Alcibíades, que ficou conhecido na História mais pela sua beleza e pelos seus escândalos do que pela sua acção política, é uma personagem incontornável da Antiga Grécia.
Apaixonado por rapazes, desde a sua mais tenra idade, mas não desdenhando, com o passar dos anos, o convívio de mulheres, Alcibíades (450-404 A.C.) permanece a imagem do mais belo, e eterno, adolescente da Hélada.
É sobretudo recordado pela cena evocada por Platão, no
Banquete (que terá ocorrido eventualmente em 416 A.C.), quando tendo-se oferecido a Sócrates, o velho mestre, que também perseguia os efebos mas conhecia o carácter do jovem, recusou as suas propostas, não indo além de se deitar com ele uma noite, que Alcibíades recorda como se a tivesse passado com um pai ou um irmão. [A comparação não é, aliás, muito feliz, já que o incesto não é coisa rara]. Isto, não obstante Alcibíades ter sido a grande paixão de Sócrates.
Mas tanto ou mais do que a sua vida sexual importa recordar a sua actividade política e militar, ainda que o nosso "herói" acabasse sempre por misturar ambas.
No seu livro
Alcibiade, ou les dangers de l'ambition, a historiadora francesa Jacqueline de Romilly (a primeira mulher a ser professor no Collège de France e a segunda a ser eleita para a Academia Francesa, depois de Marguerite Yourcenar) traça o perfil de Alcibíades e conta-nos a sua vida, baseando-se não em anedotas ou rumores mas nos documentos existentes.
Nascido de família rica e privilegiada, educado por Péricles, seu tio e tutor, que foi durante cerca de quarenta anos o líder da democracia no Século de Ouro Ateniense (V A.C.), Alcibíades, paralelamente à sua vida dissoluta e provocadora, mantinha a pretensão de entrar no
governo da cidade. O que veio a conseguir, logrando, por meios diversos, a sua eleição para estratego em 420 A.C.. Mas enquanto o belo e insolente rapaz conseguia obter os mais inimagináveis favores, a sua acção como político e militar saldou-se por uma sucessão de desastres, alguns reversíveis, mas que o levaram ao desastre final.
No seu livro, Jacqueline de Romilly, por causa de Alcibíades, recorre bastas vezes a Tucídides (sobre quem versou a sua tese de doutoramento), citando amiúde passagens dos livros que constituem a célebre obra
A Guerra do Peloponeso. Mas Alcíbíades consta de vasta bibliografia da época, desde obviamnet Platão, a Eurípides, Aristófanes, Xenofonte, Plutarco, etc.
A guerra do Peloponeso durou cerca de trinta anos (431-404 A.C.) e opõs Atenas a Esparta, com o interregno da paz de Nícias em 421. Por razões que não vêm ao caso, Tucídides termina a sua obra em 411 A.C. É Xenofonte quem continua, nas
Helénicas, a obra inacabada mas utilizando, naturalmente, um tom, e mesmo uma interpretação diferente da seguida por Tucídides.
Alcibíades, brilhante orador, viveu sempre entre as provocações da sua vida sexual, a arrogância, o manobrismo, a ambição desmedida, a intriga pessoal e política e mesmo, no fim, a traição. A sua vida não serviu de lição para o futuro, como não vingara habitualmente no passado. A interacção entre os escândalos privados e os empreendimentos públicos, ou se preferirmos, entre a moral e a política, foi-lhe fatal.
Aplaudido e criticado em Atenas, a expedição em que se empenhou à Sicília (e que secretamente encerrava um projecto pessoal e imperialista ao serviço de Atenas), saldou-se praticamente por um desastre. Banido da cidade, passa para o serviço dos seus inimigos de Esparta e concebe novos projectos, que o levam até à Pérsia, onde pretende cair nas boas graças do Grande Rei Dario II, através do sátrapa Tissafernes, em conflito com o seu colega Farnabazo.
As voltas e reviravoltas de alianças e lutas entre atenienses, lacedemónios, persas, e os chefes (autónomos) de outras ilhas do Mar Egeu não cabe nestas linhas. Alcibíades a todos serviu e de todos se serviu.
Depois de exilado de Atenas, aliado de Esparta contra Atenas, aliado dos persas, regressado a Atenas para ser eleito estratego, de novo fugido, refugiado na Trácia, derrotado pelos espartanos, tenta um último recurso junto dos persas, agora não de Farnabazo mas do sátrapa seu rival Tissafernes. Tenta obter as boas graças do novo rei Artaxerxes II mas sucedem-se episódios não suficientemente esclarecidos e Alcibíades morre, ou é morto, numa aldeia da Frígia, no monte Elafos. Diz-se que, no século III D.C., ainda se podia ver o seu túmulo e nesse lugar o imperador Adriano mandou erigir uma estátua em sua memória, onde praticava um sacrifício anual.
