No dia 30 de Abril de 1945, Adolf Hitler suicidou-se, segundo a história oficial, no bunker da Chancelaria do Reich, em Berlim.
Muito se tem escrito sobre a morte (ou não) do Führer, e são várias as hipóteses acerca do que terá acontecido naquele último reduto berlinense da Alemanha Nazi, há precisamente 73 anos. O livro, publicado o mês passado, La mort d'Hitler, do jornalista e realizador de documentários francês Jean-Christophe Brisard e da jornalista e realizadora de documentários russo-americana Lana Parshina, conta as diligências dos autores em Moscovo para obterem a confirmação da morte de Hitler, dúvida que constituiu uma preocupação constante de Stalin, que pretendia demonstrar aos Aliados que fora ele o verdadeiro vencedor da Alemanha Nazi. Daí a preocupação das tropas russas de serem as primeiras a entrar em Berlim em 1945. Pelo meio do livro, são intercalados capítulos dedicados aos últimos dias decorridos no bunker, segundo os depoimentos dos sobreviventes, matéria já abundantemente tratada em livros e até no cinema, mas aqui com pormenores adicionais.
Apesar dos múltiplos obstáculos levantados pelas autoridades russas, os autores conseguem visitar, mais do que uma vez, ao longo de 2016 e 2017, o GARF (Gosudarstvennyy Arkhiv Rossiyskoy Federatsii), isto é, os Arquivos do Estado da Federação Russa; o FSB ( Federal'naya Sluzhba Bezopasnosti Rossiyskoy Federatsii), isto é, o Serviço de Segurança Federal da Federação Russa [sucessor do KGB (Komitet Gosudarstvennoy Bezopasnosti) ou Comité de Segurança do Estado], sediado na Praça Loubianka, mais concretamente os TsA (Tsentral'nyi Arkhiv, Arquivos Centrais), na Rua Bolchaïa Loubianka, nº 2 [o KGB foi extinto em 1991, tendo sido substituído, nos mesmos locais, pelo FSB, em 1995]; e os RGVA (Rossiiskii Gosudarstvennyi Voennyi Arkhiv), isto é, os Arquivos do Estado Militares Russos.
Pedaço do crânio de Hitler |
No GARF, conseguem examinar um bocado do crânio de Hitler (com um impacto de bala) e uns pedaços do divã no qual se terá suicidado; no FSB, alguns bocados do maxilar, com destaque para os dentes; no RGVA, os relatórios secretos da polícia relativos aos testemunhos dos que privaram com Hitler no bunker, nos últimos dias. Os Arquivos Militares albergam cerca de 7,3 milhões de documentos relativos ás forças armadas soviéticas, e depois russas, bem como dos serviços de informação militares. Aí se encontram também todos os documentos oficiais do III Reich de que os soviéticos se apoderaram no fim da Segunda Guerra Mundial. Entre eles, os dossiers pessoais dos dirigentes nazis, o diário íntimo de Goebbels e a agenda de trabalho de Himmler.
Stalin pretendeu primeiro que a URSS não sabia do cadáver do Führer e admitiu depois que a haver um suicídio ele teria sido efectuado com veneno e não com uma pistola, pois Hitler seria um cobarde e não teria coragem, como compete aos militares, para dar um tiro na cabeça.
Nos Arquivos Militares, três dossiers mereceram especial atenção das autoridades soviéticas:
- Heinz Linge, criado de Hitler, 32 anos, SS-sturmbannführer (comandante)
- Hans Baur, piloto de avião de Hitler, 47 anos, SS-obergruppenführer (general do corpo do exército)
- Otto Günsche, ajudante de campo de Hitler, 28 anos, SS-sturmbannführer (comandante)
Os presumíveis cadáveres de Hitler e de Eva Braun foram encontrados, por acaso, no jardim da Chancelaria, em 5 de Maio de 1945, segundo relatório existente nos TsA (FSB) relativo à descoberta e autenticação do corpo.Também aqui existe um casaco amarelo mostarda de Hitler com três insígnias: um medalhão cercado de vermelho e branco com uma cruz gamada ao centro (símbolo do Partido Nazi); uma medalha militar (Cruz de Ferro de 1ª Classe) ; e uma insígnia representando um capacete militar sobre duas espadas cruzadas (insígnia dos feridos da Primeira Guerra Mundial). Igualmente, um aparelho ortopédico de Goebbels (que coxeava) e uma cigarreira dourada com a assinatura de Hitler e a data de 29.10.1934 (um presente do Führer a Magdalena Goebbels).
Segundo os relatórios conservados "Top Secret", os cadáveres foram encontrados perto do local onde se encontravam os corpos de Goebbels e de sua mulher Magda. Foram enterrados junto ao bairro berlinense de Buch. Mais tarde foram transportados para os arredores da cidade de Finow e em 3 de Junho de 1945 para as proximidades da cidade de Rathenow, onde foram sepultados "definitivamente". Os cadáveres estariam sepultados a 1,7 metro, na seguinte ordem: Hitler, Eva Braun, Goebbels (ministro da Propaganda), Magda Goebbels, o general Krebs (Chefe do Estado-Maior do Exército, suicidado no bunker) e os filhos dos Goebbels, envenenados por estes com cianeto, a fim de não viverem numa Alemanha que não fosse nacional-socialista.
Pedaço do maxilar de Hitler |
Finalmente, os autores conseguem que o crânio e os dentes sejam examinados por um eminente especialista, o doutor Philippe Charlier, célebre pela identificação dos restos mortais de Henrique IV, São Luís IX e Ricardo Coração de Leão. Este, apesar de inúmeras dificuldades burocráticas, consegue fotografar os objectos e analisar os resultados em Paris, concluindo que os dentes são indubitavelmente de Adolf Hitler.
Segundo documento secreto de 21 de Fevereiro de 1946, os corpos atrás mencionados foram transferidos de Rathenow para Magdebourg, onde foram enterrados. Por fim, segundo o plano da operação "Arquivo", por decisão de Andropov, os restos das pessoas citadas foram definitivamente destruídos, por combustão, em 5 de Abril de 1970, num terreno vago da cidade de Scönebeck, a 11 quilómetros de Magdebourg. As cinzas foram lançadas no rio Biderin.
Fica aqui registada a odisseia destes investigadores, de que só mencionámos o essencial das 350 páginas de texto. O livro lê-se como um romance policial, recolhe inúmeros pormenores, critica a burocracia dos serviços russos e os sucessivos problemas com que os autores se depararam para atingir as suas metas. Trata-se de mais uma contribuição para o esclarecimento do que aconteceu nos últimos dias no bunker, depois das dezenas de livros publicados por historiadores e pelos sobreviventes da queda do III Reich, nomeadamente, por Traudl Junge, que foi secretária de Hitler até aos últimos momentos.
O livro La mort d'Hitler pretende encerrar a polémica acerca do destino final do Führer, depois de tantos testemunhos de pessoas que o terão avistado em países da América do Sul.
Tê-lo-á conseguido?
NOTA: Não existem, tanto quanto sabemos, fotografias dos cadáveres carbonizados de Adolf Hitler e de Eva Braun, nem tão pouco dos cadáveres de Joseph Goebbels e de Magda Goebbels. Nem sequer das autópsias, oportunamente efectuadas, dos cadáveres de Hitler e de Braun.