terça-feira, 17 de maio de 2022

FERNANDO PESSOA E ALEISTER CROWLEY

Por falta de tempo, só agora leio Encontro Magick de Fernando Pessoa e Aleister Crowley, publicado em 2001. 

Trata-se da edição da correspondência entre estas importantes figuras do esoterismo português e britânico, organizada por Miguel Roza, sobrinho do Poeta, que também assina a introdução.

Sobre Fernando Pessoa já está tudo (ou quase) dito.

Sobre Aleister Crowley: Nasceu, como Edward Alexander, em Leamington, no Warwickshire, em 12 de Outubro de 1875 e morreu em Hastings em 1 de Dezembro de 1947, tendo sido cremado. Espírito brilhante, homem inquieto, cedo se interessa pelo esoterismo e a alquimia. É iniciado na sociedade Golden Dawn, a que também pertenceu William Butler Yeats, e de que é expulso por bissexualidade, e percorre depois as associações secretas europeias. Levando uma vida dissoluta, especialmente com mulheres (mas também com homens, embora não referido neste livro), torna-se viciado em álcool e em drogas. Intitula-se 666, o número da Besta, funda na Sicília a célebre Abadia de Thelema (influência de Rabelais?), e prossegue uma carreira de ocultista, mágico, satanista, escritor e, eventualmente, espião ao serviço da Alemanha.

Por razões sociais, casa em 1903 com Rose Kelly, irmã do filósofo Henri Bergson (que era casado com uma prima de Marcel Proust), de quem mais tarde se divorcia para contrair outros matrimónios. 

Apesar de ter algumas posses, esbanja dinheiro, sendo obrigado a recorrer a amigos para o ajudarem na sua vida e publicações. Viaja por diversos países, fazendo uma curta estada na Tunísia para tentar livrar-se do consumo de drogas. Em 1925, vai viver para Paris e contrata um rapaz de origem judia nascido nos Estados Unidos, Francis Israel Regardie, então com 20 anos, para seu secretário. Regardie é um apaixonado pelo esoterismo e vê em Crowley um Mestre, e este não se faz rogado em oferecer-lhe casa, comida e iniciação em troca dos seus préstimos como amanuense (e possivelmente outros). A relação não dura muito tempo, porque a vida escandalosa de Crowley leva a que a família do rapaz o obrigue a abandonar o Mestre. Aliás, o governo francês retirará a ambos o permis de séjour.

Entre as obras de Aleister Crowley contam-se:

- Book 4

- The Holy Books of Thelema

- The Magical Diaries of Aleister  Crowley

- The Confessions

Sobre Aleister Crowley pode ler-se:

- The Magical World of Aleister Crowley, de Francis King

 - The King of the Shadow Realm, de John Symmonds

Nas biografias de Crowley encontram-se os pormenores da sua vida aventurosa e das suas relações com as ciências ocultas.

Sobre o encontro de Aleister Crowley com Fernando Pessoa, em Portugal sabemos pela documentação existente o seguinte:

Crowley chegou a Lisboa, acompanhado pela sua companheira Hanni Jaeger, em 2 de Setembro de 1930. Viajaram no paquete "Alcântara" e foram acolhidos no cais por Pessoa, tendo ficado instalados no Hotel de l'Europe (hoje Bahr & Terrace), na Praça Luís de Camões. No dia 7 o casal almoçou com Fernando Pessoa, desconhecendo-se o local. Os Crowley passearam pela Costa do Sol e por Sintra, tendo-se alojado a seguir no Hotel Paris, no Estoril, donde viriam a ser expulsos devido a uma experiência mágico-sexual em que Hanni entrou em histerismo, alarmando os restantes hóspedes. O novo pouso foi o Hotel Miramar, no Monte Estoril, mas Hanni resolveu entretanto fugir para a Alemanha.

É nesta ocasião que se verifica o célebre desaparecimento (e posterior "ressurreição") de Crowley, um canular urdido por este com a cumplicidade de Pessoa e de Augusto Ferreira Gomes, jornalista, escritor e amigo do Poeta. Em 23 de Setembro, Ferreira Gomes encontra "casualmente" na Boca do Inferno uma carta de Crowley dirigida a Hanni (anunciando o seu suicídio) e uma cigarreira de tipo egípcio. Mas sabe-se posteriormente, por informação da Polícia Internacional, que Crowley viajara na noite de 23 para 24, no Sud-Express, para fora de Portugal. Pessoa entrega o caso à Polícia de Investigação Criminal, que procura (infrutiferamente dado o local) o cadáver, e redige importantes notícias sobre este pseudo-suicídio que são publicadas por Ferreira Gomes no "Diário de Notícias" do dia 27 e no "Notícias Ilustrado", suplemento do "Diário de Notícias", em 4 de Outubro. Entretanto, Crowley encontrava-se "secretamente" em Berlim, escondido por Karl Germer, editor associado às suas publicações. 

Ainda antes da vinda de Crowley, Pessoa enviara à editora deste, Mandrake Press Limited, os seus "poemas ingleses", com a intenção de que pudessem ser publicados na Grã-Bretanha. Há também correspondência desta editora sugerindo a Pessoa que se tornasse sócio, decisão que este obviamente dilatou, uma vez que para tal não possuía recursos. Existe a hipótese de que Crowley tenha simulado o seu suicídio pelo facto de estar na altura sem dinheiro; realmente, abandonou o hotel do Monte Estoril sem ter pago a conta. Devido à possível intercepção de correspondência, Crowley e Pessoa trocarão depois cartas com nomes supostos e iniciáticos. Ainda em Outubro, Pessoa informa Germer de que chegou a Lisboa um detective privado inglês para averiguar o desaparecimento de Crowley, outra fantasia do Poeta. 

Durante um tempo, Pessoa e Crowley manterão correspondência cifrada, mas o Poeta afastar-se-á progressivamente do Mágico.

Também a intenção de Pessoa de publicar uma novela policial sobre o desaparecimento de Crowley sob o pseudónimo de um detective inglês (seria outro heterónimo do Poeta?) não vai por diante, já que este se desinteressou do assunto. Mas deixou ainda um índice dos possíveis capítulos e alguns textos que incluiria nos mesmos.

Capítulo I - O Caminho do Diabo

Capítulo II - Preparando a Acção

Capítulo III /IV - Começou o Caso/Aleister Crowley em Portugal

Capítulo V - Verificando uma Mistificação

Capítulo VI/VII - O Álibi Inesperado/O Sr. Cole

Capítulo VIII - A Dualidade Crowley/Cole

Capítulo IX - Caso Concluído

Capítulo X - Assassínio e um Epitáfio

A reaparição de Crowley na Alemanha e a progressiva perda de interesse pelo caso no nosso país levaram certamente Pessoa a pôr de parte a ideia de publicar a novela sobre o pseudo-suícidio de Crowley, acontecimento que ajudara a fabricar e que inegavelmente lhe deve ter dado imenso gozo.

Sobre o Caso da Boca do Inferno, o meu falecido amigo Victor Belém, pintor e "esoterista", realizou interessantes exposições na Casa Fernando Pessoa e no Museu Condes de Castro Guimarães, em Cascais, em 1996, sobre as quais publicou valiosos opúsculos que vou agora reler.

Há também uma tradução portuguesa do livro Aleister Crowley, de Christian Bouchet

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