segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

O QUE CORREU MAL?

 


Li agora a tradução portuguesa de What Went Wrong? - The Clash Between Islam and Modernity in the Middle East (2002), que comprara aquando da publicação, do académico britânico de origem judaica Bernard Lewis (1916-2018), professor da Universidade de Princetown.

A edição portuguesa intitula-se O Médio Oriente e o Ocidente - O que correu mal?, foi publicada em 2003, e, ao contrário daquilo a que já nos vamos habituando, apresenta uma tradução quase sempre precisa (conferi várias vezes com o original), incluindo os nomes em árabe, em que o tradutor (Bruno Cardoso Reis) mantém a transliteração inglesa (que é a correcta), em vez de adoptar a transliteração francesa (que não respeita o alfabeto árabe, embora seja usual entre nós) o que mostra que este tem conhecimentos da língua árabe, chegando mesmo a incluir em notas de rodapé algumas explicações sobre as palavras.

A produção de Bernard Lewis, que se dedicou a estudar o Mundo Árabe, o Islão e as suas relações com o Ocidente, é vasta, e tendencialmente objectiva, mais nuns livros do que noutros, evidenciando que o autor, apesar de inglês, judeu e professor americano, não compartilha dos preconceitos anti-muçulmanos de muitos dos seus colegas. É certo que manteve uma polémica com o famoso académico palestiniano-americano Edward Saïd (1935-2003), professor na Universidade de Columbia, especialmente por causa das teses enunciadas por este no seu livro Orientalism (1978), mas a abordagem a que procedeu em What Went Wrong? é geralmente adequada. 

O livro aborda a civilização islâmica nos mundos árabe, turco e persa, o seu apogeu e o seu declínio. Durante séculos, a civilização islâmica foi proeminente em relação ao Ocidente, caído que fora o Império Romano, mas a partir dos finais da Idade Média europeia e o advento do Renascimento verificou-se uma decadência progressiva do Mundo Islâmico, não só no aspecto militar mas especialmente no universo cultural, devido em grande parte a preconceitos de ordem religiosa que impediam o acesso a conhecimentos dos "infiéis". O Islão, que chegara a ser um farol do conhecimento em muitos matérias e que divulgara a cultura grega [lembro-me eu da Bayt al-Hikma, de Baghdad]  e que produzira obras notáveis de filosofia e de história [Ibn Khaldun] e se distinguiu na astronomia, geometria, medicina, etc., entrou num lento processo de declínio onde só tentou equiparar-se ao Ocidente em termos militares, e mesmo assim com reduzido êxito.

O autor analisa em particular o Império Otomano, até porque foi este que exerceu maior preponderância, durante séculos, no Mundo Islâmico, já que absorvera a quase totalidade do Mundo Árabe, sendo o Mundo Persa era uma realidade relativamente à parte. Os turcos estiveram por duas vezes às portas de Viena, e se tivessem ganho as batalhas de então poderíamos ser hoje todos muçulmanos, ou não, porque no Islão as conversões não eram absolutamente obrigatórias, podendo os povos, com o estatuto de dhimmi, manter a sua religião. Recorde-se que, de forma geral, os muçulmanos foram mais tolerantes com as outras religiões (não digo com os ateus, isso era uma linha vermelha) do que os cristãos, que muitos judeus expulsos da Europa, maxime de Espanha e de Portugal, encontraram abrigo no Império Otomano, e que os muçulmanos nunca entenderam as Guerras de Religião na Europa. Mesmo muitos cristãos cismáticos acharam refúgio no mundo muçulmano e o Egipto, conquistado pelos árabes no século VII, possui ainda hoje uma população cristã (copta) que deve ser cerca de 15% da população total do país.

A Revolução dos Jovens Turcos, que pôs fim ao Império Otomano e acabou por conduzir à proclamação da República Turca sob a liderança de Kemal Atatürk, levou à introdução de profundas reformas no país, desde a adopção do alfabeto latino à instauração da laicidade. Os muçulmanos do Médio Oriente têm culpado sucessivamente o Ocidente pela situação de relativa inferioridade nos campos político, social, cultural, militar, etc., em que se encontram hoje em face desse mesmo Ocidente. E interrogam-se sobre o que lhes terá corrido mal. Essa é a perspectiva de Bernard Lewis. É claro que se trata de uma apreciação discutível, já que BL considera, naturalmente, o Ocidente no topo da modernidade. Mas somos obrigados a admitir, para sermos honestos, que os médio-orientais (se não todos, muitos deles) podem preferir a situação em que actualmente vivem do que uma outra copiando os modelos ocidentais. Uma hipótese que nunca seria compreendida por Lewis, para quem a vanguarda da civilização reside no Mundo Ocidental.


domingo, 24 de dezembro de 2023

PEDRO HOMEM DE MELLO


Consultei Poesias Escolhidas, de Pedro Homem de Mello (1904-1984), na edição da Imprensa Nacional-Casa da Moeda (1983). 

Procurei o célebre poema, "O Rapaz da Camisola Verde", que foi imortalizado pelas vozes de Amália Rodrigues e de Hermano da Câmara. Não o encontrei!!!

O poema é este:

 

De mãos nos bolsos e de olhar distante,
Jeito de marinheiro ou de soldado,
Era um rapaz de camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.

Perguntei-lhe quem era e ele me disse
“Sou do monte, Senhor, e um seu criado”.
Pobre rapaz de camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.

Porque me assaltam turvos pensamentos?
Na minha frente estava um condenado.
Vai-te, rapaz da camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.

Ouvindo-me, quedou-se o bravo moço,
Indiferente à raiva do meu brado,
E ali ficou de camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.

Soube depois ali que se perdera
Esse que só eu pudera ter salvado.
Ai do rapaz da camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.

Ai do rapaz da camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.


Creio que foi incluído na obra Quadras ao Gosto Popular, de 1972. 

Na presente edição da IN-CM, chamada "poesias escolhidas" e não "obra completa", talvez intencionalmente, não figura este poema. A edição, lamentavelmente sem qualquer aparato crítico, integra 25 livros de PHM, entre os quais o livro O Rapaz da Camisola Verde (1954), que inclui um poema intitulado "O rapaz da camisola verde", mas que nada tem que ver com o poema que referimos (excepto o título), não mencionando qualquer rapaz de camisola verde. O assunto é totalmente diferente. E a edição não inclui a obra Quadras ao Gosto Popular!

