Acabei de ler Augustus, The Life of Rome's First Emperor, de Anthony Everitt (2006), certamente a melhor biografia que li até hoje sobre AUGUSTO.
Trata-se de um livro muito bem escrito, devidamente organizado, objectivo quanto o pode ser a biografia de uma personagem que viveu há dois mil anos e acerca da qual as fontes não abundam. Muitos documentos se perderam, entre os quais uma autobiografia do próprio AUGUSTO, escrita durante uma estada em Espanha. Sobreviveu a biografia, obviamente de cunho muito pessoal, que ditou ao filósofo grego Nicolau de Damasco. Mas os historiadores e poetas romanos (e gregos) mais ou menos coevos, como Tito-Lívio, Appiano, Cícero, Plínio o Antigo, Aulus Gellius, Suetónio, Dion Cassius, Tácito,Virgílio, Horácio, Ovídio, Plutarco, e muitos outros, informam-nos sobre a vida - e a obra - do Princeps, que os historiadores posteriores convieram designar como o primeiro imperador de Roma, apesar de formalmente a República Romana, com as suas instituições, ter permanecido.
O livro encontra-se extraordinariamente bem documentado, referindo as abundantes fontes citadas, e fornece-nos o panorama da vida de AUGUSTO nos planos pessoal (maxime familiar), político, militar, social, económico e religioso e desenvolve os aspectos psicológicos que determinaram muitas das acções do imperador.
É consensual, e o autor confirma-o, considerar-se AUGUSTO como um indivíduo inteligente, astuto, ambicioso, dissimulado, vingativo, um pouco covarde (costumava adoecer antes das batalhas), oportunista, ambíguo, contraditório, por vezes cruel, ainda que evocando sempre uma clemência que se tornou célebre. O seu reinado foi o mais longo de todos os imperadores romanos.
Após o assassinato de Júlio César, que fora designado ditador vitalício semanas antes da morte, os romanos terão sentido a necessidade de um poder pessoal, mesmo autoritário, que permitisse a consolidação, e o aumento, dos territórios até então conquistados. AUGUSTO foi o "escolhido" para a instauração de um governo pessoal. Ignoramos o que teria acontecido se Marco António não tivesse sido derrotado em Actium. Seria ele, certamente, o protagonista da aventura imperial mas, conhecendo-se o seu pensamento, a sua forma de agir (impetuosa, ao contrário do calculista AUGUSTO), as suas incoerências, dificilmente concretizaria a obra levada a cabo pelo primeiro Princeps.
A primeira mulher de AUGUSTO foi Cláudia Pulcra (cerca de 40 AC), filha do primeiro casamento de Fúlvia com Públio Clódio Pulcro e, por isso, filha adoptiva de Marco António, com quem Fúlvia se casaria depois em segundas núpcias. O casamento durou escassos meses e não chegou a ser consumado; a segunda mulher de AUGUSTO foi Escribónia (40-38 AC), que já fora casada duas vezes e que lhe deu a única filha, Júlia. Escribónia era sete anos mais velha do que AUGUSTO, que tinha então 23 anos e que dela se divorciou para casar impetuosamente com Lívia Drusa (ou Drusila), que era casada com Tibério Cláudio Nero; a terceira mulher de AUGUSTO foi, pois, Lívia (38 AC- 14 AD), que desempenhou um papel importante, duradouro, e porventura sinistro, na história de Roma.
Lívia foi uma mulher austera, pelo menos aparentemente, tão ou mais ambiciosa do que AUGUSTO, na qual este confiava absolutamente (ou talvez não tanto), que o apoiou nos momentos difíceis de uma carreira conseguida a pulso, no constante equilíbrio entre a vontade de poder absoluto e o fingimento da sua subordinação às instituições republicanas. Conseguiu eliminar todos os concorrentes à sucessão do marido para que seu filho mais velho, TIBÉRIO, viesse a ser o segundo imperador de Roma. E depois da morte do marido, exerceu pressão sobre o filho para fazer triunfar sua vontade de governar.
