Foi publicado há semanas um novo volume da colecção Dicionários Amorosos, no caso vertente o Dictionnaire amoureux d'Istanbul, de Metin Arditi, escritor francófono turco-suiço de origem judaica sefardita (n. 1945).
Este livro recorda-nos a imensa e antiquíssima cidade de Istanbul, que já foi Bizâncio e mais tarde Constantinopla, palco de notáveis acontecimentos ao longo da História.
Fui a Istanbul talvez umas dez vezes, mas já não visito a egrégia metrópole há cerca de vinte anos. Das cidades do mundo que conheço, ela é com Alexandria, São Petersburgo, Praga, Viena ou Florença um dos locais onde gostaria de viver ou, melhor dizendo, de ter vivido.
Neste livro, com numerosas entradas, Metin Arditi fala-nos de monumentos mas também de tradições, de sabores mas também de religiões, da história da cidade e do país mas também da vida social, do comércio, das ruas e das línguas. Estranhamente, pouco se fala de sexo, um dos temas mais pertinentes da sociedade turca.
O livro é ilustrado, nas páginas, por alguns desenhos de qualidade medíocre que não contribuem para uma melhor compreensão do texto. Mais valia terem colocado fotografias.
Permitir-me-ei algumas referências ao conteúdo da obra.
O autor começa por elucidar os menos informados que a cidade de Istanbul se divide em três partes: duas partes europeias, a nova, a antiga zona de Galata, hoje extensíssima, e a velha, a zona histórica dos tempos de Bizâncio e Constantinopla (separadas pelo Corno de Ouro), e uma parte asiática, a zona de Üsküdar, que já se chamou Scutari (e donde era natural Calouste Gulbenkian). E refere que alguém que passe rapidamente por Istanbul e só tenha tempo para ver três locais, terá obrigatoriamente de visitar Santa Sofia (Ayasofya ou Haghia Sophia) e São Salvador em Chora. A basílica, mandada construir por Justiniano, foi transformada em mesquita após a conquista de Constantinopla por Mehmet II. Convertida em museu, por Atatürk, em 1934, dada a sua vontade de laicizar o país, regressou recentemente à sua condição de mesquita, segundo a actual política da Turquia, prosseguida por Recep Tayyip Erdoğan, cuja intenção é islamizar o país, exactamente o contrário de Atatürk. A primitiva igreja de São Salvador em Chora foi construída possivelmente no século XIV e sofreu vários acidentes até aos nossos dias. Terá mesmo existido anteriormente no local outro templo cristão mas não existem suficientes referências. Os seus mosaicos e frescos são espantosos. Transformada em mesquita após a tomada de Constantinopla, passou à condição de museu em 1945, tendo aberto as portas, depois de delicados trabalhos de restauro, em 1958. E em 1985 foi considerada pela UNESCO como património mundial da humanidade. Em 2020, por decreto de Recep Tayyip Erdoğan, foi, tal como Santa Sofia, reconvertida em mesquita. Existindo tantas mesquitas em Istanbul, não se entende, a não ser por uma demonstração de populismo barato, o regresso destas duas igrejas, aliás já museus, ao culto islâmico. O autor manifesta a sua indignação, mas nunca refere o nome do presidente Erdoğan. A palavra "chora" em grego significa "campo" e a igreja é afastada do centro da cidade; seria outrora no campo. A designação em turco é Kariye Cammi, que se traduz por "mesquita na aldeia".
Como se trata de um Dicionário, Metin Arditi escolheu as "entradas" a seu gosto. Conhecendo razoavelmente Istanbul e a cultura turca, muitas coisas são-me familiares, mas há sempre novidades. Ignorava, por exemplo, que existiu (e ainda existe) um Patriarcado Ortodoxo Turco de Constantinopla, situado na zona de Karaköy. Para concorrer com o Patriarca Ecuménico de Constantinopla (com sede na zona de Fener), Atatürk, em 1921 (segundo o livro, mas parece que foi em 1923), designou um sacerdote grego ortodoxo, Pavlos Karahisarithis, para exercer as funções de patriarca. Este mudou o nome para Zeki Erenerol (ou Ümit Erenerol), tendo ficado conhecido como Baba Eftim I. Houve sucessores, escolhidos na família, mas o número de fiéis desta obediência, que na época tentou rivalizar com o verdadeiro Patriarcado Ortodoxo, é hoje diminuto.