Trata-se certamente de uma atitude censória da então administração da IN-CM, por causa dos costumes. 

UMA VERGONHA!!!

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

PUBLIUS AELIUS HADRIANUS

Foram publicados nos últimos anos muitos livros sobre o imperador Adriano, após um período de quase silenciamento durante séculos. Na Antiguidade, como referi em post publicado há três anos, foi especialmente mencionado na Romaika (História Romana), de Dion Cassius e na Historia Augusta, atribuída a seis historiadores, embora seja citado por outros autores, como Ammianus Marcellinus, Arrianus, Flavius Josephus, Plutarco, Tácito, etc. 

Os estudos modernos começaram mais propriamente no século XX, embora ainda no século XIX fosse publicada a monumental Römische Geschichte (História de Roma), de Theodor Mommsen (Prémio Nobel da Literatura em 1902), por sinal bastante antipática em relação à figura de Adriano, sem esquecer History of the Decline and Fall of the Roman Empire, de Edward Gibbon, ainda no século XVIII, obras de referência, se bem que não especificamente dedicadas ao imperador.

É verdade que os largos anos da época vitoriana e períodos conexos não foram propícios a estudos sobre a personagem Adriano, naturalmente por causa dos costumes. Mas o advento do século XX veio propiciar-nos eruditas e agradáveis biografias, em que se destacam Hadrian, the Restless Emperor (1997), de Anthony Birley, Beloved of God: The Story of Hadrian and Antinous, de Royston Lambert (1984), Hadrian - Empire and Conflict (catálogo de 2008, do British Museum), de Thorsten Opper e o livro agora em apreço, Hadrian and the Triumph of Rome (2009), de Anthony Everitt, uma das obras mais interessantes e cultas sobre o homem que mandou construir para seu mausoléu o edifício hoje designado por Castel Sant'Angelo, quase ao lado da futura Basílica de São Pedro do Vaticano.

Mas a verdadeira ressurreição tardia da figura do tão notável quanto enigmático imperador ficou a dever-se a um livro tornado famoso da escritora belga Marguerite Yourcenar (1903-1987), Mémoires d'Hadrien, publicado em 1951, que foi traduzido em inúmeras línguas e divulgado pelo mundo inteiro. Esta obra valeu a Marguerite Yourcenar a sua eleição para a Academia Francesa, sendo a primeira mulher a ingressar sob a cúpula desde a fundação da instituição pelo Cardeal de Richelieu.

Embora baseado nas fontes históricas disponíveis e redigido sob a forma de uma carta que Adriano dirige ao seu sucessor Marco Aurélio, o imperador (ou a Yourcenar) traça a biografia, abordando todos os aspectos da sua vida e prodigalizando-lhe conselhos. Sendo, realmente, uma obra de ficção, ainda que exaustivamente documentada, Mémoires d'Hadrien preencheu um incontestável vazio e durante cerca de meio século tornou-se uma autoridade académica, até surgirem posteriores trabalhos de verdadeira investigação histórica.

O presente livro de Anthony Everitt aborda com profundidade e muita perspicácia a vida de Publius Aelius Hadrianus, desde o seu nascimento, em Itálica (na Bética Hispânica), em 24 de Janeiro de 76 (embora a Historia Romana o dê como nascido em Roma) até à sua morte, em Baias (Itália), em 10 de Julho de 138. Reinou de 10 de Agosto de 117 a 10 de Julho de 138. E fá-lo, enquadrando o imperador na sociedade do seu tempo, que exaustivamente escalpeliza. Esta biografia é, também, uma história de Roma no tempo de Adriano.

Ele era filho do senador Publius Aelius Hadrianus Afer (primo do futuro imperador Trajano) e de Domitia Paulina, e casou com Vibia Sabina, sobrinha-neta de Trajano. Não teve filhos.

Tendo o pai falecido prematuramente, teve dois tutores, o mais importante o seu primo Trajano, que o tomou sob a sua protecção, embora não o tendo designado como sucessor. Trajano, casado com Pompeia Plotina, também não teve filhos. O outro tutor, e da maior influência junto de Trajano, foi Publius Acilius Attianus

Considerado como favorito de Trajano (com quem aliás as relações nem sempre foram fáceis) o imperador nunca proclamou Adriano como seu sucessor, mas a imperatriz-viúva Plotina declarou que Trajano o tinha adoptado e apresentou um documento nesse sentido assinado por si e datado de um dia depois da morte do marido, documento esse aceite pelo Senado e pelas legiões, maioritariamente favoráveis ao novo incumbente. Uma época feliz para Roma.

O reinado de Adriano caracterizou-se por duas óptimas ideias. A primeira, foi a de que o Império não poderia continuar a estender-se indefinidamente. Alargado da Espanha à Turquia e do Mar Negro ao Maghreb, havia que parar e construir muralhas onde não existissem fronteiras naturais. Na Bretanha, a muralha de Adriano ainda hoje existe. A segunda boa ideia de Adriano decorreu do seu amor à Grécia. A metade leste do Império falava grego e orgulhava-se da cultura de Homero. No Ocidente, Roma era o superpoder da bacia do Mediterrâneo e comandava exércitos temíveis. Adriano decidiu transformar o Império num projecto conjunto em que o cultural e o militar, a arte e o poder se encontrassem equitativamente. Colocou gregos no governo e, através de impressionantes construções, projectou Atenas como a capital espiritual do Império. Por estas duas vias, Adriano introduziu, como escreveu, um pouco exageradamente, Edward Gibbon na sua History of the Decline and Fall of the Roman Empire, "the fair prospect of universal peace".

Na sua vertiginosa expansão, muitos países aceitaram a supremacia de Roma e tornaram-se estados-vassalos, satisfeitos com muitas das reformas introduzidas. Mas nem todos.