Lívia, que AUGUSTO escolheu por pertencer à muito nobre família dos Cláudios (AUGUSTO pertencia à família dos Octávios, de inferior grau aristocrático, apesar de ser sobrinho-neto e filho adoptivo de JÚLIO CÉSAR, da nobilíssima família dos Júlios), era casada com Tibério Cláudio Nero e já tinha dois filhos, Tibério Cláudio Nero César (o futuro imperador TIBÉRIO) e Nero Cláudio Druso. AUGUSTO (então ainda Octávio) divorciou-se de Escribónia no dia em que esta deu à luz sua filha Júlia e forçou Lívia, então grávida do segundo filho, Nero Cláudio Druso, a divorciar-se do marido e a casar-se com ele três dias depois do parto. Lívia viveu 86 anos, tendo morrido (29 AD) quinze anos depois do marido, já então divinizada como Lívia Júlia Augusta!
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Lívia Drusila
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Sobre Lívia correram em Roma os mais horríveis rumores a respeito do seu carácter e ficou para a História a sua fama de envenenadora, talvez por se dedicar à confecção de medicamentos caseiros. São muitas as mortes que lhe são apontadas, mesmo no seio da Família, ainda que nem todas (ou nenhuma) possam ser confirmadas.
Passamos a identificar:
1) Em 23 AC, terá ordenado o envenenamento de Marcellus, filho de Octávia (a irmã de AUGUSTO) e de Cláudio Marcelo e casado com Júlia, a filha de AUGUSTO, e herdeiro presuntivo do Império;
2) Em 12 AC, terá providenciado a morte de Marcus Agrippa, que fora o número 2 de seu marido AUGUSTO, e que poderia ser eventualmente o sucessor;
3) Em 9 AC, terá facilitado a morte de seu próprio segundo filho Nero Claúdio Druso, ferido em combate, e que professava opiniões republicanas;
4) Em 2 AD, terá ordenado o envenenamento de Lucius Caeser, filho de Marcus Agrippa e de sua segunda mulher Júlia, já então viúva de Marcellus. O rapaz tinha sido adoptado por AUGUSTO;
5) Em 4 AD, terá ordenado o envenenamento de Gaius Caeser, irmão do anterior. Também tinha sido adoptado por AUGUSTO;
6) Em 14 AD, terá matado pessoalmente o seu próprio marido, AUGUSTO, com um cesto de figos envenenados, quando este permanecia adoentado em Nola, após uma visita frustrada a Capri (Tácito e Dion Cassius contam-nos a história);
7) Em 14 AD, mandou matar Agrippa Postumus, último filho de Marcus Agrippa e de Júlia, eventual concorrente de TIBÉRIO;
8) Em 19 AD, mandou envenenar seu neto Germanicus Julius Caesar, filho de seu filho Nero Cláudio Druso e de Antónia Menor (filha de Octávia e de Marco António), que fora igualmente adoptado por AUGUSTO e era uma sombra para a carreira de TIBÉRIO.
Por ora, ocorrem-me estas mortes, dentro do círculo íntimo. Lívia manobrou para eliminar sucessivamente todos os potenciais herdeiros de AUGUSTO, em favor de seu filho mais velho, que viria a ser na hora da verdade, por falta de comparência dos outros (já mortos), o imperador TIBÉRIO.
Durante a vida, AUGUSTO manejou sempre casamentos e divórcios para
garantir uma conveniente sucessão na Divina Família, mas os
acontecimentos, naturais ou provocados, trocaram-lhe sucessivamente os
planos. Já perto do fim, acabou por também adoptar TIBÉRIO, que
detestava, e que seria o seu sucessor.
Nos quatro volumes do romance histórico La Reine Oubliée, que referi anteriormente neste blogue, Françoise Chandernagor ilustra detalhadamente os crimes acima mencionados e pormenoriza as razões dos mesmos. Nesta biografia de AUGUSTO, Anthony Everitt menciona estes factos, embora de forma mais sucinta.
Ao pé de Lívia, Lady Macbeth seria uma santa. Pena Shakespeare não lhe ter dedicado uma peça.