Este Dicionário é também para o autor um registo de memórias, em que nos fala dos manjares, das lojas, das ruas, dos passatempos, etc. Uma particular referência à Istiklal Caddesi (avenida da Independência), a antiga Grande Avenida de Pera, na zona de Beyoğlu (Filho do Bey), a grande rua comercial de Istanbul. Aqui fica o célebre Hotel Pera Palas, onde tomei café algumas vezes, e onde estão assinalados os quartos que em tempos foram utilizados por Mustafa Kemal Atatürk e por Agatha Christie. É no começo da Istiklal Caddesi (quem sobe) que fica a famosa Çiçek Pasajı (Passagem das Flores), um edifício estilo Galeria Vittorio Emanuele, de Milão (há em Tripoli, ou havia quando lá estive, uma galeria semelhante, de proporções muito mais modestas e em péssimo estado de conservação). Essa galeria contém inúmeros e óptimos restaurantes, boas lojas e músicos que tocam durante as refeições. Em frente, situa-se o Liceu de Galatasaray, o liceu francês por excelência onde eram educados, no século passado, os filhos das boas famílias. Nas traseiras da Çiçek Pasajı existe uma rua repleta de restaurantes de "mezze", os tradicionais e apetitosos aperitivos turcos.
O autor fala-nos também dos hamamlar e dos haremler. Sobre os primeiros, refere apenas o hamam de Çemberlıtaş, mas há muitos a funcionar em Istanbul. Os turcos já não vão, como outrora, fazer as suas abluções quotidianas a um hamam, mas frequentam-nos ainda por tradição e porque são um espaço de convívio. E são também um local propício a intercâmbio sexual (masculino ou feminino, os sexos aqui estão separados), principalmente masculino, embora Metin Arditi não diga uma palavra a esse respeito. O hamam de Çemberlıtaş figura entre os mais famosos e foi mandado construir por Nur Banu Sultan, mulher de Selim II. O harem oficial (haveria outros privados) era o espaço onde viviam a mãe do sultão (Valide sultan) e as suas servas e escravas, e as esposas do sultão, as suas concubinas e as suas odaliscas. A palavra harem deriva de haram, que significa proibido e é o contrário de halal. Neste espaço só podia entrar um homem, o sultão, não sendo os eunucos considerados como homens completos. Dada a escassez do sexo masculino, as mulheres do harem entregavam-se muitas vezes a prazeres lésbicos, que o autor convenientemente menciona. Também há uma entrada para köçek, que vem do persa kuchak e significa "pequeno", em turco küçük. Tratava-se realmente de "pequenos", rapazes referenciados por serem muito bonitos, que eram preparados a partir dos seis ou sete anos na arte da dança, do vestuário, da maquilhagem e a quem eram ensinados outros predicados femininos. Actuavam, quando mais crescidos, nos meyhané, locais de diversão nocturna, donde saíam depois do espectáculo geralmente acompanhados de clientes a quem satisfaziam sexualmente.