«There was a terrible exception to this record of benevolent success. Hadrian's politics had a dark side. The one people that refused to be reconciled to the imperial system was the Jews. A great revolt against Rome broke out. The outcome was a catastrophe for the rebels; according to one estimate, many thousands of Jews were killed, and many others driven from the land. In an attempt to annihilate this thorny and yielding race from memory, Hadrian renamed Jerusalem and replaced Judaea with a new minted word, Palestine. All Jews were forbidden from entering their own capital city. It took two thousand years before they were able to return and resume their independence.» (p. xi)

É verdade que Trajano viveu grande parte da sua vida obcecado com a figura e as vitórias de Alexandre, que procurou imitar até as forças lhe faltarem. E, como Alexandre, não designou um sucessor, embora nos últimos anos fosse admitido que seria Adriano o escolhido. Nos últimos momentos, Alexandre entregou o anel real para ser usado pelo "melhor" dos seus companheiros. Também Augusto, julgando-se moribundo, chegou a entregar o seu anel a Marcus Agrippa, que acabaria por o preceder na morte. Mas Trajano hesitou até ao fim, restando o testemunho de Plotina. 

A célebre Coluna Trajana, no Forum Romano, onde estão inscritas as notáveis vitórias de Trajano, era encimada por uma estátua do imperador nu, mas foi substituída mais tarde pela estátua de São Pedro (???) que ainda hoje lá permanece.

A morte de Trajano permanece envolta em algum mistério. Sabemos que o imperador se encontrava doente mas o seu fim pode ter sido apressado com a finalidade de promover rapidamente a ascensão de Adriano e não é adquirido que a própria imperatriz Plotina, que dedicava grande afeição a Adriano, não estivesse envolvida nesse esquema, com a cumplicidade de Attianus. Não que existisse qualquer relação sexual entre Plotina e Adriano (Plotina era uma mulher de grande virtude e Adriano apreciava sobretudo rapazes) mas a imperatriz vislumbrava em Adriano a continuação das reformas e da estabilidade introduzida pelo seu próprio marido. A hipótese de homicídio tem várias sustentações, entre as quais a morte de Marcus Ulpius Phaedimus, um liberto que gozava de grande proximidade e amizade de Trajano, de quem fora amante, pois afirmam os testemunhos que, em jovem, fora um lindo rapaz. Ora Phaedimus morreu no próprio dia em que foi anunciada a morte de Trajano. E o seu corpo só foi transportado para Roma doze anos mais tarde. Parece que o liberto se encontrava então doente e que se terá suicidado. Mas também consta que Phaedimus sabia muitas coisas que poderiam afectar a credibilidade de Plotina. Por isso, tornava-se necessário eliminá-lo.

As cinzas de Trajano foram transportadas para Roma e finalmente depositadas na base da Coluna Trajana. 

A redução das fronteiras propriamente ditas do Império Romano foi uma das mais importantes decisões de Adriano, tomada logo nos primeiros tempos do seu reinado. A manutenção de um imenso exército espalhado por  milhares de quilómetros tinha um custo altamente elevado e a sua gestão tornava-se difícil, até pela morosidade das comunicações num território cujas dimensões abrangiam a Europa, a Ásia, a África. Já Augusto recomendara a Tibério para permanecer dentro das fronteiras existentes, como registou Tácito nos Anais. Por isso, Adriano ordenou o abandono das três novas províncias do seu antecessor - Arménia, Mesopotâmia e Assíria - e o seu reagrupamento permanente atrás da fronteira tradicional de Roma, o rio Eufrates. Também pensou abandonar a Dácia, cuja conquista custara milhares de vidas romanas, mas foi persuadido a reconsiderar. A população original tinha sido maioritariamente morta ou dispersa e o seu lugar preenchido por imigrantes oriundos do Império Romano. 

«Somewhere in Egypt - perhaps the border town of Pelusium or Heliopolis, at the southern head of the Nile delta - Hadrian presided over the trial, or at least some kind of official inquiry or hearing, of some hotheaded Alexandrian Greeks, led by a spokesman called Paul. A Jewish delegation was also present. From the report proceedings it is possible to suppose the following savage sequence of events. After the failure of the Jewish revolt, many Jews were imprisoned and the triumphant Greeks put on a satirical stage show lampooning the rebel "king" Lukuas [um dos chefes da rebelião]. Some of them sang songs criticizing the emperor for deciding to resettle Jewish survivors of the revolt in an area of the city from which they could easily launch new attacks on the native population. The irritated governor (Rammius'predecessor) ordered the Greeks to produce their "opera-bouffe monarch". Infortunately this "bringing forth" also brought many Greek rioters onto the streets. A Jewish witness asserted an unprovoked attack on a defetead community. "They dragged us out of prison and wounded us." Charges and coutercharges followed. The Jewish said the Greeks: "Sire, they lie". Hadrian was inclined to agree. He told the Greeks that the prefect was right to ban the carrying of weapons and thar he disapproved of the satire on Lukuas. He advise the Jews to restrict their hatred on their actual persecutors and not to loathe all Alexandrian Greeks indiscriminately. This evenhanded treatment came as a pleasant surprise to the defetead insurgents.» (pp. 175-176) Recorde-se que já nos mapas da antiga Alexandria Ptolemaica um dos quatro distritos da cidade se chamava o Distrito Judaico.

Adriano, que desde muito jovem se interessou pelo mundo helénico (chamavam-lhe em Roma Graeculus), conservou durante toda a sua vida um fascínio pela Antiga Grécia. E, seguindo um costume grego, foi o primeiro imperador romano a usar barba. A par da sua notável acção nos domínios político, militar, jurídico, económico, financeiro, social, religioso, preocupou-se com a actividade cultural, privilegiando os gregos. À imitação de Augusto, que foi em muitos aspectos o seu modelo, desenvolveu o mecenato e, ainda a exemplo do primeiro imperador, que fora amigo de Horácio, manteve amizade com Juvenal. 

Devem-se a Adriano grandes construções públicas em todo o território do Império. Introduziu grandes melhoramentos no Panteão de Agrippa (construído no tempo de Augusto) e restaurou também, em Roma, o Templo de Neptuno, devido igualmente a Agrippa. Encomendou o templo dedicado à mais recente "deusa", Augusta Matidia, sobrinha de Trajano e mãe de Vibia Sabina, que casou com o próprio Adriano. Consta que este tinha uma mais profunda dedicação à sogra do que à própria mulher. O monumento foi edificado na zona nobre onde se encontravam o Mausoléu de Augusto e o Ara Pacis. Deve-se-lhe também o famoso complexo palaciano Villa Hadriana, situado em Tivoli, a 30 quilómetros de Roma.

