segunda-feira, 30 de julho de 2018

EUNICE MUÑOZ




Completa hoje 90 anos Eunice Muñoz, uma das maiores actrizes portuguesas das últimas décadas, de quem tenho o privilégio de ser amigo.

Não tem este post a pretensão de recensear a sua extraordinária carreira artística. Sobre Eunice tudo já foi dito e escrito e a minha prosa nada acrescentaria ao brilho de uma vida dedicada ao teatro. Destina-se tão só a evocar a data, enviando-lhe um abraço da maior amizade.


domingo, 29 de julho de 2018

CRISTO RECRUCIFICADO



Nas minhas férias em Creta costumo ficar instalado num hotel em Ammoudara, a cerca de 10 km de Heraklion (ou Iraklio), a capital da ilha. Em estadas anteriores, desloquei-me algumas vezes à cidade, onde visitei os mais importantes locais de interesse cultural (monumentos, museus, igrejas, etc.), como igualmente visitei as ruínas de Cnossos, onde emergiu a célebre civilização Minoica, exumada por Arthur Evans no século XIX. Dessas deslocações dei conta aqui, aqui, aqui e aqui.



Havia, contudo, uma lacuna nas peregrinações por essas terras que albergaram uma das mais antigas civilizações conhecidas. E que, desta vez, me apressei a colmatar. Nunca visitara o túmulo de Nikos Kazantzakis, o célebre romancista (e dramaturgo) grego (1883-1957), natural de Creta, e autor de obras famosas como O Destino de Deus (São Francisco de Assis), Alexis Zorba, A Liberdade ou a Morte, A Última Tentação de Cristo ou Cristo Recrucificado.



O facto de o Teatro Experimental de Cascais (TEC) ter agora em cena uma adaptação da adaptação ao teatro de o Cristo Recrucificado (Ο Χριστός Ξανασταυρώνεται), livro publicado em francês em 1948 e em inglês em 1964, obra também conhecida no mundo anglo-saxónico como The Greek Passion, reforçou a minha vontade de me dirigir ao sul de Heraklion para visitar a sepultura.



O espectáculo que o TEC apresenta é uma adaptação da peça de François Daviel, que adaptara ao teatro o romance de Kazantzakis (1962). Existe também uma versão cinematográfica da obra, realizada por Jules Dassin, intitulada Celui qui doit mourir (1957), e uma ópera de Bohuslav Martinů, com o título A Paixão Grega (Řecké pašije).


Celui qui doit mourir (El que debe morir, na edição espanhola)

Nikos Kazantzakis foi um infatigável combatente pela independência da Grécia, um lutador solitário que colocou a pena ao serviço dos ideais que nortearam a sua vida, a defesa dos pobres e dos oprimidos contra as injustiças, os egoísmos, as humilhações. Esta sua derradeira obra é também uma interrogação sobre uma questão fundamental, de grande pertinência num país maioritariamente ortodoxo praticante à altura em que foi escrita: Ainda há lugar para Cristo no mundo moderno?


domingo, 1 de julho de 2018

OS ESPIÕES ASSASSINOS





O nº 2797 de "L'OBS" (14 a 20 de Junho) consagra um dossier aos serviços de espionagem israelitas, britânicos, franceses, americanos e russos. E aos assassinatos efectuados por estes serviços. O Mossad israelita é um dos mais poderosos serviços secretos. Nada nem ninguém o detém. Eliminou Wadie Hadad, chefe do braço armado das FPLP e tentou, aparentemente sem sucesso mas persistem dúvidas, assassinar Yasser Arafat. A CIA utiliza prisões secretas para torturar à vontade presumíveis terroristas. Mesmo em França, recentemente, François Hollande declarou aos jornalistas que ordenara pessoalmente operações "homo", isto é, execuções sumárias sem julgamento. O MI6, à beira do Tamisa e a DGSE do boulevard Mortier, no coração de Londres e de Paris, pretendem estar ao serviço da sociedade. A violência arbitrária de certas operações colocam a questão da sua legitimidade e da sua legalidade. Os serviços de informações destinados a proteger os Estados, logo as democracias, são por natureza anti-democráticos??? Quais as missões que se podem confiar aos serviços secretos e como definir os limites a respeitar? O segredo e a urgência, noções fundamentais neste tipo de operações, complicam muitas vezes o controle que as instituições democráticas têm a obrigação de efectuar. O que confere um imenso poder aos seus agentes, cuja actuação pode não respeitar os valores e as leis do Estado. Tanto mais que as ordens são muitas vezes susceptíveis de interpretações diversas.