Para lá das conhecidas mesquitas de Santa Sofia e de Sultanahmet (Mesquita Azul), detém-se particularmente o autor em três mesquitas: Çamlıca, Nuruosmaniye e Yeraltı. A mesquita Çamlıca foi mandada construir por Recep Tayyip Erdoğan na sua "cruzada" (salvo seja) para aprofundar a islamização do país. Foi inaugurada em 2019 e não a conheço porque ainda não existia aquando da minha última visita a Istanbul. Faz parte, com o novo aeroporto da cidade, na zona de Yeniköy (o aeroporto internacional Atatürk está agora reservado a voos de carga), das obras faraónicas desejadas pelo presidente turco. Está situada no cimo de uma elevada colina em Üsküdar, com vista sobre toda a cidade. É a maior mesquita da Turquia, com quinze mil metros quadrados e inclui uma galeria de arte, uma biblioteca, uma sala de conferências e um parque subterrâneo. Pode acolher mais de sessenta mil fiéis e ostenta, excepcionalmente, seis minaretes, como a Mesquita Azul, sendo de regra as mesquitas possuírem dois minaretes ou, as mais importantes, quatro. A mesquita Nuruosmaniye é a principal mesquita turca em estilo otomano barroco. Foi mandada construir por Mahmud I e o seu plano arquitectónico é "transgressor", evocando uma igreja ortodoxa. A sua construção começou em 1748 e foi concluída em 1755, um ano depois da morte do sultão, tendo o seu sucessor (e irmão) Osman III decidido sepultá-lo não na mesquita que aquele tanto ambicionara mas na Yeni Camii (a Mesquita Nova). A deselegância de Osman III foi ao ponto de dar à nova mesquita não o nome do defunto mas o seu próprio nome, antecedido da palavra "luz sagrada" (nur), ficando a designar-se Nuruosmaniye. O primo de Osman, Mustafa III, que lhe sucedeu, resolveu vingar a afronta a Mahmud e sepultou Osman não na mesquita com o seu nome mas igualmente na Yeni Camii. A mesquita Nuruosmaniye fica situada em Çemberlıtaş, próximo do Grande Bazar. A mesquita Yeraltı (que significa subterrâneo) é uma curiosidade do tempo de Constantinopla. Está situada em Karaköy, à entrada do Corno de Ouro e ocupa as caves do antigo castelo de Galata. Muito pequena e desprovida de ornamentos, não recebe luz natural, e tem acesso a partir do cais de Karaköy. O local foi transformado em mesquita pelo grão-vizir Nahir Mustafa Paşa em 1757, que mandou erguer um minarete.
Um das grandes atracções de Istanbul é o Grande Bazar, Kapalı Çarşı (Bazar coberto), situado na zona de Çemberlıtaş, criado por Mehmet II com o propósito de promover o repovoamento da cidade. Possui umas sessenta ruas e ruelas, albergando todo o tipo de lojas. Foi lá que comprei o candelabro do meu escritório segundo o modelo (obviamente em formato reduzido) dos utilizados nas mesquitas. Fica próximo do Bazar das Especiarias ou Bazar Egípcio (Mısır Çarşısı), onde costumava comprar esponjas de banho naturais por metade do preço das vendidas em Portugal. O Bazar Egípcio está integrado no complexo da Yeni Camii (Mesquita Nova) e os seus rendimentos destinavam-se à sua manutenção. Nestes bazares praticava-se também o mercado dos escravos. Não sendo permitido no islão o comércio de escravos, este negócio era exercido pelos judeus do Império. Mas os muçulmanos podiam possuir escravos, comprá-los e vendê-los. Os escravos (de ambos os sexos) serviam como trabalhadores manuais, criados e também (sendo jovens e bonitos) para o prazer sexual dos seus donos. Eram, na maioria, caucasianos, capturados nas margens do Mar Negro.
Merece também destaque o Palácio de Dolmabahçe (Dolmabahçe Sarayı), mandado construir por Abdülmecid II em 1842 e concluído em 1856, na margem europeia do Bósforo. O sultão não apreciava o Palácio de Topkapi, ícone de Istanbul, começado a construir em 1463 e sucessivamente aumentado ao longo dos séculos, preferindo um novo edifício, gigantesco, que pretendia rivalizar com o Palácio de Versailles e destinado a impressionar os dignitários estrangeiros. Foi em Dolmabahçe que expirou Atatürk e pude há anos visitar o quarto onde morreu, encontrando-se a cama coberta com a bandeira da Turquia. E todos os relógios do palácio estão parados na hora do seu passamento. É claro que muitas das coisas que aqui escrevo não constam do Dicionário mas decorrem da minha experiência pessoal.
Notei uma falha importante no Dicionário: não consagra uma entrada à Cisterna de Justiniano (Yerebatan Sarnıcı), a Cisterna Subterrânea, embora fale dela a propósito de "Paradoxo". É uma edificação imponente, perto de Santa Sofia, mandada construir em 532 pelo imperador Justiniano e que era responsável pelo sistema de filtragem de água para o grande Palácio de Constantinopla. Sofreu vários restauros e, já nos nossos dias, tornou-se num local turístico, onde antes se podia passear de bote e agora percorrer caminhando nas passadeiras de madeira existentes sobre a água.