Contudo, apesar das belezas de Roma, de algo mais carecia Adriano. Tendo passado parte da sua vida no Oriente, nomeadamente na Grécia, essa nostalgia permanecia-lhe. Por isso, em 119 viaja para a Câmpania, a região de Itália com mais semelhanças com a Grécia. E permanece um tempo em Nápoles, Neapolis (a cidade nova), onde foi distinguido com o título de demarch (governante do povo).

Para provar a sua indefectível devoção, a sua pietas, a mais tradicional das virtudes, tomou duas decisões. Primeiro, projectou um templo dedicado à deusa Vénus, mãe de Aeneas, que renovou a arruinada Troia nos campos do Latium, e proclamou Roma, a cidade do espírito divino. Em segundo lugar, entendeu que Roma merecia uma festa de aniversário. Segundo a lenda, Roma foi fundada por Rómulo em 21 de Abril de 753 AC, no Monte Palatino. Com esse fim, anunciou a celebração anual, nesse dia, de Natalis Urbis Romae, comemorado com grandes festividades.

Tendo passado uma larga parte da vida nos campos de batalha, Adriano procurou sempre identificar-se com a vida da tropa, recusando quaisquer privilégios devidos ao seu cargo. Dormia e comia em condições idênticas às dos seus soldados e oficiais, por cuja vida privada e bem-estar se interessava pessoalmente. Aliviou certas regras demasiado severas do serviço militar e permitiu o casamento dos soldados. Até então, não era concedido aos soldados casarem-se durante o período de recrutamento, embora muitos mantivessem relações informais com mulheres (e naturalmente também com os camaradas) e delas tivessem filhos. Com esta decisão esse relacionamento (com as mulheres) foi legalizado, com todas as devidas consequências jurídicas. Segundo uma carta descoberta no deserto egípcio, esse assunto foi objecto de debate com o Prefeito do Egipto, passando as crianças a serem legitimadas.

«The Roman had a different idea of a frontier than we do today. It was not a line demarcating the edge of a national or political territory, on the far side of which another power owned the freehold. Rather, he saw it as the edge of land that the state, the Senatus Popolusque Romanus, directly administered. (p. 210)

Quando chegou à Alta Germânia, Adriano interessou-se especialmente pelo limes erigido por Domiciano, e depois por Trajano. «Originally a limes was a pathway between two fields, but here it means a road lined with about one thousand watchtowers and two hundred or so forts and fortlets, running from the Rhine above Mainz southeast to the Danube above Regensburg. The limes bridged an awkward gap between the two great rivers that otherwise constituted Rome's natural borders between the North and Black seas. When the emperor visited the limes, he made an important and innovative decision. On the "enemy" side of the road he ordered his soldiers to build an unbroken wooden palisade perhaps ten feet high, consisting of large oak posts, split in two with the flat sides facing out, and strengthened by crossbeams. This was a tremendous entreprise, for the limes was about 350 miles long. Wide swaths of German forest were harvested.» (p. 211)

«But the sheer ambition of the projects suggests another, overriding motive. The wall was a visible confirmation of Hadrian's policy of imperial stasis. It was a spectacular symbol both of the power of Rome and of its determination not to grow any further. This interpretation is supported by an observation in the Historia Augusta that Hadrian used artificial barriers to shut off or set apart barbarians "during this period [his first provincial tour] and on many other occasions." In other words, the German palisade was not a one-off project to meet a particular threat, but an example of an empire-wide policy that was bound to have a demonstrative as well as a practical effect. The policy may well have been unpopular with his generals and with the Senate, but he emperor never wavered in his determination to implement it. With the passage of time, the benefits of defensive imperialism became widely accepted, at least in the provinces. Later in century a comentator remarked approvingly: "An encamped army, like a rampart, encloses the civilized world in a ring." Having introduced his new training regime and commissioned his palisade, the emperor was ready to move on. His next major destination was the island of Britannia, perched on the outer boundary of the known world.» (pp. 211-212)

A Muralha de Adriano (ou o que dela resta) ainda hoje existe localizada sensivelmente na linha de fronteira entre a Inglaterra e a Escócia. «The most famous Roman monument in the British Isles is Hadrian's Wall, the Vallum Aelium. Despite its celebrity today, there is only one literary reference to it in antiquity linking it to Hadrian. The Historia Augusta observes that he was "the first to construct a wall, eighty [Roman] miles long, which was to separate the barbarians from the Romans".» (p. 222)

As deambulações de Adriano pelo Império levaram-no à Bitínia, no Ponto. Em 123 encontrava-se em Claudiópolis. Foi nessa altura que conheceu Antínoo, que se presume tivesse 15 anos, cujo aniversário se celebrava a 27 de Novembro e que era natural dessa cidade. Julga-se que Antínoo, possivelmente originário de famílias modestas, tenha sido visto pelo imperador por ocasião de jogos em que houvesse participado. O encontro com Adriano poderá ter acontecido também em Nicomédia, a capital da província. A verdade é que o rapaz fascinou Adriano como nenhum outro dos milhares que terão passado anteriormente pelo leito imperial. Em 123, Adriano tinha 47 anos, isto é, mais 32 anos do que Antínoo.

Nada se sabe da família do rapaz, mas embora modesta deveria ter algum prestígio, atendendo ao facto de Antínoo participar em cerimónias públicas. O relacionamento que estabeleceu com o imperador iluminou o resto das suas vidas.

No Império Romano, às relações entre pessoas do mesmo sexo não lhes era atribuído qualquer sentimento de pecado ou de culpa, como viria a acontecer com o triunfo do Cristianismo. Tratava-se de actos absolutamente normais, embora existissem alguns limites. O sexo com escravos ou estrangeiros era completamente normal, e até desejável. Mas estavam excluídos do leque os cidadãos romanos. Se Antínoo fosse cidadão de Roma, Adriano estaria quebrando as regras estabelecidas. Também havia a questão da penetração. O cidadão deveria exercer sempre o papel de "activo". Qualquer romano podia introduzir o pénis em quem lhe apetecesse mas nunca deveria ser penetrado. É claro que estas regras eram quebradas com a maior frequência, mas constituíam sempre actos à margem da lei. Os romanos não praticavam fellatio, mas permitiam que lho fizessem.