Os dossiers negros do Mossad são vastos. Registemos algumas operações. O rapto e assassinato do líder oposicionista marroquino Mehdi Ben Barka, inimigo nº 1 do rei Hassan II, em 1965, em frente da brasserie Lipp, em Paris, como moeda de troca pelo facto do rei ter autorizado o Mossad a colocar escutas nas salas de reuniões em que ocorreu uma reunião da Liga Árabe, em Casablanca. Este caso, que teve obviamente cumplicidades francesas, provocou a fúria do general De Gaulle, que decapitou o serviço de contra-espionagem francês. Outro caso foi o assassinato no seu hotel de Paris, em 1975, do cientista iraquiano Yahya Al-Meshad, que preparava a instalação de um reactor nuclear no seu país, a pedido de Saddam Hussein. Seguiram-se dois outros cientistas iraquianos, igualmente mortos pelo Mossad: Salman Rashid, envenenado em Genève e depois Abd Al-Rahman, envenenado em Paris. Como todos foram substituídos por outros mais bem pagos e mais bem protegidos, Israel decidiu-se a uma operação militar, em 1981, bombardeando o reactor nuclear a sudeste de Baghdad. Ariel Sharon, primeiro-ministro (e criminoso de guerra) mandou abater um avião civil por presumir que viajava a bordo YasserArafat, mas o comandante das forças aéreas hesitou, e ainda bem, porque não só não viajava Arafat mas o seu irmão, como o avião levava a bordo 30 crianças que iam receber tratamento ao Cairo. Quando o movimento Setembro Negro abateu 11 atletas israelitas nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, a primeira-ministra Golda Meir jurou vingança e todos os membros do comando acabaram por ser abatidos pelo mundo fora. Mas uma das operações foi um fiasco. O Mossad matou em Lillehamer, na Noruega, em 1973, Ahmed Buchiki, diante da sua companheira grávida, porque o confundiu com Ali Hassan Salameh, líder do Setembro Negro. Este facto abalou um pouco o Mossad, até porque os agentes israelitas foram presos pela polícia norueguesa.

Em 1978, Wadie Haddad (Abu Hani) morreu em grande sofrimento em Berlim-Leste. Líder da Frente Popular de Libertação da Palestina, fora ele que ordenara, em 1976, o desvio para Entebbe de um avião da Air France ligando Tell-Aviv a Paris. Foi morto graças a uma arma indetectável, conforme relatório da autópsia transmitido à Stasi, não tendo sido descoberta a substância que poderá ter causado a sua morte. Verificou-se depois que o Mossad tinha introduzido um dos seus agentes na comitiva de Abu Hani, que lhe trocara o tubo de pasta dentífrica por um outro de aparência idêntica mas contendo uma toxina mortal fabricada nos laboratórios israelitas. Cada dia que Haddad lavava os dentes ia-se envenenando lentamente.