Sendo a França, e a sua cultura, uma paixão dos istanbuliotas, também os escritores franceses se debruçaram sobre a cidade, registando nos seus textos o fascínio que a mesma exercia sobre eles. Metin Arditi cita Chateaubriand, Lamartine, Gérard de Nerval, Pierre Loti (obviamente), Théophile Gautier, Anna de Noailles, Maurice Barrès e Paul Morand. Sobre Gide, diz: «Quant à Gide, mal embouché, il écrira dans son Journal, "qu'il ne saurait pas prêter son coeur au plus beau paysage du monde parce qu'il n'aime pas les Turcs et que tous le Turcs sont laids". Tous les Turcs, laids? Voilà qu'il me paraît cacher une rancoeur. Aurait-il été éconduit par quelque bel Ottoman?». Para quem conhece os turcos não se pode compreender esta observação de André Gide.
Ao longo do livro, o autor não esconde a sua aversão aos ingleses. A propósito da entrada "Palais de France", isto é, o Consulado Geral de França em Istanbul, a antiga Embaixada no tempo do Império (um edifício onde eu estive uma vez, na inauguração de uma exposição), Arditi escreve em P.-S.: «Un détail me chiffone, dans cette histoire [refere-se ao texto da entrada]. À partir de 1799, le palais de France fut occupé par les Britanniques. S'y installa Lord Elgin, leur ambassadeur. Cette présence de la perfide Albion m'est particulièrement insupportable. Ce Lord Elgin était un crapule. C'est lui qui a arraché les frises du Parthénon, commettant ainsi le plus grand acte de brigandage de l'histoire de l'art. Il est vrai que le palais de France d'alors a brulé. Le palais actuel est donc "Elgin free". Rappelons que les frises se trouvent encore au British Museum, un séquestre qui rappelle les sombres heures du colonialisme britannique.» (pp. 307-8)
Também interessante a referência ao Orient-Express, uma viagem ferroviária que nunca fiz, e já não farei. O primeiro combóio com destino a Constantinopla saiu de Paris em 5 de Junho de 1883: aos passageiros era solicitado que se munissem de pistola, dada a incerteza da segurança nos países que eram atravessados e a viagem era parcialmente feita por via marítima. Só a partir de 1 de Junho de 1899 é que a viagem passou a decorrer continuamente por via férrea. Com o correr dos anos a companhia criou o Hotel Pera Palas para conforto dos clientes. A estação de chegada a Istanbul era a Gare de Sirkeci, perto de Eminönü, de que guardo as melhores recordações. Grandes celebridades viajaram no Orient-Express: Einstein, Freud, Joséphine Baker, Cocteau, Hemingway, Coco Chanel e mesmo Lawrence da Arábia. Muitos livros têm por cenário o mítico combóio, mas o mais famoso é O Crime do Oriente-Expresso, de Agatha Christie, que também nele viajou. A circulação foi interrompida durante as duas guerras mundiais, mas retomada depois de 1945, sendo mais tarde suspensa devido às formas mais rápidas, cómodas e menos dispendiosas de viajar para Istanbul. Ainda se efectuam hoje viagens mas a título revivalista.
Sem pretender alongar-me excessivamente, tenho, todavia, de referir mais alguns lugares.
A Süleymaniye (a Mesquita de Solimão, o Magnífico) , mandada construir pelo sultão segundo o projecto de Sinan, que foi o maior arquitecto otomano, é de notável requinte e simplicidade. A sua edificação iniciou-se em 1550, com um plano semelhante ao de Santa Sofia e incluía uma escola de estudos corânicos, um centro de estudo das palavras do Profeta, uma escola de medicina, um refeitório, um hospital e um caravançarai. Abriga os túmulos de Solimão e de sua esposa Hürrem Sultan, conhecida por Roxelana. Como as grandes mesquitas, ostenta quatro minaretes.