O conceito das relações sexuais em Roma entre pessoas do mesmo sexo era diferentes do da Grécia. Na Grécia, a paederestia (pederastia) fazia parte da educação. Os jovens eram educados por adultos em várias disciplinas, incluindo o sexo. Os rapazes eram eromenos até lhes crescer a barba. Depois disso, os erastas deviam deixá-los e arranjar outros mais novos. Ou seja, o contrário do que determina a nossa "civilização" actual. Mas, mesmo na Grécia, a situação não era idêntica em todas as cidades-estado. Ao contrário de Atenas, Esparta e Tebas incluíam a educação militar e os "amantes" iam para a guerra aos pares. Recordemos a célebre Legião Tebana. Ao contrário de Roma, na Grécia o acto não abrangia, por norma, a sodomização. Quando muito, os erastas poderiam ter com os eromenos uma relação intercrural. Na prática, estas limitações também não eram respeitadas, como se imagina, mas eram as regras vigentes. O sistema ateniense é muito bem descrito no Symposium (O Banquete), de Platão.

No que respeita à homossexualidade feminina, é interessante realçar um aspecto. Havia na corte de Trajano um trio de mulheres, não necessariamente lésbicas, mas que assumiu uma importância política notável. E que viviam rodeadas de mulheres. Eram elas Plotina, mulher de Trajano, com quem o imperador nunca terá mantido elações sexuais (Trajano só gostava de rapazes); Salonia Matidia, sobrinha de Trajano; Vibia Sabina, filha de Salonia Matidia e mulher de Adriano (com quem este só muito raramente e no início do casamento terá mantido relações sexuais; há uma alusão dela afirmando evitar ficar grávida). Seria interessante termos mais conhecimentos deste poderoso círculo feminino, que exerceu a sua influência durante meio século, e que poderá ter contribuído para um incentivar da homossexualidade feminina em Roma. O comportamento sexual de Trajano e de Adriano teve forte repercussão na vida social e cultural da época. Juvenal e Estratão abordaram abertamente nos seus poemas os novos (já eram antigos mas agora mais explícios) gostos sexuais.

Depois do seu encontro, Antínoo passou a viver com o imperador. Mas a relação permaneceu discreta, só assumindo visibilidade aquando da viagem ao Egipto. É possível que nos primeiros anos Adriano tenha enviado Antínoo para o Paedagogium, em Roma, um colégio de elite onde eram educados os filhos das melhores famílias romanas. É que o imperador pretendia um amante não só belo mas com um mínimo de cultura e de educação que o pudesse acompanhar ao longo da vida. O que nos primeiros momentos tinha sido uma aventura, transformou-se, por desconhecidos e imperscrutáveis motivos,  numa ligação duradoura.

Entretanto, Adriano prosseguia o seu périplo político-militar- cultural-turístico. Esteve em Granicus, evocando Alexandre Magno. Depois em Troia, em Hadrianópolis, em Pérgamo e em Rhodes. 

Em 124, foi iniciado nos mistérios de Elêusis. E visitou Mantineia, que para ele tinha um significado especial, sendo suposto que dela eram originários os gregos que colonizaram Claudiópolis, a cidade de Antínoo. Em Atenas, apaixonou-se por Lucius Vibullius Hiparchos Tiberius Claudius Atticus Herodes Marathonios, de 24 anos, conhecido simplesmente por Herodes Atticus, aristocrata ateniense fabulosamente rico, cujo avô passava por ser o homem mais rico de todo o mundo grego. Ele e o seu filho eram generosos patronos das artes e da arquitectura e colaboraram com o imperador no embelezamento de Atenas. 

Desde a República que se verificava, como notou Plutarco, uma subserviência da Grécia em relação a Roma. Adriano respeitou as convenções, não "libertando" a Grécia mas tornando-a "igual" a Roma dentro do Império. Roma continuou a ser o centro do governo mas Atenas tornou-se a capital espiritual do Império. E a cidade acolheu novas e belas construções.

Naturalmente que Adriano manteve, como os seus antecessores, a ficção de que Roma era uma República, e ele apenas o princeps. Assim, cumpriu todas as formalidades republicanas, mas o centro do poder estava verdadeiramente em Tibur (actualmente Tivoli) local da célebre Villa Hadriana, um notável complexo de edificações que mais do que um palácio era uma verdadeira cidade.

Por esta altura uma parte da família mais próxima de Adriano já tinha morrido. A irmã mais velha de Adriano, Paulina, casara com Servianus, bastante mais velho, que se julgou pudesse vir a ser o sucessor. Mas estando aquele agora com cerca de 90 anos, Adriano inclinou-se para o neto deste, Lucius (ou Gnaeus) Pedanius Fuscus Salinator. Todavia, em 136 mudou de ideias e decidiu adoptar Lucius Ceionius Commodus, dando-lhe o nome de Lucius Aelius Caesar, mais por uma questão de aspecto do que de qualidades para governar. Todavia, sofrendo de tuberculose, o rapaz morreu pouco tempo depois. Interessou-se depois pelo jovem Marcus Annius Verus, descendente de uma família ilustre. Como era muito novo, Adriano encarregou-se da sua educação, lembrando o cuidado de Augusto ao educar os prematuramente falecidos filhos de Marcus Agrippa, Gaius e Lucius Caesar.

Entre 125 e 127 o imperador permaneceu em Tibur; em 11 de Agosto de 127 esteve em Roma, nas comemorações da sua acessão ao Império. A seguir iniciou uma viagem pelo norte de África, mandando realizar grandes obras nas regiões hoje correspondentes à Argélia e Tunísia. Depois regressou à Grécia, visitando várias cidades, Continuou para a Judeia, onde mandou edificar um templo dedicado a Júpiter Capitolino sobre as ruínas do templo de Herodes e rebaptizando Jerusalém com o nome de Aelia Capitolina. Neste itinerário seguiu-se o Egipto, que era uma propriedade pessoal dos imperadores, desde Augusto, e que Adriano desejava vistar demoradamente, até por se interessar pelo culto dos antigos deuses e pelo passado ptolemaico de Alexandria. Nesta cidade, reuniu-se diversas vezes com os sábios do Mouseion e apreciou o que ainda restava da Biblioteca inicial, embora as suas relações com os intelectuais da época não tenham sido fáceis, devido à vontade do imperador de impor as suas opiniões.

