerimónias de iniciação. O Grão-Mestre é também, por vezes, associado ao Conde
de Saint-Germain, outra figura enigmática.
Esta
matéria da ligação de Pinto ao Mundo do esoterismo mereceria ser estudada, mais
detidamente.
XIV
Manuel
Pinto da Fonseca faleceu a 23 e Janeiro de 1773. O seu mausoléu é dos mais
majestosos na Co-Catedral de S. João.