A Mesquita de Sultanahmet (chamada a Mesquita Azul, devido à cor da sua decoração interior), em frente a Santa Sofia e com seis minaretes, é a mais notável de Istanbul. Mandada edificar em 1609 pelo sultão Ahmet I, situa-se na área outrora ocupada pelo Grande Palácio de Constantinopla, residência dos imperadores bizantinos. Entre Santa Sofia e Sultanahmet existe um vasto jardim público e a Mesquita tem uma das suas faces sobre outro largo jardim onde existiu o célebre Hipódromo. Nas traseiras da Mesquita há (ou havia, já foi há uns anos) um pequeno jardim e o escritório de um funcionário administrativo que um dia, depois de uma das minhas visitas matinais ao templo, me convidou para tomar chá com ele no local nessa tarde. Foi uma conversa agradável.
O Hotel Pera Palas (Pera, em grego, era o nome do local onde se encontra o hotel, hoje denominado Beyoğlu), inaugurado em 1892, recebeu grandes celebridades: Sarah Bernhardt, o Xá da Pérsia, Giscard d'Estaing, Churchill, Hemingway, Jacqueline Kennedy, Graham Greene, Agatha Christie (o quarto 411) e Mustafa Kemal Atatürk (o quarto 101). O ascensor do Hotel foi o primeiro a existir no país, instalado três anos depois do da Torre Eiffel.
O autor faz também uma referência ao nome de Istanbul que já vira, há anos, noutra publicação. Neste caso diz-se que remontaria ao tempo de Constantino e significaria Istin Poli (Ir à cidade), de "polis". cidade em grego. Recordo que, quando li, teria sido a expressão usada por Mehmet II para iniciar o ataque a Constantinopla em 1453: "Para a cidade".
Outra das entradas é dedicada aos cemitérios de Istanbul. Parece que a cidade conta algumas dezenas, mas só conheço o mais importante, e imenso, cemitério de Eyüp, que se estende sobre a colina homónima, na margem direita do Corno de Ouro. O nome Eyüp é a turquização do árabe Ayyub. Assim, Abu Ayyub al-Ansari, companheiro de armas do Profeta, teria morrido nesse local, em 674 (?), quando da tentativa dos árabes de tomarem Constantinopla. Segundo a lenda, depois da tomada da cidade em 1453, Mehmet II tivera, num sonho, a revelação do local onde se encontravam os restos mortais de Ayyub. Tendo sido, obviamente, descobertos, logo o sultão mandou construir um mausoléu e uma mesquita, que tive oportunidade de visitar uma vez. No cimo da colina, existe o Café Pierre Loti, que também frequentei, e que se encontra no sítio largamente referido pelo escritor francês na sua obra.
O Regime de Capitulações era um sistema que permitia que os cidadãos de alguns países que vivessem no Império Otomano pudessem ser julgados de acordo com a sua legislação nacional e por tribunais desses países. Houve acordos com Génova, França, Inglaterra, Holanda, Áustria, Polónia, Rússia, Suécia, Prússia, etc., que podiam ser, ou não, objecto de contrapartidas. Com a decadência do Império este Regime foi progressivamente enfraquecido, acabando por ser definitivamente abolido pelo Tratado de Lausanne em 1923.
Um pouco de história recente: Terminada a Primeira Guerra Mundial, em que a Turquia foi derrotada, foi assinado com os "Aliados", em 30 de Outubro de 1918, um armistício em Moudros, na ilha grega de Lemnos, suspendendo as actividades militares. O Tratado de Sèvres, em 10 de Agosto de 1920, consagrou a derrota turca, que perdeu três quartos do seu território. O sultão já não controlava o país e Atatürk reunira em Ankara a Grande Assembleia Nacional criada em 23 de Abril de 1920. Nessa altura, reunia-se a Conferência de San Remo (19 a 26 de Abril) que partilhou o Médio Oriente, partilha de que ainda hoje estamos a sofrer terríveis consequências. Foi confiado à Sociedade das Nações o estabelecimento de Estados "mandatários" (em lugar de "colonizadores") que deviam conduzir os povos que lhes eram submetidos «jusqu'à leur majorité, ces peuples n'étant pas capables de se diriger eux-mêmes dans les conditions extrêmement difficiles du monde moderne». Então Atatürk assumiu o comande do exército turco, derrotou os Aliados após uma guerra feroz, e foi assinado o Tratado de Lausanne, em 24 de Julho de 1923, que definiu as actuais fronteiras da Turquia.