Viajando com Antínoo no Nilo, navegou no Canal Canópico e visitou o Templo de Serápis. É nesta altura que ocorre a morte do seu bem-amado, em circunstâncias nunca completamente esclarecidas. Para respeitar fielmente o texto, passo a transcrever o original:  

«A few miles south of Heliopolis, Hadrian, Antinous, and their entourage toured Memphis, founded more than three thousands years previously and the original capital of the old kingdom of Egypt. They inspected the pyramids and the Sphinx. Then the imperial party sailed on upriver and moored at Hermopolis (Egyptian Khemennu). Situated on the border between Upper (or southern) and Lower Egypt, this was a populous and opulent city, with a famous sanctuary of Thoth, god of magic, heart and tongue of Ra, arbiter of good and evil and judge of dead.»

«On October 22 the festival of the Nile was celebrated - usually a happy celebration of the renewed fertility that the river's annual inundation brought about, but on this occasion a glum affair, one suspects, for it was the second year when there had been a disastrously poor flood. Then two days later came the anniversary of the death of Osiris and worshippers chanted for his yearly rebirth, analogous with the rise fall of the river.»

«Opposite Hermopolis the riverbank curved and the current strengthened. A small, impoverished settlement of mud huts lay along the shore and close by stood a modest temple of Ramses the Great, Egypt's most famous pharaoh (1298-1235 B.C.). One day during the last week of the month, here or hereabouts, the lifeless body of Antinous was recovered from the river. He had drowned.»

«Hadrian broke down. The Historia Augusta noted, disapprovingly, that he "wept for the youth like a woman." He declared that he had seen a new star in the sky, which he took to be that of Antinous. Courtiers assured him that the star was new and had indeed come from Antinous' spirit as it left his body and rose up into the heavens. The emperor decided that Antinous was to be deified. Dead, he was to be reborn as a god.»

«From the point of view of Roman convention, such a thing was unheard of. Emperors, and wives or close relatives, received divine honors by approval of the Senate - but not boyfriends of no political or social significance. Hadrian did not even trouble the Senate with the matter, for "the Greeks deified him at Hadrian's request." What precisely this means is unclear, but what there was a long-standing tradition in the eastern Mediterranean of potentates declaring themselves gods, and in the popular mind the boundary between the human and the divine was porous.»

«As it happened, there was a local precedent for the conferral of divine honors. A drowning in the Nile had magical properties. When Pachrates' spell called for a mouse and beetles to be drowned in the Nile, the actual word he used was "deified". This was because many believed that the Nile conferred immortality on anyone it took to itself by drowning. (Importantly, suicides were excepted.) Only the priests could touch the corpses and these were buried at the public expense. Two brothers, Petesi and Paher, who drowned in Roman times even had a temple devoted to them. In the second-century tomb of a girl, Isidora, who drowned in the river, a funerary poem has her father say: "O my saughter, no longer will I bring you offerings with lamentations, now that I know that you have become a god."»

«So Antinous joined the immortals - but how did he come to die in the first place? This is difficult to ascertain, for nothing is known about the exact circumstances. In his memoirs Hadrian asserted that the death was an accident, but the ancient sources were not so sure. Three texts give accounts of what happened - Dio Cassius, the Historia Augusta , and Aurelius Victor. They were written long after the event, are not altogether reliable, and (some say) betray signs of malice. According to Dio, the best of the bunch,

Antinous... had been a favorite of the emperor and had died in Egypt, either by falling into the Nile, as Hadrian writes, or, as the truth is, by being offered in sacrifice. For Hadrian, as I have stated, was always very curious and employed divinations and incantations of all kinds.

Aurelius Victor agrees, reporting that

when Hadrian wanted to prolong his life and magicians had demanded a volunteer in his  place, they report that although everyone else refused, Antinous offered himself and for this reason the honors mentioned above were accorded him. We shall leave the matter unresolved, although with someone of a self-indulgent nature we are suspicious of a relationship between men far apart age.

The Historia Augusta takes a similar line, but with less certainty.

Concerning this incident there are varying rumors; for some claim that he had devoted himself to death for Hadrian, and others - what both his beauty and Hadrian's excessive sensuality indicate.

What is intended by this insinuation is unclear; presumably the reader is to infer that Antinous killed himself in order to escape the emperor's sexual advances.»

«The first and most ordinary of explanations is that the emperor's favorite was drowned by accident, just as Hadrian claimed. A youth, high spirits, unpredictable currents or underwater plants trapping an unwary diver or swimmer - this is a familiar and plausible concatenation of circumstances. But a personage of Antinoo's importance would seldom be alone, and if he went for a swim help would surely have been close at hand.»

«A second possibility is that he committed suicide, evading notice and slipping silently into the river, perhaps under cover of darkness. It is not too hard to guess at motives. He was now about twenty, and no longer the pretty lad who had first caught the emperor's eye. If Hadrian fancied only smooth-cheeked teenagers, then indeed Antinous faced an uncertain future. What use would his patron and lover have for him once he had graduated from puer, boy, to iuvenis, young man?»

«There is evidence, though, that Hadrian had catholic tastes. Aurelius Victor claims that "malicious rumors spread that he debauched adult males (puberibus)." While no necessary blame attached to a youthful eromenos for having sex with his erastes and even privately allowing himself to be buggered, it was, as we have seen, shameful for an adult to accept the receptive role. Antinous, having reached manhood, may have been unwilling to go on sleeping with the emperor. In his eyes, if he allowed things to continue as before, he would be little better than a male prostitute. All too credibly, he could imagine himself aging into the superannuated gigolo of Juvenal's satire.»