A carreira de Alcibíades pode seguir-se com detalhe na obra de Jacqueline de Romilly, e o que aqui registámos foram fugazes apontamentos. Não foi o "herói" certamente esquecido no período clássico, mas entrou depois num olvido donde saiu pela mão de Montaige que nos
Essais se refere a ele abundantemente. A historiadora evoca as tentações imperialistas de Alcibíades (Péricles foi muito mais moderado) e de passagem não deixa de referir todos os problemas da Democracia ateniense, a oligarquia, a tirania, os arranjos, não de partidos que não existiam mas de grupos de amigos e de grupos de interesses. Um sistema que nos é hoje apresentado como perfeito mas que não resiste a um estudo objectivo e pormenorizado. E as voltas e reviravoltas da opinião do povo demonstram à saciedade a volubilidade das convicções e o poder dos oportunismos.
«Les passions sont alors d'autant plus vives que, dans une démocratie, il règne aisément un esprit de suspicion: "Il aspire à la tyrannie", disent les ennemis d'Alcibiade, comme l'on dit aujourd'hui "c'est du fascisme". La peur, fait que la compétition tourne au drame.» (p.258)
Já depois da morte de Alcibíades, Sócrates seria condenado à morte por não reconhecer os mesmos deuses que o Estado, por introduzir novas divindades e por corromper a juventude. Este último quesito nada tinha de ordem sexual mas espiritual, isto é, influenciar os jovens com ideias não conformes à República. Terá ainda pesado nesta acusação a sua proximidade a Alcibíades, que ele muito amou e que revelaria o comportamento acima descrito. Bebeu a taça de cicuta em 399 A.C.
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Mas nos tempos mais próximos, Alcibíades tem sido especialmente lembrado pela atracção que exerceu sobre os homens, como sendo, supostamente, o mais belo dos jovens gregos.
Pode ler-se, a propósito, uma biografia imaginária, escrita na perspectiva erótica mas respeitando os principais marcos históricos, Le Songe d'Alcibiade, de Éric Jourdan, o qual foi adoptado mais tarde como filho, pelo célebre escritor Julien Green, com quem convivera na juventude.
É de referência obrigatória a célebre obra de Antonio Rocco (1586-1653), Alcibiade fanciullo a scola, no original, e na versão francesa, Alcibiade enfant à l'école, existindo outra versão francesa, prefaciada por Maria Dimitrakis, Pour convaincre Alcibiade.
Antonio Rocco foi um sacerdote, filósofo e professor italiano, ateu e libertino, autor de vasta obra, que terá escrito este livro, a propósito do Carnaval, e que constitui um diálogo em defesa da pederastia, entre o mestre-escola Filotimo e o seu belo aluno Alcibíades, em que o primeiro tenta convencer o segundo da bondade das práticas sexuais com efebos e o segundo, que começa por contestar com argumentos de vária ordem as pretensões do mestre, acaba por ceder, satisfazendo os seus desejos e entregando-se amorosamente, afinal para grande prazer de ambos.
O livro terá sido escrito em 1630 e publicado anonimamente em 1651, em Veneza. Só em 1888 foi possível confirmar a autoria de Antonio Rocco. Imediatamente apreendida e destruída, esta obra-prima do erotismo foi proscrita pelos censores que desejariam ter enviado o seu autor para a fogueira. Felizmente, sobreviveram algumas, raras, cópias, que chegaram aos nossos dias.No final do texto é prometida uma segunda parte que nunca foi dada à estampa.
Professor no Convento de San Giorgio Maggiore, de Veneza, foi nomeado leitor de retórica, tendo por isso a seu cargo uma parte da juventude dourada da cidade, que lhe devia proporcionar satisfações particulares, razão porque terá recusado lugares mais prestigiados em Pádua e em Pisa. Manteve uma famosa polémica com Galileu, acerca dos fundamentos aristotélicos da ciência. Denunciado várias vezes à Inquisição, e continuando a ensinar heresias materialistas e epicuristas, nunca sofreu qualquer processo graças à sabotagem dos trâmites inquisitoriais pela nobreza veneziana, tendo por isso tido ainda o prazer de ver impressa esta sua obra.
Dois milénios após a sua morte, Alcibíades ainda despertava (e desperta) a curiosidade e o interesse de muita gente!