O autor também se refere, obviamente Santa Sofia. Mandada construir pelo imperador Justiniano, foi consagrada em 537. Restaurada várias vezes devido aos sismos que abalaram a cidade, foi saqueada em 1204 pelos cristãos latinos da IV Cruzada, instigados pelo doge de Veneza. Os invasores, que fundaram o efémero Reino Latino de Constantinopla, roubaram largamente a cidade. Recordo que os cavalos que estão hoje na Basílica de São Marcos, em Veneza, figuravam no célebre Hipódromo fronteiro à actual Mesquita de Sultanahmet. Como escrevi acima, Mehmet II transformou a Basílica em mesquita e mandou construir um minarete. Seu filho Bayezid II mandou construir um segundo minarete e Selim II mandou acrescentar mais dois. Em 1934, Atatürk decretou a transformação da mesquita em museu; foi nessa condição que a visitei algumas vezes. Lamentavelmente, sem qualquer justificação razoável, Erdoğan reconverteu-a em mesquita em 2020. Sobressaltos da história.
São dedicadas algumas páginas a Sinan, o maior arquitecto otomano, que serviu os sultões Solimão, Selim II e Murad II e que construiu cerca de 500 edifícios (dos quais mesquitas célebres, como a Süleymaniye e a Selimiye), em Constantinopla e por todo o Império.
Também é evocado Sokullu Mehmet Paşa, nascido Bayo Sokoloviç numa família grega da Bósnia. Capturado em tenra idade e integrado nos janízaros, prosseguiu uma carreira famosa, vindo a ser grão-vizir de Solimão, de Selim II e de Murad III. Começou a carreira como pagem, depois rapaz aprendiz, criado de quarto, portador de sabre e camareiro. Foi a seguir capitão da frota otomana (beylerbey, "bey entre os beys") e comandante em chefe do exército otomano durante a guerra contra os Habsburg. Casou com Esmehan Sultan, filha do futuro Selim II. Fiel às suas raízes bósnias, restabeleceu o patriarcado da Sérvia e construiu uma igreja em memória de sua mãe. Viria a ser assassinado por um fanático em 1579.
Uma entrada especial é consagrada a Solimão, o Magníifico, o mais notável sultão depois de Mehmet II, cuja obra de legislador é notável e sobre o qual existem muitas biografias. Dispenso-me aqui de comentários.
A Sublime Porta (Bab-ı Ali) era a designação do Palácio do Grão Vizir (e do Governo Otomano). Hoje, existe apenas a porta propriamente dita, sobre a Alemdar Caddesi, havendo no interior do parque vários edifício que julgo pertencerem a órgãos policiais. A porta é tão só um arco sobre o qual consegui ser fotografado a partir do outro lado da rua, com dificuldade pois o trânsito é intenso. A palavra "Ali" quer dizer alto, monumental e a tradução para "sublime" foi utilizada a primeira vez por um diplomata francês, no século XVI.
O Palácio de Topkapı ("Porta das balas") encontra-se descrito em muitas publicações. Direi só que os setenta hectares da superfície abrigam quatro grandes pátios, dezenas de pavilhões, de mesquitas e de construções destinadas a diversas funções. Servia de residência do sultão e da sua corte, harém, casernas, estábulos, escolas, hospitais, dormitórios, farmácias, hammams e encantadores quiosques (köşk) disseminados pelos jardins. A edificação começou no tempo de Mehemet II, depois da tomada de Constantinopla, e prosseguiu com os seus sucessores. Não cabe aqui a descrição do seu conteúdo.
O autor intercala no texto alguns trechos dos seus romances com temas sobre Istanbul.
Muito mais haveria a dizer sobre o livro, e também poderia registar as minhas impressões pessoais, mas este texto já saiu mais longo do que o previsto. Fiquemos, pois, por aqui!