«Even if there was something to these fears, that one member of the pair was losing interest or that the other was feeling shame, the evidence of Hadrian's behavior after the drowning points to the passionate sincerity of his love, and so surely mitigates them. That is to say, Antinous could count on the emperor's continuing affection even if for one reason or another the love affair itself were to end. He had no grounds for anticipating that he would either be discarded or abused.» (pp. 286, 287, 288, 289)

«Although Hadrian and Antinous are hardly a perfect match for the Greek couple, >rrian was surely linking two doomed eromenoi who, in different ways, put yheir lives on the line for their lovers. It was a delicate allusion, well judged to touch and comfort his desolate correspondent.» (p. 290)

Na semana seguinte à morte de Antínoo, o imperador decidiu fundar uma nova cidade no lado oposto a Hermópolis, onde ele se tinha afogado e que se chamou Antinópolis. Foi povoada por descendentes de gregos e veteranos do exército, atraídos pelas generosas taxas de concessão. Quase nada resta hoje dessa cidade, graças às depredações da população local, mas ainda há trezentos anos muitos edifícios encontravam-se intactos. Um vistante do século XVIII anotou: "This town was a perpetual peristyle." (p. 291) Ariano pensou sepultar Antínoo na nova cidade, mas rapidamente mudou de ideias, sendo o corpo enviado para Tibur, onde foi sepultado num mausoléu na Villa Hadriana. O rapaz passou à categoria de deus, sendo-lhe prestado culto como Antínoo-Osíris, um culto que se espalhou por todo o Império. Como um deus que morre e ressuscita, ele tornou-se, durante um tempo, um rival do cristianismo. À volta do Mediterrâneo foram criados templos, altares, sacerdócios, oráculos, inscrições e jogos em seu nome. Estima-se que, por ordem de Adriano, foram esculpidos cerca de 2 000 bustos e estátuas de Antínoo, de que ainda subsistem mais de 115, e sendo admissível que mais surjam com o passar do tempo, à medida que escavações diversas prosseguem em vários locais.

Apesar do profundo desgosto, Adriano continuou o seu périplo no Egipto. Visitou os Colossos de Memnon, em Tebas e regressou a Alexandria onde fez a planificação de Antinópolis. Deixou o Egipto na Primavera de 131, passou pela Síria e no Inverno encontrava-se de novo em Atenas, revisitando Elêusis.

Encontrando-se em Atenas, Adriano tomou conhecimento de mais uma revolta judaica, acora liderada por Bar Kokhba, que se proclamava o Messias. O imperador organizou a expedição militar (ele mesmo terá nela participado) que esmagou os revoltosos, tendo o auto-proclamado Messias, que declarara a independência face a Roma, sido morto. Os insurrectos tinham escavado uma notável rede de túneis na Judeia a partir dos quais atacavam as guarnições romanas, mas, segundo o autor, não chegaram a tomar Jerusalém (a nova Aelia Capitolina), o que contradiz outras versões desta terceira revolta.

«The building of Aelia Capitolina proceeded apace and an equestrian statue of Hadrian, still in plac more than a century later, was erected on the site of the Holy of Holy. Pagan shrines were built over Jewish places of worship. By the city gate for the Bethlehem road, a marble sow was erected, insultingly offensive to Jews and denoting their subjection to Roman power. Judaea was abolhised as a territorial entity. It was added to Galilee and the enlarged and purified province was known as Syria Palaestina, the first time the term Palestine was ever employed. It was to be as if the chosen people had never existed.

Hadrian was acclaimed imperator for the first time in his reign, a title adopetd by an emperor only after a signal victory, and his three chief generals, Severus and the governors of Syria nad Arabia, were granted triumphal honors, ornamenta triumphalia, the hghest military honor to which theu could aspire. The emperor was unusually parsimonious with such titles, and his generosity on this occasion signals the shock that had rocked the empire. It had taken a huge effort to put down the revolt.

For Hadrian, his victory was in part a defeat. His policy was to attract the fullest possible consent to Roman rule, to entice provincial elites to join him in government, to recast the empire as a commonwealth of equals. There is no reason to doubt the sincerity of this approach, but, for all that, the revolt had exposed its falsity. The final guarantee of the pax Romana was the brute force of the legions. This, in turn, was a reminder of the implicit fragility of the imperial system. If the army were ever to fail, what would then preserve Rome's dominion?

When the rabbinical authors mention the name of Hadrian they often add the phrase "May his bones rot!" No wonder, for it was now clear that, after recurrent revolts at the end of Nero's reign and then at the end of Trajan's, the Jews would never again give Rome any trouble.» (pp. 304-305)

Na Primavera de 134 Adriano regressou a Roma. Começava a ser a altura de designar um sucessor. Como vimos anteriormente, em dado momento o imperador, falhadas outras hipóteses, interessou-se pelo muito jovem Marcus Annius Verus, neto do senador Annius Verus, personagem distinta em Roma e que foi cônsul por três vezes. Adriano encarregou-se da educação de Marcus, que começou a distinguir-se no domínio do latim e do grego e na filosofia. Parece que o rapaz, que além do mais era muito bonito, o que também agradava ao imperador, se tornou pretensioso mas as suas qualidades fazia crer a Adriano que ele poderia ser um óptimo governante.

Durante a ausência de Roma do imperador, as grandes construções prosseguiram. Em 135 foi dedicado o templo de Vénus. Continuou a construção de um grande mausoléu imperial em Roma (o actual Castel Sant'Angelo), uma vez que o mausoléu de Augusto estava totalmente preenchido, tendo Nerva lá sido sepultado já com dificuldade. As cinzas de Trajano foram depositadas no sopé da sua Coluna. 

A partir do seu regresso a Roma, Adriano passou a maior parte do tempo na sua Villa, em Tibur, superintendendo a construção do templo dedicado a Antínoo. Mas a sua saúde começou a deteriorar-se sofrendo recorrentemente de hemorragias nasais. Em 24 de Janeiro de 136 completou 60 anos mas a crença que a morte do bem-amado poderia ter contribuído para prolongar a sua boa saúde foi obviamente uma esperança vã. E começou a dar mostras de inexplicáveis irritações e a afastar até antigos e grandes amigos. Após uma grave hemorragia, o imperador percebeu que o seu fim estava próximo e resolveu oficializar a sucessão. O seu cunhado Servianus, com quem durante muito tempo tivera divergências, estava na casa dos noventa anos e por isso fora de questão. A hipótese do neto deste, Pedanius Fusco, acabou por ser descartada. Na segunda metade de 136, Adriano decidiu nomear como sucessor Lucius Ceionius Commodus, que baptizou como Lucius Aelius Caesar, então com 34 anos, que tinha sido senador mas não tinha experiência governativa. Fora, também ele, em tempos, amante de Adriano, tavez um antecessor de Antínoo. Encontrava-se já doente (tuberculoso) e acabou por morrer em 1 de Janeiro de 138, ainda antes do imperador.