Um outro homicídio espectacular, preparado pelo Mossad com a ajuda da CIA, foi o de Imad Moughnieh, libanês, dirigente do aparelho militar do Hizzbullah, que organizara os ataques de 1983 em Beirute contra o Quartel-General americano, o Quartel-General francês e a embaixada dos EUA.  E também os atentados anti-israelitas de Buenos Aires em 1992 e 1994. Tornara-se um homem a abater pelos serviços secretos israelitas, franceses e americanos. Estando Moughnieh em Damasco, o Mossad, com a ajuda da CIA (aval de Bush pai) colocou um explosivo indetectável (entrado clandestinamente na Síria pela mão dos americanos) na parte de trás da sua viatura, numa zona normalmente não revistada pelos seus guarda-costas. Em 12 de Fevereiro de 2008, quando entrou no carro, Moughnieh explodiu, num dos locais mais bem guardados do país. Um triunfo para o Mossad e uma humilhação para os sírios.

As páginas seguintes da revista são dedicadas ao affaire Sergueï Skripal, que todos conhecemos, permanecendo a dúvida se a ordem foi emanada do Kremlin ou não, já que não é hábito agentes de um serviço atacarem ex-colegas, já retirados da actividade de espionagem. Kripal era um agente russo ao serviço (duplo) do MI5 britânico. Pode ter acontecido que, violando as regras do jogo, Kripal tenha prosseguido a sua actividade, agora sediado no Reino Unido, e isso tenha sido intolerável para o FSB (sucessor do KGB) que resolveu punir de forma evidente, e simultaneamente, o MI5 e Kripal, actuando em solo britânico mas não utilizando arma dissimulada, antes a utilização de um produto não mortal. Assim sendo, terá sido um golpe de mestre, e um aviso para dissuadir aventuras futuras de eventuais traidores.

Sobre a França, relata o jornalista que as operações "homo" começaram no país, de maneira profissional, aquando da guerra da Argélia. É então que o SDECE (antigo serviço de contra-espionagem) estrutura um Serviço Acção, que vai utilizar militares clandestinos, reservistas ou homens contratados pontualmente, para eliminar os inimigos da República. As suas operações mataram centenas de pessoas. Inicialmente, as regras eram não intervir em França, não matar cidadãos franceses e não deixar rasto. Mas tudo evoluiu. Em 1959 foi assassinado em Paris o advogado argelino Ould Aoudia. No fim da guerra da Argélia o feitiço voltou-se contra o feiticeiro, e vários membros do SDECE tentaram mesmo assassinar o general De Gaulle. Durante a V República, apenas Chirac se opôs a esta prática: raptar, sim, mas matar, não. Mas De Gaulle e Giscard autorizaram os homicídios e Mitterrand, que teoricamente se opunha, tudo permitia com a conhecida "ambiguidade mitterrandiana". Com Sarkozy, idem e Hollande viria mesmo a declarar em entrevista publicada recentemente em livro (Un président ne devrait pas dire ça...), que autorizara pessoalmente vários assassinatos. Segundo o articulista, Macron segue a mesma linha de Hollande, ainda com mais dureza, já que não tem estados de alma e não hesita em empregar qualquer tipo de forças, sejam clandestinas ou não. É isto a política da V República e a Justiça, dado o tipo de operações, nada pode fazer. As represálias sistemáticas, estejam os inimigos onde estiverem, é uma coisa que hoje se pratica às claras e se assume já politicamente.

A CIA actua também livremente através do Special Activities Center (SAC), capturando ou assassinando em qualquer parte os inimigos dos Estados Unidos. Foram os homens do SAC que capturaram Saddam Hussein, que neutralizaram numerosos líderes da Al-Qaida no Iraque e que localizaram e assassinaram Ben Laden (com cobertura televisiva em directo para a Casa Branca). Passaram agora a utilizar drones com autorização de George W. Bush e Barack Obama. O novo presidente, Trump, interessou-se bastante pelos drones e declarou que, para vencer os terroristas "é preciso eliminar as suas famílias".

Não permite o tempo, e o espaço, determo-nos mais demoradamente sobre a actividade dos espiões assassinos, mas os interessados poderão sempre adquirir a revista e ler, na íntegra, este curioso trabalho de investigação.