Também entre fins de 136 e começos de 137 morreu a imperatriz Vibia Sabina, tendo-se falado de suicídio, o que não está provado. Apesar da sua indiferença sexual, Adriano tratou sempre bem a mulher, concedendo-lhe todas as honras inerentes à sua posição.

Nos últimas anos da sua vida, Adriano, ao contrário do que lhe era habitual, procedeu a diversas purgas eliminou ou afastou velhos amigos e tornou-se facilmente irritável, talvez consequência da deterioração do seu estado de saúde. Também passou a suspeitar de várias conspirações contra a sua pessoa. Não se lhe conhecem anteriormente especiais actos de violência, excepto a morte de alguns cônsules no início do seu reinado.

Em 136, Marcus Annius Verus tinha 15 anos e tornara-se a menina dos olhos de Adriano (como refere expressamente o autor) e trocou a toga praetexta pel toga virilis. Os cônsules noemaram-no para o posto honorífico mas altamente honroso de prefeito da cidade, praefectus urbi (não confundir com o funcionário com o mesmo título que tinha a cargo a administração da cidade). Marcus (o futuro Marco Aurélio) não terá provavelmente tido intimidade sexual com o imperador, mas não era alheio a esses relacionamentos. Segundo Anthony Everitt «It is relevant to note that two or three years later, young Marcus Annius Verus and his tutor Marcus Cornelius Fronto exchanged letters about their love for each other. Fronto, holding back, says, "so far as I am concerned you shall be called καλδς ['beautiful', usually applied to victorious atheletes] and not ερωμένος [eromenos, or 'beloved']." Marcus objects: "You shall never drive me, your lover, away." There is something artificial about the correspondence, but even if Marcus and Fronto were only playing at having an affair it does strongly suggest that Greek love was a respectable and accepted convention at court.» (p. 311)

Finalmente, em 25 de Fevereiro de 138, Adriano adoptou como sucessor Titus Aurelius Fulvius Boionius Arrius Antoninus, senador de meia-idade, homem muito rico e de impecáveis antecedentes, que ficou conhecido como Antonino Pio. Com a indicação de que este deveria adoptar como sucessor Marco Aurélio.

O estado de saúde de Adriano agravou-se progressivamente e o imperador procurou quem pudesse matá-lo mas todos os convidados recusaram à excepção de um cativo da tribo de Iazyges. O acto foi evitado no último momento devido á rápida intervenção de Antonino. 

Nos meses finais da sua vida, Adriano encontrou energia para escrever uma autobiografia na forma de uma carta a Antonino, da qual foi encontrado um fragmento, em papiro, em Fayum, no Egipto. 

«He also wrote a poem, a short address to his soul as it quits its body and sets out for the unknown. It is a fine piece of work, allusive, adroitly opaque - and owing more to Adrian's favorite, Ennius, than to fluent, smooth Virgil.

 

animula vagula blandula

hospes comesque corporis

quae nunc abibis? In loca

pallidula rigida nudula

nec ut soles dabis iocos

 

Little soul, you charming little wanderer,

my body’s guest and partner,

where are you off to know? Somewhere

without colour, savage and bare;

you’crack no more of your jokes once you’re there

 

The failing emperor retreated from Rome to an imperial villa at the seaside resort of Baiae. He abandoned his medical regimen and ate and drank whatever he liked. This precipitated a final crisis and he lost consciousness after shooting out loud: "Many doctors killed a king." On July 10, 138, the man who entered life as Publius Aelius Hadrianus left it as Imperator Caesar Divi Traiani filius Traianus Hadrianus Augustus. His next name was due to be Divus Hadrianus, Hadrian the God. But is very nearly failed to make the grade.» (pp. 319-320)


Recorde-se que foi sob a forma de uma carta dirigida a Marco Aurélio, e não a Antonino, que Marguerite Yourcenar escreveu Mémoires d'Hadrien.

Apesar da excelência do seu reinado, Adriano não foi, segundo Dion Cassius, muito apreciado pelos romanos, talvez devido ao episódio da morte dos cônsules no início da sua governação. Foi sepultado nos jardins de Domitia, próximo do seu mausoléu, que só ficou concluído no ano seguinte e para onde as suas cinzas foram então trasladadas. O Senado, atendendo às relações difíceis com Adriano, não desejou deificá-lo, mas devido à insistência de Antonino (talvez por isso chamado Pio) prestou-lhe honras triunfais. 

Por morte de Antonino, sucedeu-lhe, como previsto, Marco Aurélio (161-180) que reinou inicialmente em conjunto com seu irmão adoptivo Lucius Verus (161-169), filho de Lucius Aelius Caesar, que Adriano adoptara anteriormente mas que morreu antes do falecimento deste. Foi a primeira vez que o Império foi governado por dois imperadores simultaneamente.

«In his reflections, many years later, in which he reviewed those to whom he owed gratitude, Marcus Aurelius surprisingly makes no affectionate mention of his adoptive grandfather. "Do not be upset", he wrote, addressing himself as a good Stoic. "In a little while you will be no one and nowhere, as is true now even of Hadrian and Augustus." His friend and mentor, Fronto, found it hard to warm to Hadrian, whom he compared unfavorably to his successor.» (p. 323)

Concluindo, que o texto já vai longo, reafirmemos que Adriano foi um dos mais notáveis imperadores romanos, quer política ou militarmente, quer nos campos administrativo, jurídico, económico, cultural, religioso.

E muito se deve a Marguerite Yourcenar pela ressurreição do interesse por Adriano que teve lugar no passado século XX.

* * *

Não tendo agora incluído imagens, remeto o leitor para o texto que sobre Adriano publiquei em 25 de Outubro de 2020, no seguinte post: http://domedioorienteeafins.blogspot.com/2020/08/memorias-de-adriano.html